Empregada com carga horária reduzida para cuidar de filho com Síndrome de Down garante vaga em cargo de gestão nos Correios
Resumo:
- Uma empregada dos Correios com jornada reduzida para cuidar de filho com Síndrome de Down foi impedida de assumir um cargo de coordenação para o qual havia sido aprovada, sob alegação de que a função exigia 44 horas semanais.
- O juiz de primeiro grau entendeu que a jornada reduzida garantida judicialmente, baseada no princípio da proteção integral à pessoa com deficiência, não pode limitar a ascensão profissional da empregada. A sentença determinou sua nomeação ao cargo e fixou indenização por danos morais em R$ 5 mil.
- A 2ª Turma do TRT-RS manteve a sentença, ressaltando que a empregada demonstrou qualificação para a função e que a empresa deveria adaptar as condições de trabalho à jornada especial, em respeito aos direitos constitucionais.
Uma empregada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) que possui jornada reduzida para cuidar de filho com Síndrome de Down garantiu o direito a assumir um cargo de gestão na empresa, para o qual havia sido aprovada em seleção interna.
Posteriormente à aprovação, a empresa impediu a trabalhadora de assumir a função, sob justificativa de que a carga horária exigida para a atividade de gestão era de 44 horas semanais.
Os desembargadores da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) entenderam que a redução de jornada leva em conta o princípio constitucional da proteção integral à pessoa com deficiência, que também é tutelada pelos Estatutos da Criança e do Adolescente e da Pessoa com Deficiência. Assim, de acordo com a Turma, o direito à jornada de seis horas não pode impedir a ascensão da trabalhadora na carreira.
O acórdão manteve a sentença do juiz Gustavo Jaques, da Vara do Trabalho de Estância Velha.
Antes de ingressar com a ação trabalhista que garantiu o direito à redução de jornada de 8h para 6h, a trabalhadora participou de uma seleção interna para o cargo de coordenadora, para trabalhar em uma unidade em Porto Alegre. Ela foi aprovada na seleção e compareceu ao novo local de trabalho para iniciar as atividades em agosto de 2022.
A empregada fez até mesmo uma festa de despedida da antiga unidade. No entanto, ao se apresentar para trabalhar, recebeu verbalmente a comunicação de que teria acontecido um “problema atípico” e que sua jornada reduzida a impedia de assumir o cargo de coordenadora. No dia seguinte, voltou ao trabalho em Estância Velha.
A sentença de primeiro grau fundamentou que, embora exista norma interna da empresa que prevê jornada de 44h semanais para os empregados no exercício de função gerencial, incumbe ao Estado a função de concretização do conteúdo das normas constitucionais, por meio de medidas positivas, com o objetivo de proteger o exercício dos direitos fundamentais.
O magistrado destacou que, de acordo com o depoimento do preposto, não há regulamentação interna da empresa sobre o caso de pessoas com deficiência e familiares, com o objetivo de inclusão destes em cargos de gerência. Nessa linha, o posicionamento da empresa não está de acordo com o princípio da proteção integral à pessoa com deficiência e seus familiares ou cuidadores, segundo o julgador.
A sentença acolheu o pedido da trabalhadora e determinou sua nomeação para o cargo de coordenadora em Porto Alegre. Também concedeu uma indenização por danos morais, tendo em vista a frustração da expectativa legítima de nomeação. A reparação foi fixada em R$ 5 mil.
A EBCT e a empregada recorreram da sentença ao TRT-RS. Para o relator do caso na 2ª Turma, desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, o crescimento da empregada na carreira deve se dar pelas qualificações pessoais e profissionais que a habilitem a executar funções gerenciais, independentemente da redução de jornada garantida judicialmente. Do contrário, não se estaria cumprindo a determinação de redução de jornada sem prejuízo à remuneração, enfatizou o magistrado.
O desembargador destacou que a empregada, mesmo competindo em desigualdade de condições, face às necessidades maternais com os cuidados de seu filho, com 2 anos à época, demonstrou qualificação para assumir o cargo de gestão, passando por todos os processos seletivos.
“É claro que os regulamentos internos devem ser observados. Entretanto, o caso da reclamante é diverso do restante dos candidatos, pois o direito à jornada de 6 horas lhe foi garantido judicialmente, devendo a reclamada adaptar as condições de trabalho para que se cumpra tal decisão”, concluiu o julgador.
A decisão foi unânime no colegiado. Além do relator, participaram do julgamento a desembargadora Cleusa Regina Halfen e o desembargador Gilberto Souza Santos. O acórdão é passível de recurso para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).