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Publicada em: 20/11/2020 14:59. Atualizada em: 20/11/2020 16:08.

ENTREVISTA: “Convido a todos negros e negras a buscarem o acesso às carreiras públicas e a todos os espaços da sociedade”, diz desembargador Gilberto Souza dos Santos

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Des. Gilberto Souza dos Santos

O desembargador Gilberto Souza dos Santos, que integra a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), é um dos seis magistrados e magistradas que se declaram como negros e negras na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul. Esse número representa apenas 2,1% do quadro da magistratura trabalhista gaúcha. Apesar de a população negra constituir a maioria do povo brasileiro, essa sub-representação está presente em todas as carreiras públicas e privadas do país.

Quando conseguem inserção no mercado de trabalho, sobram aos negros e às negras, de forma geral, os cargos menos prestigiados e com remuneração reduzida. Segundo o estudo "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil", publicado pelo IBGE em 2019, os trabalhadores negras e negros representam 55% da força de trabalho no país, mas preenchem apenas 30% dos cargos gerenciais. Em cargos de remuneração mais alta, a representatividade dessa parcela da população brasileira é de apenas 12%.

Para além do mercado de trabalho, o racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira impede o acesso à educação fundamental, às universidades e a espaços de representação política, além de tornar comuns episódios de violência contra a população negra.

Nesse dia 20 de novembro de 2020, Dia da Consciência Negra, estamos diante de mais um desses casos, em que um cidadão negro foi assassinado por seguranças de um supermercado de Porto Alegre, com uso de violência extrema. Leia a Nota Pública do TRT-RS sobre o fatoAbre em nova aba.

Como reflexão sobre esses e outros aspectos que afetam o povo negro do Brasil, o desembargador Gilberto Souza dos Santos falou à Secretaria de Comunicação Social do TRT-RS neste Dia da Consciência Negra. Confira a entrevista a seguir.

Vamos começar por uma pergunta de ordem pessoal. O senhor já sofreu alguma discriminação relacionada à cor da pele na sua atuação como advogado trabalhista, procurador do Trabalho e desembargador?

Olha, quando a gente ingressa numa carreira como a de procurador e de desembargador, isso fica mais difícil de acontecer, porque a gente é visto como autoridade. Então as discriminações não ocorrem, ou pelo menos ficam mais escondidas. Mas já tive episódios de racismo enquanto fui advogado de trabalhadores, principalmente quando havia encontros com a elite, com grandes empresários. Aí houve algumas vezes em que fui insultado com cunho claramente racista.

O senhor tem três filhos já adultos. Como as questões raciais entram na convivência de vocês? O racismo é discutido em casa?

Sim, diariamente. Esse é um dos temas principais aqui em casa. Como eu sou casado com uma mulher branca, dois dos meus filhos têm a pele mais clara, e um tem a pele mais escura, o fenótipo mais tipicamente associado aos negros. E eu noto diferença de tratamento já em relação a ele. E nós discutimos sempre sobre isso. Prestigiamos artistas negros e negras, ouvimos música de músicos negros e negras. Isso está sempre sendo discutido na nossa família.

Há apenas seis juízes e juízas negros e negras na Justiça do Trabalho gaúcha, três no primeiro grau e três no segundo, o que representa 2,1% do quadro de mais de 280 integrantes. No caso dos servidores, o percentual de negros e negras é de apenas 6,5%, num universo de cerca de 3,1 mil pessoas. A que se deve essa disparidade, na sua opinião?

Essa disparidade é histórica. Faz muito pouco tempo que os negros e as negras começaram a ter alguma oportunidade. Em 1888, com a lei Áurea, que supostamente libertou os negros, não surgiram as condições para inserção na sociedade em geral e no mundo do trabalho em especial. Só fomos ter algum avanço na década de 40, com a CLT e o surgimento de uma legislação protetiva aos trabalhadores, em grande parte negros. As carreiras jurídicas, particularmente, são muito exigentes, demandam uma boa formação. Se você não teve um bom ensino fundamental e médio, não consegue entrar em boas universidades. Se não consegue entrar em boas universidades, não consegue ter acesso a todos os conteúdos exigidos em um concurso para juiz ou procurador. Esses concursos necessitam de muita dedicação, muitas horas de estudo. Se você trabalha, tem filhos, tem família para sustentar, é difícil conseguir se dedicar na dimensão que esses concursos exigem. Eu mesmo só consegui fazer o concurso para procurador com mais de 40 anos, quando já trabalhava como advogado fazia muitos anos. E mesmo assim precisava estudar nos sábados, domingos e feriados. Meus filhos achavam que eu não dormia, porque iam dormir e eu estava estudando, acordavam eu continuava lá estudando. Então é possível, com muito esforço pessoal, chegar a uma carreira dessas, mas o sacrifício despendido é muito maior do que o exigido de quem já teve as condições necessárias desde sempre. Por isso que somos tão poucos na magistratura e nas demais carreiras públicas do Direito, como nas procuradorias e nas defensorias públicas.

 O TRT-RS instituiu, a partir de 2015, a reserva de 20% das vagas para negros e negras nos concursos para juiz e servidor. Para o senhor, qual a importância desta iniciativa?

