Juiz concede liminar para proibir trabalho análogo à escravidão em atividade terceirizada da JBS
Resumo:
- Juiz da Vara do Trabalho de Soledade concede liminar para coibir trabalho análogo à escravidão na atividade de apanha de aves. Ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS)
- Prestadora de serviços manteve, pelo menos, 75 trabalhadores em situação de trabalho extenuante, sem contrato, sem salário e em condições precárias de alimentação, higiene e moradia. Sequer era fornecida água potável aos trabalhadores e um dos alojamentos estava há duas semanas sem água.
- Frigorífico deverá tomar medidas para garantir condições dignas de trabalho, sob pena de multas que podem chegar a R$ 300 mil.
O juiz José Renato Stangler, titular da Vara do Trabalho de Soledade, determinou que o frigorífico JBS tome medidas para cessar condições análogas à escravidão de trabalhadores terceirizados na atividade de apanha de aves (movimentação de aves vivas).
Mantida até o momento, a decisão liminar foi publicada no dia 30 de setembro, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS). Em caso de descumprimento, o frigorífico pode ser multado em até R$ 300 mil por constatação de irregularidade, com acréscimo de R$ 50 mil por trabalhador prejudicado.
A ação civil pública decorre de um inquérito civil público instaurado pelo MPT-RS em outubro de 2024. Foram apuradas denúncias sobre situações degradantes às quais trabalhadores estavam sendo submetidos por uma empresa que prestava serviços à JBS.
As irregularidades aconteceram em diversos aviários localizados na região norte do Estado, em cidades como Ronda Alta, Veranópolis, Vista Alegre do Prata, Camargo e Arvorezinha. Esses aviários atendiam ao frigorífico JBS de Passo Fundo.
Ao menos 75 trabalhadores, entre eles pernambucanos e baianos, foram encontrados sem registro dos contratos e de salários. Eles estavam subnutridos, sem água potável e sem alimentação adequada. Os alojamentos eram precários, não havia instalações sanitárias e um deles estava sem água há duas semanas.
Os alimentos fornecidos não tinham refrigeração adequada e nem mesmo a cesta básica prometida era entregue sem custos. Mensalmente, havia o desconto de custos de transporte e alimentação, situação que fazia com que os trabalhadores ficassem sempre em dívida com a prestadora de serviços. Eles sequer tinham recursos para retornar às cidades de origem.
Além disso, havia sobrecarga de trabalho, equipes insuficientes e não eram fornecidos equipamentos de proteção individual. As jornadas de trabalho chegavam a 16 horas, sem concessão de intervalos.
De acordo com as provas, o frigorífico não exercia fiscalização efetiva sobre o cumprimento da legislação trabalhista pela prestadora de serviços. O contrato só foi rescindido após a força-tarefa de fiscalização.
Para o juiz Stangler, é inegável que os trabalhadores foram mantidos em condições muito precárias, que afrontam o padrão mínimo de respeito e de consideração devidos ao ser humano.
“A ré não apenas descumpriu o dever de respeito às normas de saúde e segurança do trabalhador, como adotou postura de cegueira deliberada, ignorando indícios claros e reiterados das violações cometidas pela prestadora. Deixou de verificar e corrigir irregularidades em sua cadeia produtiva, apesar de ter plena capacidade e obrigação legal de preveni-las, o que culminou na caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo, em suas quatro modalidades”, afirmou o juiz.
A operação do MPT-RS foi realizada em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego e contou com apoio da Polícia Rodoviária Federal. O MPT-RS constituiu, para trabalhar no caso, um Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF), formado pelas procuradoras Amanda Henriques Bessa Figueiredo e Franciele D’Ambros e pelos procuradores Alexandre Marin Ragagnin, Lucas Santos Fernandes e Pedro Guimarães Vieira.
Legislação
A Constituição Federal consagrou como fundamento do Estado, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o valor social do trabalho (art. 1º, IV), e como objetivos a construção de uma sociedade justa, a redução das desigualdades sociais, a promoção do bem de todos (art. 3º), com uma ordem econômica baseada na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme ditames da justiça social, observada a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente (art. 170).
A Constituição Federal garante, ainda, a inviolabilidade do direito à vida (art. 5°, caput), de modo que a tutela do meio ambiente coincide com a proteção da vida. O trabalho, a saúde e a segurança são direitos sociais assegurados no art. 6º da Carta.
A CLT destinou capítulo próprio à segurança e medicina do trabalho, com destaque para o art. nº 157, que contempla as obrigações dos empregadores, especialmente a de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.
No Código Penal, o artigo 149 prevê o crime de manutenção de trabalho em condição análoga à de escravo.
A Instrução Normativa 2/2021 do MTB prevê em seu anexo II as quatro modalidades de trabalho análogo à escravidão: restrição, por qualquer meio, da locomoção; trabalho forçado; condição degradante de trabalho; e jornada exaustiva.
Dispõem sobre a proteção ao trabalhador as Convenções da OIT nºs 29, 105, 110 e 111, Convenção sobre Escravatura (Decreto nº 58.563/1966) e Convenção Americana sobre direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica – Decreto nº 678/1992), ratificadas pelo Brasil e incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio com força normativa supralegal (STF, RE 349.703/RS).