Empregada doméstica vítima de assédio sexual deve ser indenizada por danos morais
Resumo:
- Empregada doméstica sofreu toques e avanços sexuais do empregador, além de mensagem de teor íntimo.
- Depoimentos, boletim de ocorrência e relato de informante sustentaram a versão da trabalhadora.
- Sentença e acórdão aplicaram o Protocolo do CNJ e tratados internacionais que protegem os direitos das mulheres.
- Valor fixado em sentença passou de R$ 15 mil para R$ 30 mil, considerando a gravidade e o impacto do assédio.
Uma empregada doméstica que sofreu assédio sexual por parte do empregador deverá receber indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil, conforme decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS).
O colegiado confirmou a sentença da juíza Carolina Cauduro Dias de Paiva, da 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que já havia reconhecido o assédio e fixado inicialmente o valor de R$ 15 mil de indenização.
Os desembargadores decidiram aumentar o valor da reparação, considerando a gravidade dos atos, o tempo de duração do vínculo empregatício (cerca de um ano) e o caráter pedagógico e punitivo da medida.
Segundo o processo, a trabalhadora foi abraçada à força pelo empregador enquanto limpava o chão, sendo tocada nos seios. Em outro episódio, ele a abraçou por trás e beijou seu pescoço enquanto ela lavava a louça. Além disso, o homem enviou mensagem para a trabalhadora, afirmando que “não parava de pensar nela” e pedindo que aquilo fosse “um segredo entre os dois”. A empregada registrou boletim de ocorrência e levou uma testemunha à audiência. A testemunha, que foi ouvida como informante em virtude da amizade com a empregada, confirmou os relatos.
A sentença de primeiro grau apontou que, tratando-se de empregada doméstica, trabalhando na residência do autor do assédio, existe uma grande dificuldade para a produção de uma prova contundente. Nessa linha, a magistrada ponderou que a pretensão deve ser analisada sob as lentes da perspectiva de gênero, de acordo com as técnicas de julgamento estabelecidas pelo Protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2021.
Segundo a julgadora, o depoimento da testemunha, em conjunto com as informações trazidas pela empregada, e os elementos do registro de ocorrência policial, levam ao entendimento de que o assédio sexual de fato aconteceu, sendo devida a indenização.
Ambas as partes recorreram ao TRT-RS. O relator do caso na 8ª Turma, desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso, considerou comprovado o tratamento indevido, com conotação sexual, praticado pelo empregador doméstico.
Segundo o julgador, há que se ter em mente a grande dificuldade de produção prova do assédio sexual, que não costuma ocorrer na presença de testemunhas, notadamente no contexto de uma relação de trabalho doméstico, em que os serviços são prestados no âmbito residencial, privado. O assédio sexual é feito às escondidas, longe de terceiros, afirmou o magistrado.
Por isso, o julgamento seguiu os princípios do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, além de tratados internacionais como a Convenção de Belém do Pará e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.
Além disso, o desembargador aplicou ao caso a regra “in dubio pro operario”. Segundo explica, a regra deriva do Princípio da Proteção e significa que, quando uma norma pode ser entendida de várias formas, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador. De acordo com o magistrado, ao ser transportada para o processo do trabalho, a regra impacta também no campo probatório. Ou seja, pode ser aplicada, em caso de autêntica dúvida, para valorar o alcance ou o significado de uma prova.
A partir desses elementos, o colegiado entendeu demonstrado o assédio sexual.
A decisão foi tomada por maioria, com divergência do juiz convocado Frederico Russomano sobre o valor da indenização. Também participou do julgamento a desembargadora Brígida Joaquina Charão Barcelos. O acórdão é passível de recurso para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).