Fórum Antirracista: atividade de encerramento promove reflexão sobre a mulher negra como estrutura da sociedade brasileira
O 3º Fórum Aberto de Educação Antirracista do TRT-RS foi encerrado na tarde da última sexta-feira (26/10) com uma roda de conversa protagonizada por mulheres negras. Sob o título "Pretas em Roda: a mulher negra - semente e estrutura", a atividade contou com as presenças de Daiana dos Santos, vereadora da bancada negra da Câmara Municipal de Porto Alegre, e com três mulheres integrantes do Coletivo Negros/Negras do TRT-RS, servidoras Roberta Liana Vieira, Milena de Cássia Silva de Oliveira e Vânia Teresinha Oliveira Soutinho.
As contribuições das participantes giraram em torno da ideia de que a mulher negra é a estrutura da sociedade brasileira, já que predomina nas atividades de cuidados e de manutenção de lares, apesar dessas tarefas ainda serem precarizadas e desvalorizadas no Brasil.
No início da atividade, a presidente do TRT-RS, desembargadora Carmen Izabel Centena Gonzalez, afirmou que o Tribunal já empreendeu movimentos no sentido de melhor compreender a questão racial no Brasil e na instituição, mas que essas iniciativas ainda são insuficientes. A desembargadora citou como exemplos positivos a criação do Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e DiversidadeAbre em nova aba, além do projeto recente "Percursos, Vivências e Memórias de servidores e magistrados negros e negras do TRT4"Abre em nova aba, que gerou um livro e um documentário sobre as histórias pessoais e as contribuições desses servidores e servidoras para a instituição.
A desembargadora, que está finalizando seu período de gestão como presidente, também reafirmou seu desejo de que essas iniciativas tenham continuidade, e pediu a servidores e magistrados que "não deixem essa chama se apagar". "Temos que continuar fazendo com que as pessoas compreendam a estrutura da nossa sociedade, de não querer ver as diferenças, e as dificuldades enormes enfrentadas por negros e negras no nosso país", destacou.
Leia, a seguir, alguns trechos das reflexões trazidas pelas participantes, mas não deixe de conferir o conteúdo completo da atividade na plataforma do Youtube, por meio deste link.Abre em nova aba
O 3º Fórum Aberto de Educação Antirracista do TRT-RS foi promovido em parceria pela Escola Judicial (EJud4), pelo Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade, e pelo coletivo Negros/Negras do Tribunal.
Daiana dos Santos:
"O tom dessa roda são as mulheres negras em movimento e os efeitos projetados por elas nessa perspectiva coletiva. A mulher negra é sim semente e estrutura. Uma mulher preta feliz é revolucionário diante do tamanho retrocesso em que estamos. Agora a gente sabe o que está acontecendo, vê e se mobiliza. Mas fomos forjadas na luta, em um processo que envolveu muita violência. Somos frutos dessa violência. A consciência negra é a consciência do que aconteceu. As mulheres que nos antecederam foram a resistência que hoje nos condiciona a continuar de peito aberto para a luta, com visão para o futuro".
Roberta Liana Vieira:
"As mulheres negras fazem todo o trabalho de cuidado, caracterizado como trabalho doméstico, o trabalho de educar... As mulheres brancas saíram para ocupar postos fora do lar, enquanto as mulheres negras ficaram reproduzindo a vida doméstica. Quando falamos em estrutura, estamos falando disso, dessa reprodução da vida, desse cuidado. No próprio TRT-RS a maioria do quadro de terceirizados/as é formada por mulheres negras. Elas continuaram fazendo a manutenção dos prédios, mesmo na pandemia, embora por escalas. Então, estrutura são as mulheres negras por trás desse trabalho, ainda invisibilizado e não valorizado pela sociedade".
Daiana:
"A ideia de união das mulheres em diferentes postos, apontada pela Roberta, já é revolução. A gente sempre foi condicionado a ficar num único espaço. Quando uma de nós consegue romper isso, é a exceção, mas acaba apontada como regra, no sentido de que 'se ela conseguiu, por que vocês todas não conseguem?'. Mas a gente carrega nas costas um peso histórico de sempre estar excluídas das possibilidades de avanço. Essa unidade entre nós é possível, mas ainda está muito distante. Conheço muitas mulheres negras da minha idade que engravidaram na adolescência, pararam estudos, viraram diaristas, porque foi a única possibilidade que tiveram. Vemos então a ausência de políticas públicas. Elas se distanciaram de todo o resto, o ato revolucionário cotidiano delas é sobreviver. Nós que estamos aqui conseguimos compreender isso, acessamos a universidade, espaços em que os nossos só costumam entrar pra fazer manutenção. As pessoas precisam poder ter escolha, e não uma única possibilidade de sobrevivência. Acredito nessa organização onde vamos somar essas forças".
Milena de Cássia Silva de Oliveira:
"Quando pensaríamos em quatro mulheres negras debatendo num espaço de poder como o Judiciário? Isso é gratificante, sinal de que nossa luta não é em vão. Há muito tempo discutimos a questão de que a pauta do feminismo branco não atende ao feminismo negro, porque para nós o racismo é o centro de tudo, e não poderemos ser libertos se todo o nosso povo não for liberto. O mulherismo não é rival do feminismo, mas traz o racismo ao centro. As mulheres negras são mães de homens negros, ou irmãs, ou têm tios... Temos que discutir também a libertação desses homens negros. A emancipação é a construção de liberdade de todo um povo, para nos apoderarmos do que é nosso".
Vânia Teresinha de Oliveira Soutinho:
"O feminismo foi um movimento das mulheres brancas, enquanto as mulheres negras ficavam na estrutura para que elas saíssem para as lutas. O acesso à educação é importante para que essas questões sejam colocadas. Sabemos como as mulheres negras foram marginalizadas dentro do próprio feminismo. Pensarmos no mulherismo como o feminismo da mulher preta é importante para que as nossas pautas identitárias sejam também atendidas".