Relações de trabalho pós-Covid19: palestrantes falam sobre perspectivas de regulação de novas formas de trabalho
O segundo dia do congresso "Novas Relações de Trabalho Pós-Covid-19 e seus Impactos na Vida das Pessoas e na Justiça do Trabalho" apresentou análises sobre formas de trabalho que ganharam destaque com a pandemia da covid-19, como o trabalho remoto e a atuação de trabalhadores de aplicativos.
Sob o eixo "Perspectivas Legais e Regulamentares sobre as Novas Relações de Trabalho", o painel trouxe a colaboração do auditor-fiscal do Trabalho e professor da UFRGS Luiz Alfredo Scienza, da juíza do Trabalho do TRT10 (Distrito Federal e Tocantins) Noêmia Aparecida Garcia Porto e do deputado federal Henrique Fontana. A mediação ficou a cargo da juíza Rozi Engelke, titular da 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Assista à integra do painel nesse link e clique nos links ao longo desta matéria para acessar diretamente a fala de cada participante. Confira também a programação completa do evento, clicando aqui.
Na sua exposição, o auditor-fiscal do Trabalho Luiz Alfredo Scienza destacou que as doenças estão associadas ao trabalho desde a antiguidade. Atualmente, segundo ele, a frequência de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho tem a ver com múltiplos fatores, inclusive com o tipo de contrato que é firmado na admissão do trabalhador. As novas tendências do trabalho, como o trabalho remoto em más condições, a chamada economia GIG (na qual se inserem relações precárias como as estabelecidas por trabalhadores de aplicativos) e a gameficação do trabalho (competições intensas dentro de uma equipe) são também causas de adoecimento, muitas vezes em processos silenciosos, que ocorrem com frequência, por exemplo, no desenvolvimento de transtornos mentais.
O auditor ressaltou que a perspectiva atual é de desregulamentação do trabalho, inclusive pela relativização de direitos fundamentais previstos pela Constituição. O enfraquecimento dos sindicatos e as mudanças em normas regulamentadoras, com o propósito de atribuir aos empregadores, e não ao Estado, a classificação de riscos de atividades, foram medidas citadas pelo palestrante como mecanismos de precarização do trabalho. "O Estado está sendo paulatinamente alijado das formas de regulação", avaliou.
Desigualdade jurídica
A juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto observou que todas as desigualdades sociais foram intensificadas com a pandemia, e que isso se reflete em um número cada vez maior de trabalhadores informais e sem direitos. "Falam em economia 4.0, em Judiciário 4.0, mas estamos vendo uma escravidão 4.0 e uma pobreza 4.0", afirmou.
Dentre essas desigualdades, a magistrada citou a desigualdade jurídica verificada, por exemplo, entre trabalhadores protegidos pela CLT e trabalhadores uberizados. "Falam como se houvesse uma verdadeira dicotomia, como se não fossem todos que precisam do trabalho para sobreviver", destacou.
A magistrada ressaltou também os discursos associados a essas novas formas de trabalho. "Como inovação pode ser desalento? O que existe de novo e revolucionário em prestar serviços, auferir lucro a partir do trabalho e não oferecer garantias?", questionou.
Segundo a juíza, mesmo após a Constituição de 1988, a proteção trabalhista continuou sendo mais excludente do que includente, porque não houve uma generalização de direitos independentemente do vínculo estabelecido pelo trabalhador. "A exclusão jurídica e discursiva de uma ideia mais ampla de trabalho para fins de proteção indica a urgência de se repensar práticas legislativas e judiciárias", sugeriu.
Projeto de lei
O deputado federal Henrique Fontana falou sobre o novo cenário de intensificação do trabalho organizado por aplicativos. "As mudanças tecnológicas sempre devem vir em prol da melhoria das condições de vida de uma sociedade, mas nem sempre isso ocorre", afirmou. Henrique Fontana observou que, atualmente, cerca de 5 milhões de pessoas trabalham como autônomos por meio de aplicativos no Brasil, realizando o transporte de passageiros e a entrega de encomendas.
Ao longo de sua palestra, o deputado falou sobre o Projeto de Lei nº 4.172/2020, que prevê um novo tipo de contrato para esses casos, buscando garantir direitos e evitar os casos de precarização e superexploração dos trabalhadores. Entre as medidas previstas no projeto, estão a garantia de um sistema previdenciário para os trabalhadores, a obrigatoriedade de as empresas darem transparência para a forma como o algoritmo distribui o trabalho nos aplicativos, e um conjunto de direitos trabalhistas, como férias e 13º salário. O parlamentar também defendeu a importância da criação de uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para avaliar todos os projetos em tramitação sobre o tema.
Ao final das exposições, foi realizada uma mesa redonda com os palestrantes, mediada pela juíza do Trabalho Rozi Engelke, da Justiça do Trabalho da 4ª Região (RS). Na ocasião, os participantes responderam perguntas enviadas pelo público.
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