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Publicada em: 01/12/2020 18:13. Atualizada em: 01/12/2020 18:18.

Encontro Institucional: "O papel da Justiça do Trabalho é lutar contra aqueles que querem tornar o trabalho indigno algo normal", diz sociólogo Ricardo Antunes

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ricardo anunes -810p.pngO XV Encontro Institucional da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul teve início nesta terça-feira (1º). Realizado de forma 100% on-line pela Escola Judicial (EJud4), o evento reúne os juízes e desembargadores do TRT-RS para debaterem o tema “As Transformações do Mundo do Trabalho”. A programação engloba palestra, conferências, painel e grupos de discussão até sexta-feira (4). As atividades ocorrem no turno da manhã.

A palestra de abertura foi ministrada pelo sociólogo Ricardo Luiz Coltro Antunes, sobre o tema “Uberização do Trabalho, Intermitência e Precarização Estrutural do Trabalho”. O convidado é professor titular de Sociologia do Trabalho na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de livros que abordam o fenômeno da uberização, trabalho digital e indústria 4.0.

O sociólogo começou sua explanação destacando que estamos diante de um aparente paradoxo no mundo do trabalho, porque convivemos, ao mesmo tempo, com uma explosão de tecnologias de ponta e com um cenário que remonta ao Século XVIII, quando nascia a Revolução Industrial. "Temos hoje uma massa imensa de trabalhadores em jornadas extenuantes, de 14 horas por dia e sem qualquer direito trabalhista, como acontecia naquela época", ilustrou.

Esse panorama, segundo o professor, começou a ser desenhado na década de 70, a partir da chamada reestruturação produtiva, muito baseada na tecnologia, mas tornou-se agudo na última década. "Há 10 anos as empresas que hoje estão no topo da valorização financeira não existiam ou eram muito menores", lembrou. "A tecnologia sempre fez parte do trabalho humano, desde o momento em que um homem lascou uma pedra para fazer um instrumento de trabalho. Mas quem determina esse uso? Quem programa o algoritmo para que ele seja desumano? Esse mesmo algoritmo poderia ser desenhado para um trabalho digno, de preservação da vida", avaliou.

A expansão do trabalho hoje chamado de uberizado, segundo Antunes, tem sua base no "Zero-Hour Contract", que vige em países como a Inglaterra há décadas. Como o nome indica, trata-se de um contrato em que não há previsão de horas de trabalho e em que a remuneração ocorre por tarefa realizada. "O trabalho nessas novas plataformas exige que uma massa imensa de trabalhadores e trabalhadoras, das mais diversas profissões, esteja disponível para realizar qualquer serviço, dos mais complexos aos mais simples", explicou o pesquisador.

A junção, portanto, da alta tecnologia com a ausência completa de direitos trabalhistas, no entendimento do sociólogo, faz com que estejamos regredindo a formas de trabalho primitivas. "Essa tecnologia de ponta poderia ser utilizada para que trabalhássemos quatro horas por dia, em três ou quatro dias por semana", ressaltou. "Mas o que vemos é exatamente o contrário: gente trabalhando 14 horas por dia, gente trabalhando por peça, como acontecia antes da Revolução Industrial", enfatizou.

A corrosão dos direitos trabalhistas, para Antunes, é indispensável ao trabalho uberizado, e por isso as empresas empregam muitos recursos e lobby intenso junto aos poderes públicos, em todos os países em que atuam. "Aquilo que eu chamo de contrarreforma trabalhista que tivemos em 2017 no Brasil é um exemplo disso: quebra do primado do legislado sobre o negociado, medidas antissindicais muito claras, previsão de jornadas móveis, trabalho intermitente, ataque à Justiça do Trabalho", citou.

Como referiu o pesquisador, a Justiça do Trabalho surgiu no Brasil para ser um "parachoque" entre as forças antagônicas do capital e do trabalho. As plataformas de tecnologia utilizam-se do argumento de que são apenas intermediárias, justamente para que os direitos trabalhistas não sejam discutidos. "Se não há direitos trabalhistas, se os trabalhadores são autônomos, para que Justiça do Trabalho?", questionou o pesquisador.

