Encontro no TRT-RS sobre Acervo e Memória termina com debates sobre urgência climática, reconstrução e patrimônio documental
A tarde do “Encontro Desastre Climático RS/2024: Acervo e Memória do Poder Judiciário” foi dedicada a dois painéis sobre emergência climática e recuperação de arquivos e, ao final, uma conferência sobre o programa internacional Memória do Mundo. O evento aconteceu nesta terça-feira (18/11), no Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS).
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O seminário foi promovido pelo TRT-RS em parceria com o Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS), Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS), Tribunal de Justiça Militar (TJM-RS) e contou com apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Unesco e do Arquivo Nacional.
Arquivos permanentes e urgência climática
O primeiro painel da tarde foi mediado pelo conselheiro do CNJ, desembargador Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha.
O juiz federal Rafael Martins Costa Moreira abriu o debate destacando que os eventos climáticos extremos colocam em risco o patrimônio cultural. Ele lembrou que a legislação brasileira dispõe de ferramentas como tombamento, inventário e registro para proteger bens culturais, mas que as recentes tragédias mostram que é urgente adotar medidas de adaptação. “Os efeitos das mudanças climáticas não são mais apenas futuros, já estão acontecendo”, alertou.
O oficial de Projetos da Unesco, Rafael Wagner Radke, apresentou ações da agência da ONU para incentivar boas práticas de preservação ambiental. Ele destacou o programa Memória do Mundo, dedicado à proteção do patrimônio documental da humanidade, e do qual o TRT-RS participa com seu acervo histórico. Segundo ele, a preservação depende de três pilares: políticas de gestão e prevenção de riscos, acesso responsável aos documentos e cooperação entre instituições. “Preservar documentos é um esforço coletivo, as redes fortalecem todos os envolvidos e seus acervos”, afirmou.
O coronel Evaldo Rodrigues Oliveira Júnior, da Defesa Civil de Porto Alegre, ressaltou que a memória histórica ajuda a evitar tragédias. Ele citou o exemplo da enchente de 1941: “Se Porto Alegre tivesse mantido viva essa memória, talvez os impactos de 2024 não fossem tão severos”, avaliou. Para ele, além de atuar após os desastres, é preciso investir em prevenção. "Nós precisamos preparar as pessoas. Se nós formos lá, nas escolas, nos centros comunitários, levar esse aconselhamento às pessoas, isso vai se irradiar pela cidade inteira", concluiu.
O conselheiro do CNJ, desembargador Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, mediou o painel sobre arquivos permanentes e urgência climática e comentou as três apresentações. Após a fala do juiz Rafael Martins Costa Moreira, elogiou a clareza jurídica e a análise sobre a transição da mitigação para a adaptação climática. Destacou, na exposição do representante da Unesco Rafael Radke, os três pilares da preservação documental e a importância de preparar futuras gerações. Ao comentar o pronunciamento do coronel Evaldo Oliveira Júnior, reconheceu o trabalho da Defesa Civil e reforçou a necessidade de memória, dados e cooperação para orientar políticas públicas.
Recuperação de Arquivos, Gestão e Biossegurança
O segundo painel, mediado pela juíza do TRT-RS Anita Job Lübbe, reuniu relatos do TRT-RS, TJ-RS, Arquivo Nacional e Justiça Federal sobre o enfrentamento da enchente de 2024.
O professor Eutrópio Pereira Bezerra explicou como foi o projeto de recuperação dos processos históricos do Arquivo-Geral do TRT-RS atingidos pelos alagamentos. O arquivologista e especialista em restauração de documentos orientou a equipe do Tribunal. O primeiro passo foi o estudo da situação do acervo. “Com o diagnóstico, pudemos fazer uma intervenção mais precisa, ele permitiu a elaboração de um plano de ação”, relembrou. Após o resgate, os processos passaram por etapas de higienização e restauração.
A professora da UFRGS Gertrudes Corção falou sobre sua experiência como responsável pela avaliação microbiológica dos processos que estavam no arquivo-geral do TRT-RS. Ela analisou a dimensão da contaminação, o ambiente em que eles estavam sendo higienizados e restaurados, e os métodos utilizados, para gerar respostas que auxiliassem no processo de recuperação. “Pensar em biossegurança era essencial, já que os documentos ficaram muito tempo em contato com água contaminada”, disse.
