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Publicada em: 07/11/2024 19:05. Atualizada em: 11/11/2024 09:35.

Jornada de Direito Antidiscriminatório: painelistas refletem sobre cultura, igualdade e justiça social

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Juíza Lúcia Matos e palestrante Rita Von Hunty
Juíza Lúcia Matos e palestrante Rita Von Hunty

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) promoveu, nesta quinta-feira (6/11), a “Jornada de Direito Antidiscriminatório: Unir Diversidades e Construir um Futuro sem Preconceito”. Realizado no Plenário do TRT-RS, em Porto Alegre, o evento foi organizado pela Escola Judicial do TRT-RS e pelo Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal, reunindo especialistas, ativistas e autoridades com o objetivo de discutir o impacto dos estereótipos e da discriminação em diversos grupos historicamente vulneráveis.

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A programação da tarde trouxe ao centro do debate questões de discriminação racial e os avanços no Direito Antidiscriminatório.

Gleidson, Fernanda e Lívia.
Gleidson, Fernanda e Lívia.

Discriminação Racial

Gleidson Renato Martins Dias, ativista do movimento negro e jurista, e Lívia Prestes, advogada e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de Acesso à Justiça, discutiram a urgência de uma abordagem jurídica comprometida com a igualdade racial.

Mediado por Fernanda Maria Aguilhera dos Santos, representante do Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-RS, o painel focou nos desafios enfrentados pela população negra, destacando o racismo estrutural e a necessidade de políticas públicas efetivas para garantir a igualdade e a justiça social.

Advogada Lívia Prestes.
Advogada Lívia Prestes.

Protagonismo negro

Lívia Prestes destacou que o Direito do Trabalho nunca protegeu de forma adequada a população negra. Ela comentou que negros e pardos têm maior proporção em áreas como o serviço domético e a construção, setores nos quais os trabalhadores recebem menos tutela do Estado, seja por haver menos diretos previstos na legislação, seja por estarem em relações de trabalho terceirizadas.

A painelista acrescentou que houve mudanças na advocacia a partir das leis de cotas, com maior presença de pessoas negras nas faculdades e na atuação profissional. Essa mudança permite que a hermenêutica jurídica passe a ser pensada a partir dos corpos negros.

Jurista Gleidson Renato Martins Dias.
Jurista Gleidson Renato Martins Dias.

“As pessoas negras precisam ser protagonistas do pensamento político e não apenas ser objeto de estudo. Quem está melhor envolvido em  uma relação consegue pensar a solução para aquilo que vive”, destacou.

Comprometimento de todos

Gleidson Renato Martins Dias partiu dos pressupostos conceituais da teoria crítica da raça para afirmar que o Direito é um mecanismo de controle social. Conforme o palestrante, o Direito é pensado, ensinado e materializado na “perspectiva egocêntrica branco-normativa-universalista”.

Além disso, afirmou que o racismo é estrutural e se baseia em contratos raciais e de dominação. Ele acrescentou que o direito antidiscriminatório é uma possibilidade de modificar essa realidade. “Se não rompermos com essa lógica, iremos manter um direito brancocêntrico”, pontuou.

O palestrante acrescentou que a teoria crítica da raça não é essencialista, ou seja, não defende que só pessoas negras falem sobre a questão racial. “Queremos o comprometimento das pessoas brancas. O combate ao racismo não é só das pessoas negras, é de todos e todas nós. Não há cisão nessa discussão, há comprometimento”, afirmou.

Avanços no Direito Antidiscriminatório: Análise de decisões judiciais, inclusive da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Gabriela, Andréa e Monique.
Gabriela, Andréa e Monique.

A programação seguiu com um painel sobre os avanços no Direito Antidiscriminatório, com a presença das juízas Gabriela Lenz de Lacerda, do TRT-RS; e Monique Matos, do TRT-5 (BA). Mediado pela juíza aposentada do TRT-RS Andréa Saint Pastous Nocchi, o painel analisou marcos importantes para o combate à discriminação, incluindo decisões recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos que têm ampliado as proteções legais para minorias e grupos marginalizados.

Sistemas de proteção aos Direitos Humanos

A juíza Monique Matos falou sobre a evolução histórica da proteção aos direitos humanos. Conforme a palestrante, após o estabelecimento do sistema universal de proteção, com a Organização das Nações Unidas, também foram criados os sistemas regionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela explicou que não há hierarquia entre esses sistema e os nacionais.

Juíza Monique Matos.
Juíza Monique Matos.

A magistrada comentou o caso da Fazenda Brasil Verde, típico de trabalho escravo, que ocorreu no interior do Pará, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016. Aquela foi a primeira vez em que o Brasil foi condenado por violação a direitos sociais. A decisão destacou que o Estado não havia combatido suficientemente o trabalho escravo, e que os trabalhadores foram vítimas por serem de regiões pobres e sem acesso à educação.

