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Publicada em: 06/04/2022 09:47. Atualizada em: 07/04/2022 11:33.

ENTREVISTA: "Os anos pós-diagnóstico foram os melhores da minha vida", declara o jornalista Tiago Abreu, que descobriu seu autismo aos 19 anos

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TiagoAbreu3 - 1.jpgO jornalista Tiago Abreu foi diagnosticado com o Transtorno do Espectro do Autismo em 2015. Hoje, aos 26 anos, atua como analista de conteúdo na empresa Superplayer & Co. Suas atividades incluem a curadoria de música, gerenciamento de conteúdos de podcasts e de conteúdos em áudio de forma geral. É formado em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (UFG) desde 2018.

A preferência pelos trabalhos com edição de áudio e o desejo de compartilhar experiências sobre o autismo com outras pessoas fizeram com que ele levasse adiante a criação do podcast Introvertendo, do qual atualmente é o editor e um dos apresentadores. 

Tiago mora em Porto Alegre e também é escritor com dois livros já lançados. O primeiro, Histórias de Paratinga, é um conjunto de crônicas em que diversos personagens da cidade do interior baiano discorrem sobre temas da vida. Foi o projeto experimental do autor como trabalho final no curso de jornalismo, posteriormente lançado em livro.

A segunda obra é o livro "O que é neurodiversidade?". Inspirado na coleção Primeiros Passos, Tiago faz um histórico do autismo até o surgimento da ideia de neurodiversidade, elenca os principais conceitos e autores que tratam do tema e fala sobre o estágio da ideia no Brasil. É uma obra introdutória para quem deseja começar a entender o assunto. O livro foi lançado em janeiro desse ano e pode ser encontrado também em versões digitais.

Nessa entrevista à Secretaria de Comunicação Social do TRT-4, Tiago falou sobre as suas vivências com o autismo desde a infância, sobre as mudanças experimentadas após o diagnóstico, deu indicações de como familiares devem agir no caso de crianças com autismo severo e também sobre como adultos podem identificar características de autismo e procurar ajuda, dentre outros assuntos.

A entrevista é uma das publicações do TRT-4 alusivas ao mês da consicentização sobre autismo, celebrado em abril. Confira mais conteúdos sobre o Transtorno nessa página do podcast IntrovertendoAbre em nova aba na internet.

Tiago, mesmo ainda sem o diagnóstico do autismo, provavelmente na sua infância as características associadas ao Transtorno já eram sentidas. Como foi essa época para você?

A primeira pessoa que identificou características, digamos, "estranhas" foi a minha mãe, porque com dois anos eu ainda não falava. Ela procurou alguns médicos e eles sugeriram que me colocassem em uma escola. Foi onde eu comecei a falar. Tinha ótimo rendimento, boas notas, mas muitos problemas na interação com as outras crianças. Alguns professores achavam que eu era desinteressado, arrogante, esnobe, mas era dificuldade mesmo. Com sete, oito anos, minha interação era com o pessoal da limpeza e da cantina, o que é uma característica do autismo, não interagir com seus pares, mas sim com pessoas mais novas ou mais velhas. Meu jeito de brincar não atraía outras crianças, tinha dias que minha diversão no recreio era ficar testando, de forma sistemática, minha coleção de cartões telefônicos no orelhão, pra ver se ainda tinham unidades. O tipo de brincadeira que criança nenhuma faz. Mas quanto a conteúdos nunca tive dificuldades, inclusive fui adiantado em um ano, pulei da terceira para a quinta série.

Outra fase crítica é a adolescência, onde a questão da interação ganha ainda mais importância, pela necessidade de pertencimento a grupos, etc. Como foi esse processo no seu caso?

Na adolescência tudo ficou mais grave. Foi isso que me levou a procurar o diagnóstico. Com 17, 18 anos, eu não tinha um único amigo sequer. Foi aí que pensei que devia existir alguma explicação e procurei ajuda. Se você não cumpre o pré-requisito de ter um círculo social nessa fase, fazer coisas que pra outras pessoas é automático fica muito difícil. Sair para outros lugares, explorar a cidade, estar em outros contextos, todo esse "combo" que vem junto fica impossível. Eu vivia isolado.

E como foi essa busca pelo diagnóstico?

Lendo coisas na internet, achei conteúdos sobre Síndrome de Asperger. Quando vi que a Síndrome era associada ao autismo, pensei 'ah, não é isso'. Mas dei o benefício da dúvida e entrei em um grupo sobre A síndrome. Os relatos começaram a fazer muito sentido para mim, para a minha realidade. Então procurei uma profissional que na época trabalhava com autismo. Ela fez algumas análises comigo, com a minha mãe, com um colega de trabalho, uma série de coisas, e concluiu que era possível, recomendou que eu procurasse um neurologista. Depois de várias consultas ele fechou o diagnóstico. Esse processo durou um ano, entre 2014 e 2015.

O que mudou na sua vida com essa descoberta?

Mudou tudo. Porque eu passei a prestar mais atenção nos meus comportamentos, nos meus modos de vida, e comecei a tentar construir redes de interação. O próprio diagnóstico fez com que eu conhecesse outras pessoas na mesma condição, daí inclusive surgiu o podcast Introvertendo. Eu costumo dizer que os anos pós-diagnóstico foram os melhores da minha vida.

Quais as manifestações tipicamente associadas ao autismo estão presentes no seu caso?

