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Publicada em: 27/03/2023 15:48. Atualizada em: 27/03/2023 15:49.

"Não temos como exercer os direitos humanos sem preservação da natureza", afirma constitucionalista Elisa Loncón em aula inaugural da EJud-4

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Elisa Loncón
Elisa Loncón

A aula inaugural de 2023 da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) contou com a constitucionalista, professora e ativista dos direitos humanos Elisa Loncón. Líder indígena Mapuche, Elisa foi a primeira presidente da recente Convenção Constitucional do Chile, responsável pela redação de uma nova Carta Magna para o país, que substituiria a Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet. A conferência da professora ocorreu na última sexta-feira (24/3), no Plenário Milton Varela Dutra do TRT-4, em Porto Alegre. Como mediadora do evento, esteve presente a subprocuradora-geral do Ministério Público do Trabalho, Edelamare Barbosa Melo, que atua como coordenadora do grupo de Trabalho Povos Indígenas do MPT. A cantora Andrea Cavalheiro foi a mestre de cerimônias do evento.

Acesse aqui o álbum de fotos do evento. 

Ao iniciar sua explanação, a constitucionalista explicou que a proposta de Constituição apresentada ao povo chileno passou por um processo democrático, com membros eleitos e com representação dos mais diversos segmentos da sociedade. Apesar da proposta ter sido rejeitada em plebiscito junto à população, a professora enfatizou que o projeto trouxe um diálogo rico e diversas demandas sintonizadas com o Século XXI. "É uma referência que não poderemos apagar da história do Chile, construída com muitos atores sociais, partidos progressistas, povos originários e mulheres", avaliou.

Elisa Loncón e Edelamare Melo
Elisa Loncón e Edelamare Melo

Segundo Elisa, a Constituição chilena atual foi escrita durante a ditadura de Pinochet, sem a participação dos cidadãos e cidadãs do país. Após a redemocratização, diversas promessas foram feitas no sentido de reformular o texto, mas as alterações não foram a fundo. "Nem esta Constituição da ditadura nem qualquer outra da história do Chile contou com a participação feminina e dos povos originários", destacou a ativista.

Para que a proposta fosse viabilizada, explicou a professora, foi necessária uma ampla mobilização de segmentos da sociedade. Esses movimentos começaram pelos estudantes ainda em 2006, ganharam tração também no meio estudantil nos anos de 2011 e 2012, já com a liderança do atual presidente, Gabriel Boric, e foram ampliados a partir de então com a soma de outras parcelas da sociedade, como os povos originários e as mulheres, além da incorporação de outras pautas, como o aumento das aposentadorias e pensões e a exigência de um sistema de saúde universal. "A lógica da Constituição da ditadura foi a criação de um sistema neoliberal, com a privatização dos direitos sociais", ressaltou.

Essa mobilização gerou uma crise social em 2019, respondida com um referendo que determinou a escrita de uma nova Constituição para o país. Neste referendo, também ficou estabelecido que a composição da Convenção Constitucional seria paritária, com membros eleitos, e com vagas reservadas para indígenas e mulheres. "A sociedade chilena foi percebendo que a luta dos indígenas é justa. Essa luta vem de séculos no Chile", enfatizou a professora. "Fui eleita nesse processo, como representante do povo Mapuche".

Foto geral da palestrante no Plenário do TRT-4A questão da plurinacionalidade apresentada na proposta de Constituição, conforme a palestrante, foi baseada em acordos internacionais já assinados pelo Chile, tais como Convenções da ONU e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). "A ideia de que o Chile é um estado único, mas constituído por vários povos, foi construída a partir de marcos teóricos e de convênios já efetivados pelo país. Não trouxemos nada além disso", explicou. "Todas as constituições do Chile diziam que o país é único e indivisível, mas sempre foi único para os dirigentes que reivindicam a branquitude, não a negritude nem a indigenia. Era uma visão excludente", afirmou a ativista.

A ideia de plurinacionalidade incorpora questões como interculturalidade, plurilinguismo, diversidade de sexo e gênero e proteção do meio-ambiente. "Seria o reconhecimento de que coexistem vários povos no Chile, sem comprometer a autonomia territorial nem o caráter único do Estado", detalhou. "Não queríamos subtrair nenhum direito. Pelo contrário, queríamos, pela primeira vez, garantir os direitos de todos os povos", frisou.

Um outro ponto bastante enfatizado pela constitucionalista foi a preservação da natureza. Segundo ela, muitos povos indígenas no Chile têm problemas na obtenção de água, devido à privatização e também a uma política de desmatamento, responsável por secar rios e áreas úmidas. "Não temos como exercer os direitos humanos sem preservar a natureza, que é fonte da vida", declarou. A própria igualdade substantiva, defendida na proposta de Constituição, deveria se estender aos recursos naturais, definidos como bens comuns de todos. "Essas garantias são para o futuro da sociedade, para a manutenção desse nosso planeta que está ameaçado", afirmou.

Foto do públicoConforme a professora, o reconhecimento dos diversos povos originários nunca teve por objetivo deixar de reconhecer os demais povos. "As comunidades indígenas falam a língua do colonizador, além das suas. Utilizam as roupas suas e do colonizador, estudam nas suas escolas e também nas dos colonizadores. Reconhecemos a diversidade e sabemos que o diferente é importante", exemplificou. "Os povos indígenas preservaram vivências coletivas, vivem em harmonia com a natureza e possuem princípios filosóficos de boa convivência. Esses conhecimentos são fundamentais para a manutenção do planeta. Ninguém quer um planeta sem recursos para suas famílias", avaliou.

Após a rejeição da proposta apresentada pela Convenção Constitucional, está sendo elaborada uma nova proposta, mas sem garantia de paridade e nem de vagas reservadas para representações diversas da sociedade. "Os avanços da primeira fase não estão garantidos. Assim, se preservará a segregação racial e o colonialismo intelectual", lamentou a ativista.

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Fonte: texto de Juliano Machado (Secom/TRT-4) e fotos de Reinaldo Foltz.
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