Em evento na Fiergs, presidente do TRT-RS aponta papel estratégico dos precedentes para uma Justiça mais eficiente

O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), desembargador Ricardo Martins Costa, participou, nesta sexta-feira (16/5), do seminário “Direito do Trabalho em Reconstrução”, promovido pelo Sistema FIERGS por meio do Conselho de Relações do Trabalho (Contrab) e com apoio do Instituto DIA.
O evento, realizado no Centro de Exposições da FIERGS, em Porto Alegre, reuniu autoridades do Judiciário, especialistas em Direito do Trabalho e representantes do setor empresarial para debater os impactos das transformações nas relações de trabalho no Brasil.
Participaram também os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra da Silva Martins Filho e Hugo Carlos Scheuermann, o advogado Gáudio Ribeiro de Paula, o coordenador do Contrab, Guilherme Scozziero, e o conselheiro do Contrab e advogado Benôni Rossi.
Durante o seminário, Martins Costa integrou o painel “Precedentes vinculantes e os reflexos na litigiosidade”, ao lado do ministro Hugo e do advogado Benôni.
O desembargador abordou a importância da consolidação de entendimentos jurisprudenciais para a segurança jurídica e para a previsibilidade nas relações de trabalho.

Segurança e previsibilidade
Martins Costa defendeu a consolidação de um sistema de precedentes qualificados como instrumento indispensável à coerência e à previsibilidade das decisões judiciais. O magistrado lembrou que a introdução desse modelo está diretamente ligada ao Código de Processo Civil de 2015.
“O novo Código estrutura dogmaticamente um sistema de precedentes judiciais obrigatórios, que atinge também os deveres das partes”, afirmou.
Martins Costa explicou que, antes da reforma processual, vigorava o princípio do livre convencimento, frequentemente sem compromisso com uma linha argumentativa clara.
O desembargador destacou que, no modelo atual, as decisões judiciais devem se pautar por uma estrutura dialética, com respeito à boa-fé, lealdade processual e ao contraditório.

Gestão judicial
O presidente do TRT-RS ressaltou que, além de promover segurança jurídica, o sistema de precedentes contribui para uma gestão mais eficiente da Justiça diante do volume crescente de demandas.
“No atual ambiente que privilegia demandas massificadas, repetitivas e em volumes crescentes, a utilização de um sistema de precedentes tende a permitir uma melhor gestão processual, aliado à racionalização do acesso, celeridade e previsibilidade de resposta.”
Ele afirmou que a lógica dos precedentes envolve tratar igualmente casos semelhantes “de maneira relevante”.
Precedentes x súmulas
Ao diferenciar precedentes de súmulas, Martins Costa enfatizou que os precedentes se baseiam em fatos juridicamente qualificados, ao passo que as súmulas resumem decisões descoladas do contexto fático.
“As súmulas são o máximo de abstração e, por isso, têm um âmbito de abrangência incerto. O precedente, por outro lado, é uma reconstrução das razões de uma decisão.”
O magistrado afirmou que “o que vincula são as razões subjacentes às súmulas”, e não as teses ou enunciados em si.
Segundo ele, o maior desafio está em “determinar o que foi decidido e quais foram os fatos relevantes para o Tribunal ter decidido o que decidiu”.
Protagonismo institucional
Martins Costa destacou que o TRT-RS tem buscado protagonismo na consolidação desse novo paradigma.
“O TRT-RS e a Escola Judicial, já há bastante tempo, têm se preocupado no estudo e no dever de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente.”
O desembargador citou a criação da plataforma Pangea, desenvolvida para facilitar a pesquisa de precedentes qualificados nacionais e regionais, como exemplo concreto dessa preocupação institucional. Ao encerrar, reforçou a importância do diálogo e da participação democrática na formação de precedentes: “O Judiciário precisa se abrir à sociedade. Precisamos ouvir o que as pessoas que usam o Direito têm a dizer para nós”.

