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Publicada em: 02/04/2024 09:56. Atualizada em: 02/04/2024 14:37.

Autismo: Quem cuida também precisa de cuidado

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Início do corpo da notícia.

patrícia k.jpg“Um dia me olhei no espelho e não me reconheci. Deixei de fazer as coisas que eu gostava, coisas simples, como sair para tomar um café. Eu via tudo cinza, era como se eu estivesse completamente sozinha. Um dia, eu estava dando banho no Davi e ele falou algo engraçado. Eu ri e ele me disse: mamãe, que bom que hoje tu está feliz!”


Esses foram os sinais que fizeram Patrícia Kraetzig Azevedo entender que ela também precisava de cuidados. Muito se fala da atenção especial aos pacientes com Transtorno de Espectro Autista (TEA); nada ou quase nada se fala do cuidado com quem cuida. Mães, na maioria dos casos. 


“É natural que a gente acabe se anulando. Isso acontece mesmo na maternidade típica; na atípica, é com maior intensidade”, desabafa a técnica judiciária, de 43 anos, lotada na Vara do Trabalho de São Gabriel. 


Uma ligação do irmão de Patrícia para a mãe deles foi o alerta a respeito da sobrinha Helena, então com dois anos e três meses. O tio percebeu que a menina não interagia nas brincadeiras, não era muito atenta aos chamados. A mãe conversou com Patrícia. Mesmo resistente à ideia, ela buscou informações na internet e conseguiu a consulta com uma neuropediatra já no dia seguinte.


Do rápido diagnóstico de TEA no nível 2 de suporte, a mãe foi direto à ação: uma postagem em rede social, na qual informou a situação e pediu ajuda. O pedido rendeu muito apoio. A solidariedade veio de desconhecidos e de todos os cantos do país. “Houve mães que me ligaram e ficamos por horas conversando. Uma delas foi a juíza Fabiana Gallon, que já passou pela VT de São Gabriel. Aquilo foi muito bom, era o que eu precisava naquele momento, informação”, relata.


Com Dudu, Patrícia conta que foi diferente. O filho teve um desenvolvimento normal até os dois anos e três meses. Nessa época, passou a repetir os mesmos atos de Helena.“Ele abria e fechava gavetas repetidamente, ordenava objetos em sequência, lado a lado ou os empilhava. Nós não sabíamos se ele fazia aquilo por vê-la fazendo ou se ele poderia estar dentro do espectro”.


TEA regressivo foi o diagnóstico do filho mais novo, aos dois anos e quatro meses. Desta vez, porém, o silêncio e o luto foram necessários aos pais, que viviam a situação pela segunda vez. A mãe diz que precisou se cuidar antes de oferecer os cuidados que o filho mais novo precisava. 


Hoje, Patrícia diz que também está em processo de autocuidado e que “há dias e dias”. Alguns dias em que “se desaba” e “outros em que se reconstrói”. 


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Dudu, Helena e Davi

Dia a dia - A rotina das crianças, na verdade, não é o que se pode chamar de rotina. Além do trabalho, em regime de teletrabalho, Patrícia administra a agenda das crianças, com a ajuda de Eduardo, com quem é casada há 20 anos. A família mora em Santa Maria, no centro do Estado. 


Helena está sendo alfabetizada na escola regular. Ela e Dudu  têm assistência de fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, psicopedagoga, musicoterapeuta e aulas de psicomotricidade. A assistência terapêutica para os dois irmãos, em breve, terá início em casa. 


Davi, com seis anos de idade, ainda não sabe que Helena, com cinco, e Dudu, com três, têm o TEA. Ele pergunta por que Helena vai para escola com o cordão (identificação TEA, o quebra-cabeça colorido) e ele não. A mãe explica que é para que as professoras saibam que a menina precisa de ajuda. 


Patrícia conta que Davi está sempre ajudando os irmãos, os chamando para brincar, cuidando deles de um jeito diferente, mesmo que de modo inconsciente. 


