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Publicada em: 18/04/2024 16:08. Atualizada em: 18/04/2024 17:49.

Escritoras do TRT-4: Renata Wolff e Gabriela Leal falam sobre desafios da criação literária em uma sociedade que sobrecarrega mulheres

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IMG_0175-11 (3).jfifA quarta edição do ciclo de encontros “O que a Literatura tem a oferecer à Justiça?” foi dedicada a duas escritoras que atuam na Justiça do Trabalha gaúcha: as servidoras Renata Wolff e Gabriela Leal. O evento ocorreu na última sexta-feira (12/4), no auditório da Escola Judicial. As autoras conversaram com o público sobre suas obras, referências e visões sobre o papel da Literatura, além de refletirem sobre os desafios de produzir arte em uma sociedade que sobrecarrega as mulheres. 

Acesse aqui o álbum de fotos do evento. Abre em nova aba

Renata Wolff
Renata Wolff

Finalista do Prêmio Jabuti 2016 e autora de um romance, dois livros de contos e um de poemas, Renata afirmou que não segue um plano e nem tem solução exata para conciliar sua rotina com a escrita. Ela ponderou que tem consciência de estar em um lugar de privilégio, por ser branca e de classe média, mas ressaltou que sua dedicação à Literatura só ocorre dentro do possível. “Cada dia é uma tentativa, um ensaio de tentar atender a tudo. A escrita é um ofício, um exercício que idealmente deve ser diário, embora eu não consiga. Mas a tentativa tem que ser essa”, explicou. 

Renata destacou que a Literatura é sempre um exercício de alteridade, de se colocar no lugar do outro e mudar a perspectiva. Nesse sentido, a criação literária tem o papel de ameaçar barreiras. “Ela não só desafia, ela explode e pulveriza as barreiras. É importante dizer que essas barreiras são colocadas propositalmente e estruturalmente, para manter as classes e as pessoas nos lugares que aproveitam ao capital. A Literatura deve sempre, no mínimo, balançar essas estruturas”, declarou. 

Gabriela Leal
Gabriela Leal

Vencedora do último Prêmio Açorianos de Literatura na categoria conto, Gabriela observou que as pessoas não conseguem se colocar no mundo sem elaborá-lo pela linguagem. “É impossível dizer o próprio nome sem narrar uma história, porque ele já carrega um sentido ancestral, uma história infinita”, exemplificou. Ela também mencionou que não existe um tempo ideal para escrever em seu cotidiano. As soluções acabam sendo improvisadas a cada momento. “Faço muita edição mental. Escrevo na estrada, lavando louça, pensando. Assim, quando sento para escrever, já tenho algo mais ou menos organizado”, apontou. 

Gabriela acrescentou que se sente privilegiada por trabalhar no Tribunal, porque a sociedade não é feita para sustentar o processo criativo. “Nossa força de trabalho precisa ser vendida para comprar nosso tempo de escrita. Essa é a realidade do escritor brasileiro, e cada um vai fazer isso a seu modo”, avaliou.  

O palco tão temido

Renata Wolff
Renata Wolff

Lançado em 2023, “O palco tão temido”, primeiro romance de Renata, aborda os destinos de uma atriz e duas jornalistas, com linhas narrativas que se passam em Buenos Aires nas décadas de 50 e 70. A autora disse que a ideia do romance se originou de um conto do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti, chamado “O inferno tão temido”. “Me veio a ideia de extrair a versão de uma personagem do conto que estava nas sombras, nos bastidores. Ela era secundária, embora muito forte. Esse livro é a tentativa de contar sua perspectiva”, comentou. 

Um dos períodos abordados no romance se passa durante a ditadura cívico-militar na Argentina. Além do contexto da protagonista, a narrativa apresenta jornalistas que estão se dedicando a contar histórias de desaparecidas e desaparecidos, pessoas silenciadas em todos os lugares, seja pela repressão do governo ou pela negativa da imprensa em denunciar. Renata destacou que o romance é basicamente um resgate de memórias. “Esta é uma habilidade que precisamos ter na Literatura: achar a história. Ela pode estar cifrada, propositalmente oculta, mas está ali. Temos que identificar, planejar e dizer qual é a história e de quem é. Essa talvez seja a melhor lição que a Literatura tem a oferecer à Justiça”, afirmou. 

Renata comentou que, no seu trabalho como servidora pública, muitas vezes se deparou com processos onde a história principal estava nebulosa e não parecia ser aquela mais ressaltada nas petições. “Hesito em dizer que existam muitas verdades pulverizadas, porque acho que confundimos ponto de vista com verdade objetiva. Existem diferentes pontos de vista sobre a verdade. Ela é multifacetada, sem dúvida, mas ainda assim é objetiva”, analisou. 