Nova missão
No mesmo painel, o ministro Hugo Carlos Scheuermann destacou que o TST passa por uma mudança de paradigma institucional, com o objetivo de consolidar-se como uma corte de precedentes vinculantes.
“Especialmente neste momento histórico em que o TST inicia uma verdadeira transformação, uma mudança de paradigma para se tornar efetivamente uma corte de precedentes vinculantes”, afirmou o ministro.
Ele ressaltou que o tribunal deve deixar de julgar casos repetitivos para focar na fixação de teses jurídicas: “O TST não pode ficar julgando casos, e sim, teses”.
Crescimento processual
Hugo lembrou que essa visão já era defendida por outros ministros e agora se concretiza diante da crescente demanda judicial. “Em 2024, foram recebidos mais de 4 milhões de processos no Brasil”, disse ele.
O ministro explicou que houve um crescimento de quase 10% no número de processos iniciados e mais de 16% nos solucionados, mesmo após a entrada em vigor da reforma trabalhista.
“Evidentemente que a conclusão é que essa inundação de demandas é multifatorial”, ponderou.
Previsibilidade
O ministro apontou a ausência de previsibilidade nas decisões como um dos elementos que alimentam esse volume processual.
“Um dos fatores pode-se dizer que é a ausência de previsibilidade das decisões”, afirmou.
Segundo ele, os temas mais recorrentes na Justiça do Trabalho incluem adicional de insalubridade, verbas rescisórias e punições disciplinares. Hugo reforçou que cabe ao TST uniformizar a interpretação do Direito do Trabalho em todo o país, conforme definido pela Constituição Federal.
“É justamente a missão institucional de uniformizar, em última instância, a matéria infraconstitucional trabalhista.”
Estrutura interna
Hugo também detalhou a estrutura interna do TST, explicando como a corte está organizada para cumprir sua missão.
“Temos oito turmas, cada uma composta por três ministros, e a sessão especializada em decisões individuais, a Sessão 1, composta por 14 ministros”, explicou.
Ele enfatizou que essa estrutura visa garantir a aplicação uniforme do direito trabalhista e a preservação da jurisprudência. “Zelar para a não ocorrência de violações das normas legais e constitucionais pelas instâncias inferiores.”
Coerência jurídica
Por fim, o ministro destacou a evolução do modelo de atuação do TST. Segundo ele, até recentemente, o tribunal buscava responder à litigiosidade por meio de um sistema recursal tradicional, mas esse formato está sendo superado.
“Até pouco tempo atrás, o TST empenhou esforços de responder a essa crescente litigância de modo automatizado.”
Hugo disse que a nova diretriz institucional pretende transformar o tribunal em um verdadeiro guardião da coerência jurídica. “Esta é a missão”, concluiu.
O painel seguinte teve como painelistas o ministro do TST Ives Gandra Martins Filho, o advogado Gáudio Ribeiro de Paula e o coordenador do Contrab, Guilherme Scozziero.

Dois eixos
O ministro Ives Gandra Martins Filho explicou que o sistema de precedentes precisa conciliar dois eixos: o critério de transcendência, que seleciona os temas relevantes, e o sistema de julgamento repetitivo, que firma as teses. “O sistema pode funcionar bem, conjugando essas duas sistemáticas: como selecionamos os temas e como solucionamos os temas”.
O ministro defendeu que, com regulamentação adequada, como a recém-aprovada pelo regimento interno do TST em 2024, o tribunal está preparado para aplicar o modelo com mais celeridade e abrangência.
“Estamos usando muito o plenário virtual. Já adotamos 37 temas. A finalidade desse sistema é a uniformização da jurisprudência, em caráter vinculante.”

Revisão e reafirmação
O magistrado destacou que a atual administração do TST tem priorizado a consolidação de teses com efeito vinculante.
“A política da atual presidência está em um ritmo que se esperava: pegando todos os temas que já estavam pacificados e colocando como teses de reafirmação de jurisprudência.”
Segundo ele, mais de 200 temas já foram sistematizados. Além disso, Ives Gandra anunciou uma revisão ampla das súmulas do tribunal. “Em junho, vamos analisar as súmulas que serão canceladas por estarem em desacordo com a reforma trabalhista.”
Mudança cultural
Por fim, o ministro reforçou que o desafio é cultural, técnico e institucional.
“O sistema só funcionará se mudarmos a mentalidade. Se não, vamos continuar julgando o varejo, sem resolver as grandes questões.”
Ele afirmou que o sistema de precedentes deve ser visto como um compromisso com a segurança jurídica e a legitimidade do Judiciário, e que a responsabilidade é coletiva.
“Precisamos de uma postura institucional articulada, com juízes, advogados e sociedade compreendendo que há um novo modelo de decisão judicial — mais analógico, mais previsível e, acima de tudo, mais justo.”
O seminário propôs um espaço de reflexão sobre os caminhos possíveis para o Direito do Trabalho diante das mudanças sociais e econômicas recentes. Além dos precedentes, também foram debatidos temas como a segurança jurídica nas relações laborais e os avanços normativos da área nos últimos anos.
O evento contou com a presença de advogados, magistrados, estudantes e representantes de entidades empresariais.