Contribuição sindical: cobrança via ação monitória (parte II)
*Carlos Alberto Robinson
Seguindo recente artigo publicado nesta mesma coluna, vejamos o que se dá quando ocorre inadimplência quanto à contribuição sindical.
Compete ao Ministério do Trabalho fazer o lançamento para dar exigibilidade e liquidez, e, posteriormente, expedir a certidão de dívida para conferir certeza à contribuição. Vale a certidão como título executivo extrajudicial para cobrança do débito (art. 606 da CLT, arts. 583 e 586 do CPC e art. 3º da Lei nº 6.830/80).
A cobrança judicial da contribuição inadimplida é feita pelos entes sindicais profissionais ou econômicos, na forma do disposto na Lei nº 6.830/80, sendo estendidos aos sindicatos os privilégios da Fazenda Pública, exceto quanto ao foro especial (art. 606, § 2º, da CLT).
Nesse contexto, a utilização da ação monitória para cobrança judicial da contribuição sindical se revela inadequada. O procedimento monitório é de cognição sumária, objetivando abreviar a formação do título executivo e agilizar a prestação jurisdicional, O título executivo, porém, no caso, é formado pelo procedimento administrativo de responsabilidade do Ministério do Trabalho. Não há, portanto, interesse processual da entidade sindical no manejo da ação monitória.
De referir que a eleição da via judicial adequada não é faculdade da parte, constituindo, outrossim, condição essencial da ação (art. 267, inciso VI, do CPC, expressa no interesse de agir). É matéria de ordem pública, não estando à disposição das partes (art. 267, § 3º, do CPC), exceto nas estritas hipóteses legais (art. 292, § 2º, do CPC).
Ocorre, porém, que há algum tempo o Ministério do Trabalho se nega a expedir a certidão de dívida ativa, sob a justificativa de que para tanto teria que determinar o enquadramento sindical das empresas, e isto importa ingerência do Estado na organização sindical, o que é vedado pela CF de 1988, no art. 8º (consoante conclusão expressa na Nota/MGB/CONJUR/TEM/Nº 30/2003).
Segundo doutrinadores de escol, a eficácia do art. 606 da CLT não foi afetada pela CF/88, contrariamente à conclusão do Ministério do Trabalho.
Como resolver, então, esta questão?
Sérgio Pinto Martins sustenta que "foi recepcionado pela Constituição de 1988 o art. 606 da CLT que indica que a contribuição sindical, para ser cobrada judicialmente, necessita de que o Ministério do Trabalho a inscreva como título de dívida, mediante certidão expedida pela referida autoridade, em que o contribuinte é individualizado, indicando-se o débito e designando-se a entidade a favor da qual é recolhida a importância da contribuição sindical, de acordo com o respectivo enquadramento sindical (parágrafo 1º do art. 606 da CLT). O parágrafo 2º do art. 606 da CLT demonstra que a cobrança judicial da dívida ativa da contribuição sindical tem os mesmos privilégios gozados pela Fazenda Pública, nos termos da Lei nº 6.830/80, com a única exceção de que não há foro especial para a cobrança da dívida, como ocorre em relação àquela entidade".
Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que o "recolhimento ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal ou em estabelecimentos bancários autorizados obedece ao sistema de guias, de acordo com as instruções do Ministro do Trabalho, extraídas em quatro vias. Em caso de falta de pagamento, as entidades sindicais podem promover a respectiva cobrança judicial, mediante ação executiva, valendo como título da dívida a certidão expedida pelo DNT ou pelas delegacias regionais nos estados e territórios. Os sindicatos possuem, para esse fim, os privilégios da Fazenda Pública (isenção de selos), mas não têm foro especial. A quitação do imposto sindical é condição teórica para admissão no emprego; concorrência pública ou administrativa; para o fornecimento às repartições; para licenças de funcionamento de escritórios de agentes autônomos e profissionais liberais e alvarás de licença ou localização de qualquer atividade". Esclarecem, ainda, que a manutenção da contribuição sindical no ordenamento jurídico importa criação de "figura híbrida de uma pessoa de Direito Privado nutrida por tributos públicos extra-orçamentários. Outorgaram-se-lhe poderes e capacidade processual para a cobrança da dívida ativa, com iguais privilégios da Fazenda Pública, mas se lhe não concede foro especial. As certidões, o levantamento das dívidas, tudo é feito pelos órgãos públicos, mas na cena judiciária quem aparece é a personagem de que falamos ainda há pouco [sindicato]. Em nenhum país democrático, que preza a liberdade sindical, jamais se institui semelhante tributação".
Diante do exposto, em que pese o entendimento dos Tribunais de Justiça e do STJ, que até a Emenda Constitucional nº 45/04 detinham a competência para processar e julgar a matéria em estudo, e admitiam, sem muito esclarecer as suas razões, o procedimento monitório para cobrança do tributo destinado aos sindicatos, entendo incabível o uso de tal via (ação monitória), na medida em que esta visa conferir eficácia de título judicial para documentos particulares, não dotados de tal efeito, circunstância que limita a sua utilização ao âmbito das relações jurídicas estabelecidas entre particulares.
Ademais, ainda que se cogitasse do manejo da monitória para rápida constituição do título executivo, porquanto os sindicatos dispõem de prova documental do crédito (art. 1.102-A do CPC), tratando-se de procedimento de cognição sumária, não restaria assegurada a ampla defesa ao réu, essencial na constituição da obrigação tributária, porquanto a verificação da ocorrência do fato gerador, a determinação da matéria tributável, a apuração do montante devido, bem como a identificação dos sujeitos ativo e passivo requerem procedimento de cognição exauriente, com eventual discussão acerca da representação sindical, o que requer observância do contraditório e da ampla de defesa, os quais são assegurados no lançamento tributário (art. 142 do CTN e art. 5º, inciso LV, da CF).
Constata-se, assim, que a negativa do Ministério do Trabalho em expedir a certidão de dívida constitui ato ilegal, que desafia a impetração de Mandado de Segurança por parte das entidades sindicais, perante as Varas do Trabalho, objetivando a expedição da referida certidão, para posteriormente ingressar com a ação executiva.
Entretanto, caso não seja possível a utilização do Mandado de Segurança, porque decorrido o prazo de 120 dias, ou a prova do direito não esteja previamente constituída, penso que a ação que melhor atende à formação do título para cobrança da contribuição sindical é a ação de cobrança, sujeita ao rito ordinário, que propicia ampla dilação probatória, bem como a devida discussão e exame de todos os aspectos fáticos e jurídicos que envolvem a matéria.
A alteração da competência da Justiça do Trabalho, a partir da EC 45/04, outorgou à Justiça do Trabalho a competência para conhecer e julgar as lides de representação sindical (art. 114, inciso III, CF), na qual se insere a contribuição sindical. Com todo o respeito aos Tribunais que, até então, vinham julgando essa matéria, penso que cabe uma nova reflexão acerca do processamento para cobrança da contribuição sindical, tendo em vista que a Justiça do Trabalho tem como especialização as questões envolvendo as relações de trabalho, sendo a representação sindical e a respectiva contribuição (devida, inclusive, por profissionais liberais) desdobramentos destas relações.
Nessa senda, entendo que esta Justiça está mais próxima e mais afeita às discussões referentes à contribuição sindical, competindo a ela um reexame da jurisprudência consolidada pela Justiça Estadual e pelo STJ, de sorte a adequá-la ao procedimento que lhe é próprio e está inteiramente descrito na CLT, que é "código" por excelência da Justiça do Trabalho.
* Juiz do TRT da 4ª Região