No entanto, na avaliação de Antunes, o que ocorre é um assalariamento disfarçado, porque as plataformas exercem todo o controle do trabalho. "Quem determina quem pode trabalhar e o que será feito? Quem determina como as atividades serão realizadas? Quem estabelece o prazo de uma entrega ou de uma corrida? Quem estabelece unilateralmente os valores a serem pagos pela tarefa? Quem estabelece as metas e ameaça com o bloqueio do trabalhador caso ele não cumpra?", questionou-se Antunes. "O trabalho só é autônomo quando o trabalhador trabalha se quiser e estabelece as próprias condições", refletiu.

O professor alertou para o fato de que se os profissionais comprometidos com o trabalho, como os juízes, os procuradores, os advogados, os cientistas sociais, os economistas, dentre outros segmentos, não se derem conta do que está ocorrendo, logo também serão trabalhadores uberizados. "O juiz é do Trabalho, não é do capital. A Justiça do Trabalho deve pensar na humanidade, na preservação de direitos, em reconquistar a força que teve, em ter coragem para decidir o que é trabalho e o que não é, porque vai sofrer cada vez mais os lobbys das grandes empresas, mas com a crise explosiva que está vindo também sofrerá as pressões das lutas sociais", avaliou. "O papel da Justiça do Trabalho, na minha opinião, é lutar contra aqueles que querem tornar o trabalho indigno algo normal", concluiu.

Abertura 

Antes da palestra de Ricardo Antunes, o Encontro foi aberto com a Acolhida, o Espaço da Administração e o Espaço da Amatra IV. 

O diretor da Escola Judicial, desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, deu boas-vindas a todos. Ele destacou o formato inovador do evento, adotado em razão da pandemia, e a importância da temática escolhida para as atividades.

Na sequência, a presidente do TRT-RS, desembargadora Carmen Izabel Centena Gonzalez, também cumprimentou a todos e comentou o quanto tem sido desafiador comandar a Instituição neste período atípico de pandemia. A magistrada listou realizações da sua gestão até aqui, especialmente nas áreas de saúde (protocolos e normativos relacionados à Covid-19), infraestrutura tecnológica (que tem possibilitado o trabalho remoto de magistrados e servidores) e de obras.

Ao fazer uso da palavra, o vice-presidente do Tribunal, desembargador Francisco Rossal de Araújo, explicou o trabalho que vem sendo realizado para a redução do resíduo na análise de admissibilidade de recursos de revista. Também falou sobre as mediações coletivas conduzidas durante a pandemia, que alcançaram cerca de 400 mil trabalhadores de diversas categorias, e dos esforços do segundo grau na área da conciliação. 

O Espaço da Administração foi finalizado com o pronunciamento do corregedor regional, desembargador George Achutti. O magistrado falou a respeito do trabalho remoto desempenhado pelos juízes nesses últimos meses e da atuação da Corregedoria no mesmo período, principalmente na edição de atos normativos. Além disso, destacou a utilização de novas ferramentas tecnológicas na jurisdição, bem como o desafio que a Justiça do Trabalho gaúcha terá pela frente: o de administrar as audiências que ficaram represadas em razão da pandemia.

Em seguida, o presidente da Amatra IV, juiz Tiago Mallmann Sulzbach, abordou as atividades desempenhadas pela entidade em defesa da categoria e da Justiça do Trabalho, e na área social.

Atividades

O XV Encontro Institucional terá prosseguimento nesta quarta-feira, com o painel sobre o documentário “GIG: A Uberização do Trabalho”. Os painelistas serão o jornalista e documentarista Maurício Monteiro Filho, diretor do documentário, e Carlos Nelson dos Reis, economista e professor da PUC-RS. Neste dia, também terá início a discussão em grupos, pelo Grupo A, em que magistrados debaterão o tema “O Novo Mundo Trabalho”.

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Em cima: Rafael Nunes (EJud), Camila Frigo (EJud), Joni Johann (EJud), Carlos Selbach (juiz, mestre de cerimônia do Encontro), Des. Ricardo Martins Costa (diretor da EJud).
Embaixo: Des. George Achutti (corregedor), Tiago Mallmann (presidente Amatra IV), Carmen Gonzalez (presidente), Francisco Rossal (vice-presidente) e Cláudia Cassarotti (EJud)
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Fonte: Juliano Machado e Gabriel Borges Fortes (Secom/TRT4)
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