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Publicada em: 03/11/2016 00:00. Atualizada em: 03/11/2016 00:00.

Juíza do TRT-RS acompanha audiência na Base Naval de Guantánamo

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Juíza Aline Fagundes em frente ao alojamento dos observadores em Guantánamo.
Iguanas são animais típicos que povoam a Base Naval.
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A Prisão de Guantánamo tornou-se, ao longo das últimas décadas, um símbolo de controvérsia. Para muitos norte-americanos, ela representa a continuidade da luta contra o terrorismo, abrigando vários dos envolvidos nos ataques de 11 de setembro de 2001. Para o restante do mundo, Guantánamo é um marco da violação dos Direitos Humanos, com prisioneiros detidos sem base legal e inúmeros relatos de abuso e tortura.

A juíza do Trabalho Aline Stefani Fagundes, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), teve a oportunidade de visitar a base naval e acompanhar, na condição de observadora, uma audiência da fase de “pré-julgamento” de cinco supostos mentores do atentado de 11 de setembro ao World Trade Center e Pentágono. Para compartilhar os detalhes dessa visita, ela concedeu entrevista à Secretaria de Comunicação do Tribunal (Secom/TRT-RS). Conheça os detalhes da experiência.

Oportunidade rara

A juíza, que se encontra nos Estados Unidos para realização de curso de mestrado em Direitos Humanos na Faculdade de Direito Robert H. McKinney, da Universidade de Indiana, soube da oportunidade de monitorar audiências na Base Naval por meio do programa denominado PIHRL – Program in International Human Rights Law (Programa em Direitos Humanos Internacionais). O programa foi criado pela IU McKinney em forma de organização não governamental e, assim que credenciado pelo Pentágono para enviar observadores, criou o Projeto de Observação da Comissão Militar (MCOP, na sigla em inglês), em 2014. Por meio dele, alunos e afiliados da faculdade podem, pessoalmente ou através de conexão segura (transmitida na base de Fort Meade), acompanhar audiências referentes aos detentos da prisão de Guantánamo, destinada a acusados de crimes de guerra.

Alunos ou afiliados interessados submetem seus nomes e uma justificativa aos membros do conselho do MCOP. Por meio de votação, o conselho nomeia um observador e seu nome é submetido à autorização do Pentágono, que por sua vez atua de forma discricionária. A autorização está vinculada a uma audiência específica. Se a audiência for cancelada, como aconteceu na semana em que o furacão Matthew passou pela ilha, um novo processo se inicia, sem nenhuma garantia de sucesso.

As violações de Direitos Humanos
Nos meses que se sucederam aos atentados de 11/9, a prisão recebeu um grande número de suspeitos de crimes de guerra vindos do mundo todo. Em janeiro de 2002 chegaram os primeiros prisioneiros, que permaneceram mais de um ano sem acesso a um advogado e sem uma acusação formal. “O governo não apresenta números oficiais. A prisão chegou a ter mais de setecentos detentos, incluindo adolescentes, tal como o canadense Omar Khadr, de 15 anos. As informações hoje sugerem que ainda restam 61 pessoas”, comenta Aline.

Durante a audiência foram lidos relatórios de tortura praticadas por agentes da CIA. “Entre os procedimentos a que o acusado Mustafa al Hawsawi foi submetido, por exemplo, estão passar 82 horas de pé, ficar 3 anos incomunicável, e sofrer sessões de 14 horas ininterruptas de tortura, sem mencionar os métodos que resultaram em sequelas na coluna, aparelho intestinal e reto. Se extrai do seu prontuário médico, sem detalhes, que ele emagreceu cerca de 10 quilos em 21 dias”, revela a magistrada.
Além do cuidado do governo norte-americano com a segurança da prisão, o isolamento também é uma tentativa de manter distante dos olhos do mundo a imagem de abusos associada a Guantánamo. Atualmente está vetada a presença de observadores estrangeiros, o que foi contornado pela juíza Aline, que tem dupla nacionalidade. “Está entre as metas do presidente Obama acabar com Guantánamo, e ele declarou expressamente que não vai ceder em sua determinação em fechá-la, reconhecendo que não faz sentido gastar 3 milhões de dólares por ano para manter aberta uma prisão que o mundo condena. Obama deixa claro em seu discurso de abertura do ano legislativo que Guantánamo não atende aos padrões de justiça do povo americano”, analisa a magistrada brasileira.

