Conferência na Justiça do Trabalho gaúcha discute combate à precarização e reafirma direitos trabalhistas

Nesta sexta-feira (12/9), o Auditório Ruy Cirne Lima, na Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (EJud-4), sediou a Conferência Livre “Trabalho Decente, Precarização e Direitos Humanos - Combatendo Retrocessos e Reafirmando a Competência da Justiça do Trabalho”.
O evento, promovido por iniciativa do TRT-RS, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra4) e da Associação Gaúcha da Advocacia Trabalhista (Agetra), integra a programação da Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul.
A abertura do evento contou com a presença de autoridades do Judiciário, do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública, da Advocacia, da administração pública e de organizações da sociedade civil.

Tecnologia e precarização
O vice-presidente do TRT-RS, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, deu as boas-vindas ao público presente e destacou a relevância do tema.
O magistrado destacou que os avanços tecnológicos trazem benefícios, mas também riscos relevantes para as relações de trabalho.
“Não raro vemos, por exemplo, trabalhadores por aplicativos vinculados a plataformas digitais compreenderem-se como empreendedores, apesar de estarem, na sua grande maioria, bastante distantes da detenção dos meios de produção e do domínio efetivo sobre a sua força de trabalho”, afirmou.

Ele ressaltou que, embora as inovações sejam um movimento “irrefreável”, é preciso atenção para que não se convertam em instrumentos de precarização.
Na avaliação do magistrado, a inteligência artificial exige uma abordagem crítica e responsável.
“Não se pode admitir que máquinas e algoritmos possam tomar decisões que produzam impacto sobre seres humanos sem adequados controle e supervisão exercidos por pessoas, por seres humanos”, advertiu.
Segundo Alexandre, confiar decisões estratégicas exclusivamente a sistemas automatizados “pode resultar em graves riscos e consequências extremamente danosas”, razão pela qual a prudência e a ética devem permanecer como norte no exercício de qualquer atividade profissional.
Flexibilização e informalidade

Na sequência, falou a juíza Eliane Covolo Melgarejo, vice-presidente da Amatra4, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Trabalho Decente do TRT-RS e coordenadora acadêmica substituta da EJud-4.
A magistrada ressaltou a gravidade do cenário atual das relações de trabalho no Brasil e a necessidade de reafirmar os direitos fundamentais.
“Nas últimas décadas, os trabalhadores brasileiros e as suas instituições representativas têm manifestado crescente preocupação com o galopante processo de precarização dos direitos humanos, em especial os direitos trabalhistas”, afirmou.
Segundo ela, embora esses direitos estejam assegurados em convenções internacionais da OIT e na Constituição Federal, “a realidade concreta revela a fragilização sistemática das garantias historicamente conquistadas”.
Eliane também alertou para os riscos da flexibilização desenfreada e da expansão da informalidade.

“A promessa de geração de milhões de empregos não se concretizou. O que se verificou foi o aumento da informalidade, a multiplicação da precarização e a estagnação dos índices de desenvolvimento social”, destacou. Para a magistrada, “retirar direitos não gera prosperidade, mas sim maior desigualdade e insegurança”, além de enfraquecer o financiamento de políticas públicas e desestimular investimentos em empresas formalizadas.
Direitos humanos e trabalho
Representando o Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), o presidente Julio Picon Alt ressaltou a importância do debate sobre trabalho decente e a relação direta entre direitos trabalhistas e direitos humanos.
“Esse evento aqui, ele é um seminário, uma audiência pública que reflete sobre a questão dos direitos do trabalho, mas ele também é uma conferência livre de direitos humanos”, explicou.

Ele lembrou que o país vive um ciclo de encontros preparatórios para a Conferência Nacional de Direitos Humanos, marcada para dezembro, em Brasília, e destacou: “O dia 10 de dezembro é um dia muito especial para quem pensa em direitos humanos, pois é o Dia Internacional dos Direitos Humanos”.
Picon Alt também fez um convite para a participação ativa da comunidade jurídica na conferência estadual que ocorrerá em outubro, em Porto Alegre.
“Quem assinou aqui a lista de presença é um possível delegado de direitos humanos. A gente conta com vocês, ainda mais um núcleo tão qualificado como está aqui”, afirmou.
O dirigente enfatizou a necessidade de levar propostas relacionadas ao mundo do trabalho, inclusive sobre a precarização e a competência da Justiça do Trabalho, para a etapa nacional.
Ao final, reforçou o compromisso do conselho no enfrentamento às violações mais graves: “Estaremos atentos, caso ocorra a questão do trabalho análogo à escravidão. É lamentável ver, em pleno século XXI, a nossa sociedade com trabalho análogo à escravidão ocorrendo no Brasil”.
Resistência e dignidade
A presidente da Agetra, Caroline Anversa, chamou atenção para a gravidade do cenário atual e a necessidade de resistência frente à precarização das relações laborais.
“O trabalho é essencial para a manutenção da existência de todos nós. A gente traz a clareza da gravidade dessa situação e da importância de nós alertarmos, tomarmos atitudes aqui no nosso tribunal, aqui no nosso grupo, e que ele se estenda e assim se formulam os movimentos de alteração de posicionamento”, afirmou.
Para ela, “a modernidade não pode significar a precarização dos direitos, e é o que a gente está experimentando e resistindo”.
Na sua avaliação, a Justiça do Trabalho ocupa papel central na defesa da dignidade humana e na proteção social.
“A manutenção de uma justiça especializada como a Justiça do Trabalho é uma trincheira essencial na luta por direitos humanos contra o retrocesso”, declarou. Caroline enfatizou que “o reconhecimento da existência de relação de emprego e a identificação de seus elementos constitutivos não é uma ficção jurídica. É um instrumento técnico-jurídico necessário para que efetivamente se reconheça que o trabalho não é mercadoria”.
Debate e participação
Encerrando os pronunciamentos iniciais, o desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, coordenador da Comissão de Direitos Humanos e Trabalho Decente do TRT-RS, destacou a importância do evento para fomentar o debate sobre direitos humanos, e logo abriu para manifestações dos representantes das entidades presentes.
Propostas
Durante a atividade, os participantes puderam se manifestar e apresentar propostas sobre o tema.
Carta de Porto Alegre
Ao final do encontro, foi lida a Carta de Porto Alegre, documento que reúne sete pontos centrais sobre o julgamento do Tema 1389 no STF e reafirma a competência da Justiça do Trabalho. Entre os principais tópicos estão: os riscos de precarização ligados à terceirização irrestrita; a competência constitucional da Justiça do Trabalho; a importância de investigar as circunstâncias reais da prestação laboral; os impactos sociais da pejotização; a distinção entre trabalho autônomo e subordinado; a afirmação do trabalho como direito humano; e a necessidade de reafirmar o papel da Justiça do Trabalho diante do risco de retrocessos.