A língua da medusa

Gabriela Leal
Gabriela Leal

Livro de estreia de Gabriela, “A Língua da Medusa” foi lançado em 2022, reunindo 31 contos protagonizados por mulheres em diferentes períodos da vida. “A palavra é poder. Por isso uma mulher que escreve é tão temida: nós somos perigosas”, sublinhou a escritora. Ela comentou um dos contos presentes na obra, em que a mãe de uma criança fica obcecada pela tentativa de pegar um bicho de pelúcia em uma máquina de shopping center. “Nós estamos sempre tentando dar conta de muitas coisas, e a sociedade entende que a responsabilidade é sempre da mãe, com sorte do pai, mas colocada de forma diferente”, observou.

Gabriela criticou o que chama de “cultura maternalista”, que considera profundamente violenta contra as mulheres e as crianças. “Não protegemos devidamente a criança em uma sociedade que acha que uma única pessoa vai dar conta dela sozinha”. Para ela, esse cuidado deveria ser pensado de forma coletiva, incluindo debates sobre questões sociais. Acrescentou que a participação dos homens é necessária nessa luta, porque mudanças que diminuam as pressões e cargas acumuladas sobre as mulheres trariam benefícios para toda a sociedade. “Precisamos de uma sociedade forte, e ela não vai ser forte se não olhar para a maternidade com olhar honesto e humano”, refletiu. 

Gabriela concluiu destacando que a criação literária muitas vezes pode ser frustante. Isso ocorre pela falta de tempo adequado, principalmente no caso de escritoras mulheres, e pelo fato de que a primeira versão de um texto geralmente não é a ideal. “Escrever é como amar, é sustentar uma angústia. Quando amamos alguém, não sabemos se aquele amor vai vingar. É a mesma coisa na escrita: tem que ter amor, coragem para seguir investindo no texto, para ver o que ele pode entregar”, afirmou.  

O encontro foi gravado e será disposnibilizado no canal da Escola Judicial no YoutubeAbre em nova aba

Renata Wolff é graduada em Direito pela UFRGS e doutoranda em Escrita Criativa pela PUCRS. “Fim de Festa” (Não Editora, 2º ed, 2018) foi seu primeiro livro. Além de ser finalista do Prêmio Jabuti na categoria contos e crônicas, também concorreu ao Prêmio AGES Livro do Ano. Pela editora Dublinense, publicou "Um conto de aniversário", traduzido e publicado na Itália como "Un racconto di compleanno" pela Edizioni Wordbridge. Sua estreia na poesia ocorreu em 2021, com "Manhattan Lado B" (Metamorfose). Em 2023, lançou seu primeiro romance, "O palco tão temido", pela Dublinense, e no mesmo ano publicou no México o livro de contos "Escenas de Bastidores", pela editora da Universidade de Nuevo León. 

Gabriela Leal é licenciada em Letras pela UFRGS, onde está cursando Mestrado em Escrita Criativa. Além de "A Língua da Medusa" (ZOUK, 2022), participa das coletâneas "Quebra-Ventres" (Peripécia, 2023) e "Das histórias que sabíamos e um pouco mais" (Libélula, 2023). É apaixonada por literatura e em seu perfil no instagram (@gabiougabriela) compartilha indicações de livros escritos por mulheres brasileiras vivas. 

Oscar Krost, Renata Wolff, Maria Teresa Vieira, Gabriela Leal e Daniela Floss.
Oscar Krost, Renata Wolff, Maria Teresa Vieira, Gabriela Leal
e Daniela Floss. 

Ciclo de palestras

Os encontros sobre Literatura e Justiça com escritoras e escritores são promovidos pela Justiça do Trabalho gaúcha desde 2023. Seu objetivo é proporcionar reflexões sobre o papel da Literatura em tempos digitais, além de seus potenciais para enriquecer a pesquisa e a construção do saber jurídico. O ciclo é organizado e mediado pelas juízas Maria Teresa Vieira da Silva (27ª VT de Porto Alegre) e Daniela Floss (1ª VT de Caxias do Sul), e pelo juiz Oscar Krost (TRT-SC). O evento conta com o apoio da Associação dos Juízes do Trabalho da 4ª Região (AmatraIV)

Confira abaixo as matérias sobre as edições anteriores do evento: 

"A Literatura possibilita um debate público que a linguagem jurídica não alcança", declara Paulo ScottAbre em nova aba

"Ler e escrever é desenvolver humanidade", afirma José FaleroAbre em nova aba

"Quem me legitimou como escritora foram as mulheres negras que me leram”, declara Dalva Maria Soares Abre em nova aba

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Fonte: texto e fotos de Guilherme Villa Verde (Secom/TRT-4)
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