"A Literatura possibilita um debate público que a linguagem jurídica não alcança", afirma o escritor Paulo Scott na Escola Judicial

O escritor porto-alegrense Paulo Scott foi o palestrante, no dia 7 de julho, do primeiro encontro do ciclo de palestras sobre Direito e Literatura promovido pela Escola Judicial do TRT-4. Com o tema "O que a Literatura tem a oferecer ao Direito?", o evento foi dirigido a uma plateia de magistrados, servidores, advogados e demais interessados.
Autor de romances e livros de contos e poesia, Paulo Scott estimulou a plateia a refletir sobre os limites da linguagem jurídica e a importância das obras literárias para uma melhor compreensão da realidade. "Acho oportuna a provocação da pergunta sobre o que a Literatura pode ensinar à Justiça. Mas que Literatura e que Justiça?", questionou o palestrante, que também é graduado em Direito e possui mestrado em Direito Público.
Ao longo de sua exposição, Paulo Scott destacou que a história do continente americano é marcada pela invasão, pela escravidão e pela violência, e que esses elementos repercutem até hoje. "Você não consegue falar de Direito Tributário, de Direito Econômico ou de Direito Trabalhista sem falar em escravismo", observou. O escritor também manifestou sua preocupação com o desrespeito, nos últimos anos, dos valores éticos lançados pela Constituição Federal. "A questão ética para mim passa por uma discussão emergencial do valor incondicional da dignidade da pessoa humana", afirmou.
A relevância da literatura, para Paulo Scott, também pode ser percebida em contraponto à insuficiência da linguagem jurídica. "Obras literárias como 'Cidade de Deus', 'Os Supridores', 'Um Defeito de Cor', entre tantas outras, são livros que propiciam um ambiente de mediação, um debate público que a linguagem do Direito não alcança", observou. O palestrante acrescentou que a linguagem jurídica não tem essa mesma capacidade da literatura porque é sobretudo "um Direito do invasor eterno aplicado na colônia". "A literatura entra como um espaço de mediação porque revela certas peculiaridades que não queremos enxergar. A literatura possibilita, como disse Todorov, que você entre na pele do outro", afirmou.
Não li nenhum manual de Economia e nenhuma doutrina jurídica no Brasil melhor do que o romance ‘Um Defeito de Cor’ .
Obras literárias de mulheres foram destacadas por Paulo Scott como fundamentais para a compreensão da realidade brasileira. "A literatura que está sendo produzida hoje pelas mulheres é um tapa na cara do machismo. Colocar-se na condição de uma mulher oprimida não é simples, mas é necessário", declarou. O escritor também ressaltou que devemos prestar mais atenção nos debates que envolvem a ética indígena e a ética negra quilombola. "As cotas provaram que presença de mentes negras fazem a universidade brasileira melhor do que ela é. Estamos em um caminho interessante, mas também incômodo e doloroso", acrescentou.
Ao longo da palestra, Paulo Scott falou, ainda, sobre alguns de seu romances premiados. Entre eles, mencionou "Marrom e Amarelo" (2019), que aborda o tema do colorismo e da discriminação racial, "O Ano em que vivi de Literatura" (2015), que, nas palavras do autor, é protagonizado por um homem "que exerce uma masculinidade tóxica", e "Habitante Irreal" (2011), que trata da questão indígena.
"O Habitante Irreal é meu romance mais traduzido, passei oito anos estudando a situação dos guaranis na região sul do Brasil e consegui avançar um pouco na compreensão. É um processo doloroso e difícil, mas precisamos fazer esse esforço", comentou. "Como leitor, coloco-me sobretudo como alguém que está sempre procurando as vozes contemporâneas, porque são lentes que me ajudam, na prosa ou na poesia, a entender melhor o que eu sou, o tempo e o mundo em que vivo", concluiu.
O evento foi gravado e deverá ser disponibilizado a servidores e magistrados pela Escola Judicial. A palestra contou com a mediação das juízas do TRT-4 Maria Teresa Vieira da Silva e Daniela Floss, e do juiz do TRT-12 (SC) Oscar Krost.
O ciclo "O que a Literatura tem a oferecer ao Direito?" contará com mais quatro palestras presenciais de escritores na Escola Judicial. "A literatura é pródiga em nos trazer momentos de emoção. Ela nos faz sorrir e chorar, nos ensina e, o mais importante, nos conecta com o que temos de mais caro: nossa humanidade", declarou a juíza Maria Teresa, uma das idealizadoras dos encontros.
A programação do ciclo de palestras destaca que seu objetivo é provocar a reflexão e o debate sobre as possibilidades da Literatura em tempos digitais e de comunicações instantâneas. A iniciativa busca "resgatar possibilidades da prática da leitura para as atividades de interpretação, redação, imaginação e operacionalidade para além da prática jurídica".
O próximo encontro está agendado para ocorrer no dia 29 de setembro, com o escritor José Falero. Também natural de Porto Alegre, ele é autor do livro de contos "Vila Sapo" (2019), do romance "Os Supridores" (2020) e do livro de crônicas "Mas em que mundo tu vive?" (2022).