“Uma vez, quando ninguém sabia que eu estava grávida do Dudu, o Davi olhou para a minha barriga, abanou e disse que era para eu ficar tranquila que ia ficar tudo bem. Eu fiquei surpresa. Eu sei que vou ter que falar, logo eu vou ter que explicar. O que os médicos dizem? Dizem que ele já sabia antes de nós”



Desafios -  “As pessoas têm que abrir a mente, falar abertamente. Outra questão é que a gente sempre tem que lutar pelo que é básico, pelo que já é nosso direito. Isso cansa”.


Patrícia conta que já foi reprovada por outras mães sobre a postura de “expor os filhos”. “Entendo que para algumas famílias é difícil falar abertamente, mas meus filhos nunca vão pensar que eu tenho vergonha deles. Eu passo por situações difíceis falando; imagine negando a situação! Se um dia eu for convidada para falar para 500, para mil pessoas, eu vou ter branco, eu vou ficar nervosa, mas eu vou falar, eu vou compartilhar a informação que eu tenho.”


“É difícil você já ter um direito reconhecido em lei e ter que brigar com um plano de saúde, com uma escola, com uma instituição. É algo que você já tem e tem que ficar implorando, às vezes, a um atendente. Essas são coisas muito desgastantes”, diz.


Há, ainda, uma terceira questão difícil de enfrentar: o TEA não vem sozinho. Patrícia diz que sempre é possível que o transtorno venha acompanhado de comorbidades como epilepsia, TDAH, distúrbios de sono, alimentares e do desenvolvimento.

“Eu olhava para algumas mulheres na sala de espera da clínica e via elas rindo. 
Eu pensava: como elas conseguem? 
Falei para a pediatra: será que eu chamo elas para a minha casa? 
A pediatra disse que poderíamos fazer o encontro em um sábado de manhã, no espaço da clínica…
O grupo foi o que me salvou. 
Quando comecei a ver outras mães e trocar experiências, elas foram me direcionando
para outros caminhos e foi-se criando uma conexão muito forte.”


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               logomarca podcast do Grupo Maternando no Espectro             stúdio podcast.jpg                                                                                     




“Não pode ser só eu que estou passando por isso” 

Esse foi o pensamento que fez Patrícia criar o “Maternando no Espectro”, em julho de 2023. Hoje, a rede integra, informa e apoia 81 mulheres. São 79 mães de Santa Maria, uma de Santiago e uma de São Vicente, cidades da região central do Estado.


Elas se reúnem mensalmente para cafés, palestras e encontros com a participação de profissionais ligados ao tema. A iniciativa rendeu uma temporada com 10 podcasts de mesmo nome (confira aqui)Abre em nova aba. Há previsão de novas gravações a partir de maio.

 maternando evento - todas banner.jpeg       Mulheres participantes do grupo Maternando no Espectro em banner de divulgação de evento        Exposição de fotos de mães que integram o Grupo Maternando no Espectro


“Eu renasci com o grupo. Dá trabalho, é cansativo, é corrido, tem que procurar pessoas, gravar, editar, mas eu fico realizada com a produção dos programas e a organização dos eventos. Uma das mães disse que é minha missão de vida”, conta Patrícia.


Outra realização do “Maternando” foi a exposição de fotos das mulheres, com produção e cliques profissionais.“Isso foi muito importante, porque muitas dessas mães já não se viam como mulheres há muito tempo”, diz Patrícia. A mostra ganhou espaço em um shopping de Santa Maria no ano passado. 


Priscila é uma mulher nega, com cabelos pretos e lisos. Ela veste camisa branca e calça bege clara. Está sorrindo e olha diretamente para a camera.Autocuidado - Com 13 anos de formação, seis deles dedicados ao trabalho com famílias atípicas, a psicóloga Priscila da Costa Soares atualmente divide seu tempo entre a clínica, o Centro Especializado em Reabilitação Física e Intelectual da Apae Santa Maria e palestras sobre maternidade atípica.