Na parte das interações sociais, meu caso é bem clássico. Dificuldade de iniciar e manter vínculos, dificuldades de interpretação de linguagem... Tipo tonalidades de vozes, ou mesmo de empregar uma tonalidade que não é a mais adequada para aquela situação... Na parte dos comportamentos repetitivos, um apego excessivo a rotinas, uma certa rigidez de pensamento nas questões do dia-a-dia, interesses restritos... No meu caso o interesse maior é a música. Acho que seriam essas as características básicas no meu caso.

Quais as principais estratégias que você adota para minimizar essas características?

No momento, nenhuma, basicamente, porque minha vida se encaminhou naturalmente para um círculo social de muitas pessoas com autismo e para uma inserção natural também por causa do meu trabalho. Eu sinto falta às vezes de criar mais estratégias, explorar outras possibilidades, porque esses prejuízos se estendem pela vida toda, mas isso é caro, exige procurar um profissional especializado, o que não é fácil. Em um contexto de vida adulta, no chamado "autismo leve" o mais indicado seria uma terapia cognitivo-comportamental. No momento estou mais preocupado com o meu mestrado.

Atualmente, o que se entende por autismo?

A forma mais utilizada para se definir o autismo é como um transtorno do neurodesenvolvimento, que tem como características a dificuldade nas interações sociais e de comunicação e comportamentos restritivos e repetitivos. Essa definição é a do DSM-5 [Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais dos Estados Unidos]. O CID-11 [Classificação Internacional de Doenças], que começou a vigorar agora em 2022, também segue nessa linha. Então, são dois domínios que envolvem várias subcaracterísticas... Por exemplo, as alterações sensoriais entram no domínio dos comportamentos repetitivos, os hiperfocos também, mas essa questão de construir vínculos fica na parte das interações sociais e comunicação.

É possível se falar em graus de intensidade? Como funcionam essas classificações?

Sim. O DSM-5 apresenta três níveis em cada domínio, do nível mais baixo, que seria o de menor prejuízo, ao mais alto. A comunidade autista tende a interpretar isso como um nível só, então seria leve, moderado e severo, mas é possível estar em um nível diferente em cada domínio, ao mesmo tempo. No meu caso, seria o primeiro nível para os dois domínios.

O que você diria a quem tem filhos ou familiares, ou conhece pessoas próximas, enquadradas no nível severo do autismo? Quais as melhores atitudes no caso de ainda terem dúvida quanto ao diagnóstico? Como buscar ajuda?

Bom, em um contexto em que a criança apresenta características de autismo mas os pais ainda estão em dúvida, é muito importante procurar uma equipe multiprofissional que avalie essa hipótese o mais rápido possível. Quanto antes agir, melhor, porque na infância algumas habilidades, que na vida adulta são quase impossíveis de se obter, ainda podem ser desenvolvidas. Depois do diagnóstico fechado, é importante que os pais acompanhem de perto o que os profissionais estão fazendo, se eles entendem de autismo, se usam práticas baseadas em evidências, se indicam concretamente em que aspectos a criança está evoluindo, que não seja algo simplesmente da opinião deles... E, claro, é fundamental que a criança esteja confortável com os tratamentos e intervenções. Afinal, é um ser humano, não é um objeto maleável aos interesses de alguém. Mas é um cenário complicado, é difícil achar profissionais sérios, mesmo em grandes cidades.

E no caso de adultos? Como entender o momento de procurar ajuda profissional?

Olha, quanto mais cedo se procura ajuda mais possibilidades de se repensar a vida e de se construir estratégias. Conheço pessoas que receberam o diagnóstico depois dos 50, depois dos 40, na adolescência, e para todos o diagnóstico fez diferença, aumentou a qualidade de vida. Nunca é tarde para se procurar o diagnóstico. Muitas vezes o autismo passa despercebido, porque as pessoas já consolidaram um certo modo de viver, muitos acham que eles são "normais" e que os "estranhos" são os outros. O diagnóstico não é só um rótulo, na verdade é a constatação de coisas que a pessoa já sente, não vai dizer o que ela é. Mas se reconhecer como uma pessoa com deficiência é fundamental, pode compartilhar experiências, pode buscar direitos...

Existe muito charlatanismo relacionado ao autismo, indicações que podem até mesmo colocar pessoas em risco, certo?

Sim, porque envolve o desespero de muitas famílias. Eles recebem o diagnóstico, não sabem o que fazer, muitas vezes é uma criança nesse nível severo de autismo... Por exemplo, a criança bate a cabeça na parede o tempo todo. Para modificar esse comportamento, podem ser necessários vários profissionais. Um profissional que trabalhe com terapia de integração sensorial, uma série de coisas. Aí vem alguém na internet e oferece uma solução rápida, diz que é culpa da dieta, da alimentação... Aí muitas famílias que não têm dinheiro, estão desesperadas, vão por esse caminho "fácil". E aí colhem prejuízos não apenas financeiros, mas também emocionais, de toda ordem. Dese sempre existe gente querendo lucrar com essas coisas. Se combate um charlatanismo e brota outro, com nome diferente, mas com as mesmas ideias.

Leia também: 

Conheça o podcast "Introvertendo", uma fonte de informação sobre autismo a partir de quem vivencia o transtorno

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Fonte: Juliano Machado (Secom/TRT-RS)
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