Ela também comentou o caso da morte de trabalhadores na explosão de uma fábrica de fogos em Santo Antônio de Jesus, na Bahia. Naquela situação, a decisão da Corte, publicada em 2020, reconheceu que a distribuição de direitos sociais e a proteção dos órgãos estatais brasileiros varia conforme o extrato social da população atingida. “Isso mostra que o Brasil vive situação de racismo estrutural, pois mesmo depois da tragédias as pessoas continuaram sem acesso à saúde e sem proteção judicial”, comentou.

Juíza Gabriela Lenz de Lacerda.
Juíza Gabriela Lenz de Lacerda.

Protocolos de julgamento

A juíza Gabriela Lenz de Lacerda falou sobre os protocolos de atuação e julgamento brasileiros. Conforme a magistrada, as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos deixaram claro que o Brasil precisava ter protocolos para os magistrados, para evitar que o próprio processo judicial virasse um mecanismo de violação de direitos humanos. 

Um caso emblemático foi o homicídio da jovem estudante Márcia Barbosa, quando o autor do crime usou sua imunidade parlamentar para não ser responsabilizado. A sentença proferida pela Corte em 2021 estabeleceu em suas diretrizes que o Brasil deveria ter um protocolo de atuação com perspectiva de  gênero.

Evento foi aberto ao público.
Evento foi aberto ao público.

O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do Conselho Nacional de Justiça foi criado a partir de um grupo de trabalho instituído em 2021. Ele foi publicado como recomendação em 2022 e como resolução em 2023. “Ao editar esse documento, o CNJ avançou ao reconhecer que a influência do patriarcado, do machismo, do sexismo e da homofobia são transversais a todas as áreas do Direito, não se restringindo à violência doméstica”, comentou a juíza Gabriela.

Em 2024, a Justiça do Trabalho publicou seus protocolos de atuação e julgamento. Eles abordam as perspectivas “antidiscriminatória, interseccional e inclusiva”, “da infância e da adolescência” e “de enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo”.

A Dinâmica dos Estereótipos

Professora Rita Von Hunty.
Professora Rita Von Hunty.

O evento foi encerrado com uma palestra da crítica cultural e professora Rita Von Hunty, que abordou a dinâmica dos estereótipos e seu papel na perpetuação das desigualdades. Mediada pela juíza Lúcia Rodrigues de Matos, do TRT-RS, Rita destacou a importância de uma leitura crítica sobre a representação social das diferentes identidades, incentivando uma desconstrução dos preconceitos enraizados.

Rita trouxe uma reflexão sobre a transformação das ciências humanas e o nascimento dos estudos culturais, destacando sua importância na compreensão da cultura como um produto humano, sem distinções hierárquicas entre alta e baixa cultura. Destacou que os estudos culturais surgem como uma área que se distingue da sociologia e da antropologia da cultura, pois se interessa não apenas pelos aspectos formais, mas pelo significado cultural de um povo em um dado momento histórico.

A professora ressaltou que "os estudos culturais começam com um pressuposto antropológico que, se um ser humano fez, é cultura", defendendo que a cultura é um reflexo das lutas e significados de um povo, moldada por um processo histórico e social, que não pode ser visto como algo dado ou natural.

Ela também usou a língua portuguesa como exemplo para ilustrar o processo histórico de formação cultural, lembrando que o idioma que falamos é o resultado de uma complexa construção, que envolve a história colonial e as influências de diversos povos.

Rita refletiu sobre a formação da língua portuguesa no Brasil, que é diferente do mesmo idioma falado em Portugal.

"O nosso português, como  grande antropóloga brasileira Lélia González defendia, não era exatamente português, era pretuguês", disse Rita, enfatizando como a cultura brasileira é uma síntese de múltiplas influências, e como esses elementos se cristalizam na linguagem e nos valores de uma sociedade.

Inclusão e combate ao preconceito

A Jornada de Direito Antidiscriminatório, que iniciou com uma série de palestras na parte da manhã, reforçou o papel fundamental das instituições públicas no debate sobre a inclusão e o combate ao preconceito. A palestra inaugural foi ministrada pela professora Antonella Galindo, da Universidade Federal de Pernambuco, que destacou a importância de uma teoria jurídica antidiscriminatória para o desenvolvimento de políticas inclusivas. Na sequência, o procurador do trabalho Tiago Ranieri e o auditor Rafael Faria Giguer abordaram os desafios enfrentados por pessoas trans, com deficiência e idosas no mercado de trabalho.

Fórum Antirracista

Nesta sexta-feira (8/11), o TRT-RS continuará com as atividades voltadas para a inclusão e a igualdade racial com o “6º Fórum Aberto de Educação Antirracista do TRT4: A Negritude Gaúcha (R)EXISTE!”.

Os eventos reforçam o papel essencial do TRT-RS na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, trazendo à tona discussões urgentes sobre discriminação e inclusão.

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Fonte: Texto Guilherme Villa Verde e Eduardo Matos (Secom/TRT-RS) - Fotos Guilherme Lund
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