A profissional afirma que há altos índices de estresse na parentalidade atípica. Principalmente entre os cuidadores, representados, na maioria das vezes, pela figura feminina.


Ela enfatiza a urgência de se identificar e administrar o estresse, para evitar fatores de risco, como o esgotamento físico e mental, bem como sintomas de depressão e ansiedade. 


“Construam e busquem redes de apoio, através de grupos, capacitações, profissionais habilitados e humanizados. Aprendam a otimizar o tempo e tenham um profissional da Psicologia para este momento de ressignificação e reorganização nos papéis familiares após o diagnóstico”, recomenda Priscila.

Fita colorida com desenhos de quebra-cabeça, alusiva ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo 

Níveis de suporte - O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM–5), uma das principais ferramentas utilizadas por profissionais de saúde mental para diagnosticar e classificar transtornos dessa natureza, atribui ao TAE persistentes deficiências de comunicação e de interação social. Além disso, o caracteriza por padrões restritos e repetitivos de comportamentos, de interesses ou de atividades.

Na quinta edição do Manual, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) definiu que o autismo varia em níveis de suporte necessário, e não em tipos ou graus. Há três diferentes níveis de suporte necessário: Nível 1, Nível 2 e Nível 3. 

Nível 1 - Apresentam dificuldades na interação social e comunicação, bem como comportamentos repetitivos e interesses restritos. 

As pessoas com TEA no nível 1 podem ter dificuldade em iniciar ou manter conversas, interpretar expressões faciais e entender as nuances da linguagem. Porém, por se apresentarem de forma mais suave, normalmente essas dificuldades não são limitantes para a interação social. 

Eles também podem apresentar comportamentos repetitivos, como balançar as mãos ou o corpo, e ter interesses intensos e restritos, como colecionar objetos específicos ou se concentrar em um tópico específico. 

Apesar disso, pessoas com TEA no nível 1 geralmente têm habilidades de linguagem e comunicação relativamente intactas e podem se adaptar bem a mudanças na rotina.

Nível 2 - Caracteriza-se por dificuldades significativas na comunicação e interação social. 

Pessoas neste nível podem enfrentar maiores desafios para iniciar ou manter conversas, interpretar expressões faciais e compreender nuances da linguagem. Além disso, assim como no nível anterior, podem apresentar comportamentos repetitivos e ter interesses intensos e restritos.

Indivíduos com TEA no nível 2 podem apresentar também dificuldades para se adaptar a mudanças na rotina e podem necessitar de apoio extra para lidar com situações sociais mais complexas.

Nível 3 - Além de apresentarem as características dos níveis 1 e 2, este também inclui dificuldades significativas de comportamentos repetitivos. 

Normalmente, possuem uma deficiência mais severa nas habilidades de comunicação, tanto verbal quanto não verbal, e, consequentemente, dependem de maior apoio para se comunicar. Isso pode resultar em dificuldades nas interações sociais e uma redução na cognição. 

Além disso, eles tendem a apresentar um perfil comportamental inflexível e podem ter dificuldades em se adaptar a mudanças, o que pode levá-los a se isolar socialmente se não forem incentivados.

Fonte: Observatório do AutistaAbre em nova aba

“Um Novo Evento” - No dia 13 de abril, pais, familiares, cuidadores e profissionais da saúde e da educação poderão participar do encontro promovido pelo “Maternando no Espectro”. A atividade será realizada presencialmente, em Santa Maria, no auditório do Jornal Diário de Santa Maria, das 13h30 às 19h.

As palestrantes serão Graciele Benedetti e Cláudia Zirbes. Graciele é advogada e expert em Direito das pessoas com TEA. Claudia é psicopedagoga e analista do comportamento. Ambas são mães atípicas.Confira aqui mais informações.Abre em nova aba

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Fonte: Sâmia de Christo Garcia (Secom/TRT4)
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