Eduardo Bittar faz conferência sobre ''Humanismo Judiciário'', no Plenário do TRT-RS
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) recebeu nessa sexta-feira (24) o professor Eduardo Bittar, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O advogado e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito realizou a conferência "Humanismo Judiciário e Tecnicismo Judiciário", na qual defendeu a necessidade de humanização dos serviços da Justiça para a realização dos direitos e a consolidação da democracia. O evento ocorreu no Plenário do Tribunal e foi promovido pela Escola Judicial.
Na abertura da conferência, Eduardo Bittar listou as crises que estamos vivenciando, e afirmou que elas podem ser entendidas como a crise da própria modernidade. Utilizando uma metáfora para explicar o contexto atual, o palestrante afirmou que atravessamos um "nevoeiro histórico sem precedentes", e que os fins éticos e sociais do Direito devem servir como bússola para essa travessia. Durante a exposição, Eduardo Bittar traçou um panorama histórico e filosófico do conceito de "técnica", e defendeu o humanismo como a melhor fonte de superação da crise contemporânea. Ao final, propôs uma reflexão sobre o papel do Judiciário e dos atores jurídicos (magistrados e servidores) nesse contexto.
A origem do termo "técnica" é grega, mas seu significado se modificou na modernidade. Conforme o palestrante, os gregos faziam uma distinção entre os termos técnica e ação (práxis). Enquanto a técnica se referia a atividades ligadas à produção, a ação se referia ao exercício da virtude, e estava relacionada com a ideia de prudência. "A excelência humana, entre os gregos, não estava na técnica, mas na virtude. E o domínio da virtude é o domínio da razão, e não da mera produção", ressaltou. A técnica, na antiguidade, era vista como algo auxiliar na relação do homem com o mundo. Mas na modernidade seu sentido se transforma, e ela passa a ocupar um novo lugar. "A técnica se tornou a razão dos novos tempos com os modernos, e o homem virou seu apêndice", afirmou Bittar. A partir da modernidade, surge a chamada "consciência tecnocrática", uma nova força ideológica. A técnica deixa de ser mero instrumento dos homens para se converter em "senhora da própria existência humana".
O conferencista citou e relacionou diversos autores para demonstrar que, quando a técnica passou a ser um fim em si mesma na era moderna, ela deixou de servir como instrumento de libertação do ser humano. Ao contrário, passou a se tornar um instrumento de opressão e de escravidão. "De mecanismo de superação da necessidade humana, a técnica se converte em forma de criação de novas necessidades. E torna o ciclo de dependência num infinito e irreversível processo de marcha em direção ao futuro mais técnico", explica. Bittar ressalta, ainda, que o avanço tecnológico tornou os indivíduos menos sensíveis de suas responsabilidades, ao distanciar os atos de suas consequências: "A era da técnica instala o bestial entre os homens. Com a mesma leveza com que o dedo move o mouse do computador, também se aciona o sistema que potencialmente destrói cidades inteiras".
O palestrante abordou a seguir o conceito de humanismo, e ressaltou sua necessidade nos tempos atuais. "Humanismo é isso: cuidar, meditar, para que o homem se torne humano, e não desumano. Para que não fique situado fora de sua essência, desconhecedor de si mesmo, por estar vitimizado, dominado e encantado pelos vícios da técnica", esclareceu. Eduardo Bittar apontou a modernidade como a era em que se fez necessário cunhar o termo "direitos humanos", para diferenciá-los dos direitos que são frutos da pura técnica legística. E ressaltou que a valorização dos direitos humanos não se limita ao simples conhecimento operatório do Direito técnico, mas deve se relacionar a um conhecimento mais profundo, voltado para a compreensão dos desafios da humanidade. "A missão do Direito nesse tempos é a de não sucumbir à tecnocracia. E a dos juristas, de praticar uma ética humanista de resistência".
Humanismo Judiciário
Na parte final de sua conferência, Eduardo Bittar abordou o papel do Judiciário na consolidação da democracia e do respeito aos direitos humanos. O palestrante chamou a atenção para o desafio enfrentado pelos magistrados, servidores e demais atores do Poder Judiciário. Conforme estatísticas recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente há cerca de 100 milhões de processos em curso no país. "De cada dois brasileiros, um está na Justiça pleiteando algo que antes não foi respeitado, oferecido ou protegido", afirmou o palestrante. Para Bittar, o Direito brasileiro está ameaçado, diante da tendência de sua ineficácia generalizada. Isso pode levar ao descrédito e à perda de legitimidade das instituições.
Nesse contexto, o conferencista apontou a figura do "juiz-máquina", que realiza um grande número de audiências por dia, despacha processos e expede sentenças, num modelo que estimula a continuidade de práticas repetitivas. Esse panorama revela o problema dos magistrados guiados pela racionalidade estatística, ou seja, moldados por uma visão de Justiça que tem por referência a quantidade. "Mas a aplicação da Justiça demanda, ao contrário, um artesanato complexo. Especialmente quando se trata de operar com a sensibilidade pelas questões humanas, o que ocorre frequentemente no Direito do Trabalho", ponderou. Conforme o palestrante, perdeu-se o conhecimento de que o Direito é antes de tudo um arte, como sabiam os romanos. Ou seja, é uma atividade deliberativa, que envolve pensamento, reflexão, prudência, e análise contextual e conjuntural. Ao invés disso, o Direito vem se convertendo cada vez mais em um trabalho manual, com o processo sendo visto como uma esteira de produção. "Ao que parece, quanto mais inconscientes, repetitivos, padronizados e rápidos os intervalos entre um ato e outro, melhor. Será?", questionou.
O humanismo judiciário, para Bittar, é um dos possíveis antídotos à crise de paradigmas do Direito. Ele se distancia do tecnicismo judiciário e representa um movimento ético de resistência, de recusa aos excessos da modernidade. O conferencista propôs uma reflexão sobre a reforma de qualidade da justiça, que deve se basear no protagonismo de seus atores, e listou uma série de características que corresponderiam ao juiz do humanismo judiciário. Entre elas, a do juiz que enxerga pessoas e não partes, estimula a mediação e a conciliação, atua como educador em direitos humanos nas suas decisões, dialoga, e enxerga os demais servidores públicos do Judiciário como membros de uma escola de justiça, em que todos estão aprendendo juntos. "É exatamente por saber que os desafios não são poucos, que todos nós somos convocados a agir. Agir é, já nesse imediato momento, ser responsável pela mudança. Se somos responsáveis pela mudança, o papel de juízes e juízas, humanizados no exercício de sua função, faz toda a diferença", concluiu.
Mais atividades
No turno da tarde, a Escola Judicial reuniu os magistrados no Plenário para debater cinco tópicos tratados no último Encontro Institucional, realizado em outubro do ano passado. Após esse debate, o juiz auxiliar da Presidência, Ricardo Fioreze, falou sobre o Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba), incentivando os juízes a utilizarem essa nova ferramenta, capaz de conferir maior efetividade à fase de execução.