A busca pelo Devido Processo Legal
A lei que regulamenta os julgamentos dos detentos recolhidos na baía de Guantánamo é o Military Commission Act de 2009, promulgado a partir de uma ordem presidencial de 13 de novembro de 2001, instrumentalizada em decorrência da autorização do congresso americano para uso de força militar. Essa autorização foi aprovada três dias após o ataque terrorista ao World Trade Center e Pentágono. A grosso modo, o Ato das Comissões Militares é uma combinação da legislação atinente aos crimes de guerra com um código militar. O sistema é bastante criticado, seja pelas restrições à aplicação do Direito Internacional, seja pela parca sujeição à Constituição. “O Ato das Comissões Militares ampliou o tipo penal dos crimes de guerra, abarcando inclusive o terrorismo”, explica Aline. O principal tema abordado durante a semana observada foi o levantamento do sigilo de documentos. Informações com alto sigilo são chamadas de “classified” e parte delas não está acessível nem aos advogados de defesa. Eles se insurgem contra o fato de que o sigilo atribuído é um ato unilateral do governo, atentando contra o princípio da ampla defesa.

Atualmente há sete acusados sendo processados perante as Comissões Militares: 5 envolvidos no ataque de 11 de setembro (Khalid Shaik Mohammad, Walid bin Attash, Ramzi bin al-Shibh, Ali Aziz Ali – também chamado Ali al Baluchi – e Mustafa al Hawsawi); Abd al Hadi Al Iraqi, pela suposta atuação como interlocutor entre o Talibã e a Al-Qaeda; e Abd al Rahim al Nashiri, que responde pelo ataque a um navio norte-americano no Yemen.

A missão
A juíza ressalta a importância do papel que os observadores têm em um contexto como esse, no qual há comprovadas violações de Direitos Humanos. “Por muito tempo, a prática de tortura foi tolerada e até hoje a aplicabilidade da Constituição gera um complexo debate no âmbito da Comissão Militar”, aponta. Embora a realidade da tortura tenha sido mudada ainda antes da abertura de Guantánamo para os observadores, detentos apresentam sequelas do período de abusos.
Entre os observadores há representantes das associações de vítimas e familiares das vítimas do atentado, que também buscam a aplicação do devido processo legal. A juíza lamenta que o tema dos Direitos Humanos esteja desvirtuado no Brasil. “Por conta de algumas manifestações malconduzidas, por vezes é tratado como sinônimo de ‘defesa de bandido’. Nosso papel como observadores é estarmos atentos aos direitos dos detentos, das vítimas, dos familiares das vítimas, dos procuradores, dos julgadores, da imprensa, da sociedade em geral”, resume Aline.

Experiência inusitada
A visita também foi marcada pela forma inusitada com que é operacionalizada. O voo para a baía de Guantánamo parte da Base Aérea de Andrews, sede da aeronave Air Force One, encarregada de transportar o presidente dos Estados Unidos. Foi um voo com duas conexões, totalizando mais de 9 horas em um Jetstream 31, de 15 lugares, sem banheiro.

Os observadores ficam alojados em tendas de lona dentro do complexo denominado Camp Justice. Cada tenda abriga 5 pessoas, havendo uma tenda com camas, uma com chuveiros e uma com latrinas. Entre as recomendações de o que levar, é sugerida uma lanterna (ou a lanterna do celular) para transitar à noite até a tenda da latrina. Também é recomendado levar roupas agasalhadas para dormir, porque apesar dos cerca de 25ºC do lado de fora, a tenda é mantida em temperaturas muito baixas para manter afastadas as iguanas, animal típico do local. Comenta-se que as instalações são mais precárias que a dos detentos, e que não seria por acaso.

“Todo o sentido desse trabalho de observador está em não deixar que o que acontece em Guantánamo fique em Guantánamo”, conclui a magistrada. “O fato de uma brasileira ter podido estar lá permitiu que essas informações chegassem ainda mais longe", comemora a juíza, que se diz muito feliz ao ver um grande número de pessoas acompanhando seus relatos sobre a visita.
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Fonte: Texto de Álvaro Lima (Secom/TRT-RS) e fotos fornecidas pela juíza Aline Stefani Fagundes
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