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Publicada em: 19/03/2024 18:08. Atualizada em: 20/03/2024 11:40.

"Quem me legitimou como escritora foram as mulheres negras que me leram”, declara Dalva Maria Soares na Escola Judicial

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A escritora mineira Dalva Maria Soares foi a convidada, na sexta-feira (15/3), do encontro “O que a Literatura tem a oferecer à Justiça?”. O evento marcou a primeira edição do ciclo de palestras em 2024. 

Dalva Maria Soares
Dalva Maria Soares

Acesse aqui o álbum de fotos do evento. Abre em nova aba

"Sou de uma cidadezinha, Baldim, da qual eu tenho muito orgulho. Mas não foi sempre que eu tive”, afirmou Dalva no início do encontro. A declaração deu o tom das reflexões que ela compartilhou com o público ao longo da manhã, abordando uma trajetória marcada pela ressignificação. Ela lembrou que, ao se mudar do interior para Belo Horizonte, por algum tempo sentiu certa vergonha de suas origens. "Esse sentimento era fruto de uma marca de classe que depois precisei desconstruir", refletiu.

A cidade natal, mais tarde, foi o local escolhido para ela se dedicar à escrita de sua tese de doutorado em Antropologia Social, após uma estadia em Lisboa. O trabalho de escrita acadêmica foi intercalado por caminhadas que rendiam fotografias e textos sobre o cotidiano. Ali surgiram as primeiras crônicas que depois marcariam sua estreia na Literatura.

O resgate de sua capacidade de enxergar beleza na cidade onde nasceu também foi estimulado pela leitura de “Manuelzão e Miguilim”, de Guimarães Rosa. Na obra, um dos personagens tem uma experiência similar com a cidade mineira de Mutum. Baldim agora é uma das grandes referências na produção literária de Dalva e uma citação frequente em suas falas. “Eu vejo beleza em Baldim, no seu chão pedregoso, na horta da Dona Maria, na casa que Dona Geralda construiu com as próprias mãos. São lentes que a Literatura e as Ciências Sociais me forneceram”, comentou.  

A relação com a própria história familiar também passou por uma releitura, especialmente durante o curso de graduação em Ciências Sociais. “No contato com as teorias sociológicas e antropológicas, entendi que não era culpa do meu pai ele ter trabalhado a vida inteira em terras de outras pessoas e depois morrer sem posses. Não é uma questão individual, existe um contexto”, refletiu. 

A  palavra que instaura

públicoApesar de sempre ter sido uma grande leitora, foi sobretudo a partir da descoberta de autoras como Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo que seu interesse por escrever se acentuou. “Quando li Conceição Evaristo e vi uma personagem como Maria, uma empregada doméstica que leva sobras de Natal para casa, fiquei assombrada”, declarou. “É a ´palavra que instaura´, como dizia Paulo Freire, o texto que você lê e sente vontade de escrever. Sinto isso com a literatura de Conceição Evaristo, com sua ´escrevivência´, que parte do saber da experiência. Mas isso só acontece quando você se reconhece no texto”. 

Dalva acredita que a necessidade de fabular é algo próprio do ser humano, e portanto a escrita deveria ser vista com mais naturalidade. O fazer literário é apontado por ela como um direito humano, que não deveria ser privilégio de círculos restritos. “A gente não conta uma história de qualquer jeito. Não é à toa que as novelas fazem tanto sucesso. Você pode falar mal do Big Brother, mas milhões de pessoas estão lá assistindo porque gostam das histórias, gostam de se reconhecer nelas”, afirmou. 

Desmistificação da escrita

Dalva Maria SoaresO processo de se reconhecer como escritora, contudo, não foi rápido. Dalva observou que, por muito tempo, quando perguntavam sobre sua profissão, respondia que era professora. Foi somente no ano passado, no Festival Literário de Belo Horizonte, enquanto ouvia o depoimento da escritora paulista Lilia Guerra, que isso mudou. “Eu me dei conta de que, se é a escrita que está pagando minhas contas, então minha profissão é escritora sim”, disse. “Tenho livros publicados e vendo razoavelmente bem para uma produção independente. Quem me legitimou como escritora foram as mulheres negras que me leram”, acrescentou. A desmistificação da escrita literária também é um tema caro para seu companheiro, o escritor José Falero. “Ele sempre fala que precisamos tirar a escrita desse altar burguês em que foi colocada. Ela tem que ser como uma capanguinha do Che Guevara que você acha no mercado”, comentou. 

Ao longo de sua fala, Dalva também destacou a importância das ações afirmativas e dos avanços que elas desencadearam no ambiente acadêmico, com mais diversidade e mudanças nas pautas do debate público. “Os dados já estão aí, mostram que deu certo. Precisamos ampliar. As transformações são fruto de luta e reivindicação”, ressaltou. 

O encontro foi gravado e será disposnibilizado no canal da Escola Judicial no YoutubeAbre em nova aba

Dalva Maria Soares é autora dos livros de crônicas “Para diminuir a febre de sentir” (2020),  “Do Menino” (2021) e “Me ajuda a olhar!” (2023). É graduada em Ciências Sociais e doutora em Antropologia Social, com experiência como professora nos ensinos médio e superior, e pesquisas em culturas populares. 

O evento também contou com a presença do presidente do TRT-4, desembargador Ricardo Martins Costa, e do diretor da Escola Judicial, desembargador Fabiano Holz Beserra. 

Escritoras do TRT-4 serão convidadas do próximo encontro

A próxima edição do ciclo de palestras "O que a Literatura tem a oferecer à Justiça?" está agendada para o dia 12 de abril. As convidadas são escritoras que atuam na Justiça do Trabalho gaúcha: Gabriela Milani Leal, autora do livros de contos “A Língua de Medusa” (2022), indicado ao Prêmio Açoriano de Literatura 2024, e Renata Wolff, autora do livro de contos “Fim de Festa” (2015), finalista do Prêmio Jabuti, além do livro de poemas “Manhattan lado B” (2021) e do romance “O Palco Tão Temido” (2023). 

Os encontros com escritoras e escritores são promovidos pela Justiça do Trabalho gaúcha desde 2023. Seu objetivo é proporcionar reflexões sobre o papel da Literatura em tempos digitais, além de seus potenciais para enriquecer a pesquisa e a construção do saber jurídico. O ciclo é organizado e mediado pelas juízas Maria Teresa Vieira da Silva (27ª VT de Porto Alegre) e Daniela Floss (1ª VT de Caxias do Sul), e pelo juiz Oscar Krost (TRT-SC). 

Leia também matérias sobre os encontros de 2023: 

"A Literatura possibilita um debate público que a linguagem jurídica não alcança", afirma o escritor Paulo ScottAbre em nova aba

"Ler e escrever é desenvolver humanidade", declara o escritor José Falero 
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foto posada da escritora com os mediadores e o público ao fundo

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Fonte: Texto e fotos de Guilherme Villa Verde (Secom/TRT-4)
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