Juristas e militantes falam sobre discriminação por orientação sexual em Ciclo de Debates na Escola Judicial
Ocorreu na última sexta-feira (14/10) o terceiro módulo do Ciclo de Debates sobre Discriminação nas Relações de Trabalho, promovido pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS). As palestras abordaram a discriminação por orientação sexual (no turno da manhã) e identidade de gênero (à tarde). O evento é realizado em parceria com a Comissão de Direitos Humanos do TRT-RS e aberto para a participação da comunidade.
O seminário foi aberto por um depoimento de Peterson Rodrigues dos Santos, comerciário e presidente da ONG Elo - Conversando Sobre Adoção. Peterson relatou sua trajetória para obter, dentro da empresa na qual trabalha, o reconhecimento de uma “licença maternidade” de seis meses, após a adoção de uma criança. Apesar de se orgulhar de trabalhar em uma “empresa cidadã”, que se propõe a combater políticas discriminatórias, ele apontou comportamentos que ajudam a perpetuar a presença de preconceito entre colegas: a naturalização do preconceito manifestado por algumas pessoas (“tá tudo bem, ele só não gosta de gays”); o hábito de fingir que algumas situações de preconceito simplesmente “não acontecem”; e o entendimento de que a luta por igualdade é uma busca por vantagens. “Meus colegas viram a licença como ‘golpe’. A pessoa homossexual acaba achando que não é capaz, que não merece”, contou o comerciário.
A servidora do TRT-RS Ana Naiara Malavolta, militante nas questões de gênero e livre orientação sexual no âmbito da Justiça do Trabalho, fez um paralelo entre sua trajetória pessoal e a evolução legal do reconhecimento à união homoafetiva. Ela buscou explicitar algo que ela denominou de “discriminação institucional”, apontando a sucessiva recusa administrativa de seus pedidos de reconhecimento até que ocorresse a aprovação do reconhecimento da união pelo Direito Civil. Ao lado dessa discriminação, ela apontou também uma dimensão de invisibilidade da homossexualidade: muitas pessoas não se assumem por medo do preconceito, havendo ainda casos em que a busca pelo próprio reconhecimento legal de uma união é buscado em sigilo. “A exposição não é bem vista no ambiente de trabalho. A gente pode esconder, e se esconder. Só que isso gera uma série de situações que fazem mal – provocações, piadas. Me tornei uma ativista lésbica, e se digo o tempo todo que sou lésbica, é para me defender”, resume Naiara.
A segunda palestrante, desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, conhecida defensora dos direitos homossexuais, homoafetivos e das famílias, optou por dividir o seu tempo com Saulo Macólos, que trouxe sua experiência como advogado e membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/RS. Berenice apresentou exemplos de sua trajetória profissional e enfatizou a importância de se colocar no lugar do outro. “As pessoas têm dificuldade de lidar com o diferente. O espaço do que não é espelho do igual é assustador. Todo mundo tem medo do desconhecido”, afirmou. Ela também denunciou um “não-comprometimento na busca do Direito do outro”, regra que impera nos casos de preconceito. Para combater isso, ela resumiu a finalidade do termo “homoafetividade”, que cunhou na sua carreira como jurista: “As pessoas ouvem ‘homossexual’ e pensam em sexo, imaginam dois homens na cama. Hoje as pessoas chamam o carro usado de ‘semi-novo’. É o mesmo carro, mas muda a escuta. Às vezes é importante mudar o significante”, explicou a magistrada.
Saulo Macólos expôs dados e depoimentos relativos ao assédio moral, que é mais frequente diante de homossexuais do que de heterossexuais. Entre os riscos do assédio, cuja definição legal ainda não existe, ele mencionou a ameaça à saúde, ao emprego e à própria vida. “O assédio moral é maior em mulheres do que em homens, e maior ainda em lésbicas”, exemplificou. “O fato de ser negro, gay, mulher ou deficiente físico nos coloca em condição de permanente vigília. Podemos sempre tomar uma pedrada”, resumiu Saulo.