As cotas representam uma garantia de igualdade de acesso, o que deve ocorrer até que não haja de forma natural esse acesso. É preciso que haja essa diferenciação até que ela não seja mais necessária, o que ainda está muito longe de acontecer.

O Tribunal também possui, desde 2017, uma política e um comitê de equidade de gênero, raça e diversidade, para debater temas como a igualdade racial. Qual a importância de as instituições públicas promoverem o debate sobre essas questões?

O nosso Tribunal é um dos mais avançados nesse sentido. A importância de instâncias como essa é imensa. Se a instituição onde você trabalha discute esses temas, faz eventos, promove esse tipo de reflexão, é possível que haja mais gente se reconhecendo como negro e negra, colocando isso na sua vida, pensando a respeito. Talvez aquele número de seis juízes e juízas negros e negras não seja exatamente a realidade, podem existir outros, mas que não se declaram como tal, por diversos motivos, como o medo do preconceito, ou pelo fato de não terem isso como objeto de reflexão nas suas vidas, entre outros aspectos. Com um Comitê de Diversidade, pode ser que cada vez mais gente se sinta à vontade para se declarar como negro ou negra, para afirmar a sua condição e para exigir melhorias na ação da instituição e da sociedade de forma geral.

O TRT-RS vai registrar em livro e documentário a trajetória de vida e de trabalho de servidores, servidoras, magistrados e magistradas negras, bem como dos que ingressaram na instituição por meio da política de cotas raciais. O senhor foi um dos entrevistados nesse projeto. Como o senhor percebe essa iniciativa?

Sim, eu já fui entrevistado para esse projeto. O Comitê de Equidade está de parabéns. Fiquei muito bem surpreendido pelo nível da pesquisa e das perguntas, deu pra ver que as pessoas se prepararam. Esse tipo de projeto também faz com que outras pessoas se inspirem. A divulgação de um livro, ou de uma entrevista, em que negros e negras contem a sua história, faz com que outros se inspirem, possam também procurar as carreiras públicas, saibam que é possível, e que tem uma instituição em que isso pode ocorrer, e que valoriza essas trajetórias.

O Tribunal também tem um núcleo de estudos sobre igualdade racial. Como funciona esse trabalho?

Atualmente esse grupo é composto por  aproximadamente 30 juízes e juízas de primeiro e segundo grau. Temos um grupo no Whatsapp em que discutimos questões de raça e igualdade. E uma vez por mês fazemos um evento com convidados, em que há um período de exposição e depois uma conversa. No momento, estamos fazendo os encontros por meio de videoconferência, por causa da pandemia. A iniciativa está sendo muito importante, eu espero que cada vez mais gente junte-se a nós nessas discussões. Estão todos convidados.

No último domingo, Porto Alegre elegeu cinco negros e negras para a Câmara de Vereadores. Até agora, na história da cidade, havia sido eleita só uma vereadora negra, nos anos 90. Como o senhor vê esse fenômeno?

É um avanço muito relevante. Existe ainda um grande trabalho a ser feito para chegarmos à igualdade, mas também temos que reconhecer avanços como esse. O árbitro Márcio Chagas, que concorreu ao cargo de vice-prefeito e é negro, falou que dessa vez foram cinco, na próxima serão 10, e eu acredito mesmo que esse avanço seja cada vez maior. E isso tem que ocorrer em todas as instituições e carreiras, sejam elas públicas ou privadas.

Qual a mensagem que o senhor deixaria ao público que está lendo essa entrevista no Dia da Consciência Negra?

Eu convidaria a todos negros e negras a buscarem o acesso às carreiras públicas e a todos os espaços da sociedade. Conclamo a que lutem para efetivar todas as políticas de cotas raciais, à participação em concursos, que não tenham limites, busquem as carreiras da magistratura, do Ministério Público, das Defensorias Públicas, das Procuradorias de Estado, da Advocacia... Sei que a preparação para um concurso é muito difícil, mas procurem instituições de fomento e incentivo, que apoiam negras e negros que queiram concorrer. Um bom exemplo é o Instituto de Acesso à Justiça, que agora está com edital para selecionar dez bolsas de preparação para escolas preparatórias para concursos das carreiras jurídicas. É um grupo empenhado em facilitar o acesso de negros e negras a essas carreiras, para que essa disparidade tremenda seja minimizada.

Perfil

Com 35 anos de atuação na área trabalhista, Gilberto Souza dos Santos foi advogado de federações e sindicatos profissionais, procurador do Trabalho e desembargador do TRT4, onde preside a Comissão de Jurisprudência. É Conselheiro eleito da Escola Judicial do TRT4 e Conselheiro da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho - FEMARGS. Tomou posse como procurador no Ministério Público do Trabalho em 2009. Pelo MPT, atuou no estado de Roraima, em atividades voltadas à regularização do trabalho informal em madeireiras, ao combate ao trabalho infantil, à exploração sexual de crianças e adolescentes, e no resgate de trabalhadores em condições análogas às de escravos. Vinha atuando na Procuradoria do Trabalho em Pelotas (RS). Atuou como representante estadual nas coordenadorias nacionais do MPT das áreas do trabalho portuário e aquaviário, da liberdade sindical, do meio ambiente do trabalho e do combate às fraudes. É formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria, Mestre e doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa.

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Fonte: Texto de Juliano Machado e foto de Inácio do Canto (Secom/TRT4)
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