“Em sede de”: usar ou não usar?
Entendida por muitas pessoas como um “modismo linguístico” que não abarca significado útil algum, a expressão “em sede de” tem sido usada há muito tempo, e de forma excessiva, no meio jurídico.
E mais: é empregada quando nada precisaria estar sendo usado, isto é, quando poderia simplesmente ser omitida, ou mesmo substituída por outras mais adequadas ao contexto.
Mas vamos por partes...
A palavra “sede”, nos dicionários de Língua Portuguesa, significa o lugar onde alguém pode sentar-se; a casa principal de uma ordem religiosa; o lugar onde se fixa um tribunal, um governo, uma administração, ou onde uma empresa comercial tem o seu principal estabelecimento; o lugar onde sucede um acontecimento. Ou seja, é um “lugar”, um recinto, e, quanto a isso, creio que não reste dúvida.
Ela tem sido comumente empregada, inclusive, no sentido de “no âmbito de”, “na esfera de”, “no campo de”, as quais também parecem ter o sentido de lugar.
Veja alguns exemplos da utilização da expressão:
Impõe constrangimento ilegal o acórdão que, em sede de apelação, torna mais gravosa a situação do réu sem apresentar fundamentação, sendo inviável ao Superior Tribunal de Justiça, em sede de habeas corpus, apresentar fundamentos objetivando suprir tal vício.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. LIMINAR EM SEDE DE CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. POSSIBILIDADE. 1. Não obstante o caráter satisfativo da medida, é possível o deferimento de liminar em sede de ação cautelar de exibição de documento. 2. Agravo regimental desprovido.
Agora pense: Será que cabe mesmo utilizar a expressão nesses casos? Qual contribuição ela traz ao texto efetivamente? E de onde vem esse tipo de utilização?
Há indícios de que a construção “em sede de…” tenha origem na Língua Italiana, com a locução in sede di, que tem o sentido de “durante”, “na ocasião de”. Por exemplo: in sede di esami (durante o exame), in sede di votazione (durante a votação, na ocasião da votação). Contudo, isso não se aplica ao nosso Português. Arrisco dizer que o nosso “em sede de” parece ter sido uma tradução equivocada da expressão italiana, já que, em nosso caso, como vimos, ela teria a ideia de lugar, e não de tempo.
Assim, é preciso concordar: não faz sentido utilizar uma expressão cujo sentido não é claro e que não agrega valor ao texto só porque é comum utilizá-la, não é? Além disso, também não faz sentido aumentar o tamanho de um texto se podemos reduzi-lo. Nosso tempo é precioso, e a brevidade da comunicação é um princípio que se impõe quando queremos falar sobre a correção dos textos que construímos e em conceder maior acesso a eles.
Veja como melhorar os trechos que utilizamos com exemplo logo acima:
Note que, na maior parte das vezes, bastou a simples supressão da expressão e o texto continuou com sentido. Além disso, ficou mais fluido e leve, e isso comprova que o “em sede de” não estava agregando grandes coisas a ele....
Resumindo:
A palavra “sede”, nos dicionários, significa “lugar”.
Há indícios de que a construção “em sede de…”, como é usada no Direito, tenha origem na Língua Italiana, com a locução in sede di, que tem o sentido de “durante”, “na ocasião de”. E isso não tem muito a ver com o sentido que se quer implementar quando a utilizamos.
Pelo princípio da economia linguística e pela necessidade de simplificação da linguagem, evite a expressão “em sede de”. Prefira simplesmente não usá-la. A maior parte dos textos pode tranquilamente viver sem ela e permanecerá fazendo sentido.
Mas, na necessidade de “completar” mais seu texto, seja porque a simples omissão da expressão não lhe pareça adequada, seja porque você simplesmente não se conforma em não utilizá-la, prefira expressões como “no campo de”, “no âmbito de”, ou até “por meio de”, etc., conforme o caso, se fizer sentido.
A ideia é evitar a utilização de expressões que não agreguem ao texto ou dificultem sua compreensão, e nosso Tribunal está atento a isso. Não à toa, fomos contemplados recentemente com o Selo Linguagem SimplesAbre em nova aba, para reconhecer e estimular o uso de uma linguagem direta e compreensível a todos os cidadãos e todas as cidadãs, tanto na produção das decisões judiciais quanto na comunicação geral com a sociedade. O Selo é concedido anualmente, sempre em outubro, mês em que se comemora o Dia Internacional da Linguagem Simples, no dia 13/10.
Então, fica o convite: Sempre que possível, revise seu texto e procure por algo a melhorar. Pode ser uma simples substituição ou supressão de alguma expressão, como as sugeridas no texto de hoje. Isso já pode melhorar seu texto, auxiliando a Justiça a aproximar-se um pouco mais dos cidadãos e das cidadãs.
Por hoje era isso.
Até a próxima!
Lara Martins