A médica Ana Ribeiro relatou as ações do TJ-RS durante a tragédia climática. A instituição criou rapidamente uma comissão para fazer um diagnóstico, planejar ações e mapear a situação de servidores atingidos. Foi criada uma rede de apoio que arrecadou doações e auxiliou 249 servidores. O Tribunal também ofereceu atendimento médico e psicossocial on-line. “A enchente trouxe muita instabilidade emocional”, avaliou.
A arquivista Flávia Rossato contou como o Arquivo Nacional auxiliou instituições gaúchas. O primeiro pedido veio da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 30 de abril. “Naquele momento, ninguém imaginava que o cenário iria piorar, e muito, nos próximos dias”, afirmou. Depois disso, foram feitas reuniões e visitas técnicas. Só em Porto Alegre, 24 órgãos do Executivo tiveram seus arquivos atingidos, somando cerca de 30 km de documentos danificados. No total, foram 100 visitas técnicas no estado, com apoio de 20 servidores, além de capacitações presenciais e on-line.
A juíza Ingrid Schroder Sliwka, diretora do Foro da Justiça Federal no RS, reforçou a importância da solidariedade entre as instituições. “Foi uma corrente que nos animou a continuar, prosseguir. É quase inacreditável o que conseguimos fazer em uma situação tão desafiadora”, comentou. Também afirmou que o trabalho multidisciplinar e transdisciplinar é essencial para a gestão documental.Ela lembrou ainda que, pelas previsão da Resolução 656/2025 do CNJ, todos os tribunais devem elaborar planos de contingência socioambiental para enfrentar futuros desastres.
Conferência de encerramento
Na conferência final, o diretor do Museu Imperial e integrante do programa Memória do Mundo, Mauricio Vicente Ferreira Junior, falou sobre as ações da Unesco para a preservação documental. Em 2014, cerca de 2 milhões de processos do TRT-RS — datados de 1935 a 2000 — receberam o selo Memória do Mundo. Parte desse acervo foi atingida pela enchente de Porto Alegre e precisou ser resgatada.
Mauricio explicou que o programa surgiu após a destruição da biblioteca de Sarajevo na guerra. “Foi a maior biblioclastia do mundo contemporâneo, um memoricídio”, definiu. A tragédia levou a Unesco a criar protocolos internacionais para proteger acervos documentais. O programa foi desenvolvido para proteger, valorizar e principalmente tornar acessível o patrimônio documental.
Conforme o palestrante, um dos pressupostos do programa é a acessibilidade: “O patrimônio documental de valor mundial deve ser devidamente disponibilizado a todos. É uma questão fundamental”. Além disso, acrescentou que outros dois pressupostos são o incentivo da conscientização mundial sobre a importância do patrimônio e o uso de técnicas próprias para sua preservação.
Em fala por videoconferência, o secretário-executivo do Conselho Nacional de Arquivos, Alex Pereira de Holanda, destacou que temas ligados ao impacto das mudanças climáticas sobre arquivos devem ganhar cada vez mais espaço na agenda internacional. Ele alertou que 2025 marca a ultrapassagem de um “ponto sem retorno” na ação humana sobre o meio ambiente, o que exige que instituições mantenham atenção redobrada sobre a segurança de seus acervos diante do aquecimento global. Alex ressaltou que o evento não apenas relembra a tragédia, mas celebra a resiliência de pessoas e instituições que, mesmo afetadas, trabalharam para salvar documentos essenciais à garantia de direitos.
Mesa oficial
A mesa oficial de encerramento reuniu o oficial de Projetos da Unesco Rafael Wagner Radke; o secretário judiciário do TRE-RS, Rogério da Silva Vargas; o desembargador militar do TJM-RS, Rodrigo Mohr Picon; o desembargador do TRF4 Fernando Quadros da Silva; o 2º vice-presidente do TJ-RS, Sérgio Miguel Achutti Blattes; e as desembargadoras do TRT-RS Maria Madalena Telesca (vice-corregedora regional) e Laís Helena Jaeger Nicotti (corregedora regional).

