Racismo ambiental, ancestralidade negra e direito à cidade: reflexões no 6º Fórum de Educação Antirracista do TRT-RS
O 6º Fórum Aberto de Educação Antirracista do TRT-RS, com o tema “A Negritude Gaúcha (R)Existe!”, promoveu, nesta sexta-feira (8/11), uma série de debates para a compreensão das questões raciais no Rio Grande do Sul e em outras partes do Brasil. As atividades da tarde deram continuidade aos intensos e importantes diálogos que ocorreram pela manhã, com foco em temas como “racismo ambiental”, “direito à cidade” e “ancestralidade negra”.
Confira as fotos do evento.Abre em nova aba
Racismo Ambiental e o Direito à Cidade
A tarde começou com o painel “Racismo Ambiental e o Direito à Cidade”, que trouxe à tona a necessidade de se repensar a relação entre o meio ambiente, os direitos das populações negras e a urbanização.
Os palestrantes foram a desembargadora coordenadora do Subcomitê de Equidade Racial do TRT-RJ, Márcia Regina Leal Campos; o procurador do Estado do Rio Grande do Sul, doutor em Direito e presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, Jorge Luis Terra da Silva; e o acadêmico João Marcelo Rodrigues, que representou o professor e doutor em Direito, docente fundador do Núcleo de Pesquisa Antirracismo da Faculdade de Direito da UFRGS, Lúcio Antônio Machado Almeida.
A mediação foi da desembargadora do TRT-RS, Brígida Joaquina Charão Barcelos.
As discussões focaram na intersecção entre as práticas de exclusão social, discriminação racial e os impactos ambientais, além de propor soluções jurídicas e sociais para garantir o direito à cidade de todos, sem distinções raciais.
Márcia compartilhou sua experiência pessoal ao identificar o racismo ambiental, algo que, segundo ela, passou a compreender “vivendo, não apenas lendo”. Ela relatou como cresceu em um bairro simples no Rio de Janeiro e passou a perceber a realidade da gentrificação, um fenômeno de encarecimento urbano que aprofunda a segregação socioespacial. Márcia destacou que a gentrificação não ocorre apenas na sua cidade, “mas no planeta inteiro”.
O procurador Jorge abordou o impacto do racismo ambiental de forma ampla, afirmando que “a gente está falando do impacto do racismo em mais de um domínio”. Ele explicou a teoria dos vasos comunicantes, onde desigualdades em áreas como educação e trabalho afetam diretamente a moradia, com pessoas sendo forçadas a viver em zonas periféricas com infraestrutura precária, o que também compromete a saúde. Para ele, as desigualdades se interconectam e se acumulam entre diferentes domínios.
O estudante João discutiu o papel do Direito Antidiscriminatório no enfrentamento do racismo ambiental, destacando as disparidades raciais presentes no Brasil em áreas como mercado de trabalho, saúde e violência contra a população negra. Ele enfatizou a importância da luta coletiva, dizendo que “com práticas coletivas a gente consegue ter um movimento forte, latente”.
Territórios: A Ancestralidade Negra de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul
No segundo painel da tarde, que teve como tema “Territórios: A Ancestralidade Negra de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul”, o foco foi a valorização da história e das raízes dos negros nas regiões do Sul do Brasil.
As palestrantes Daniele Machado Vieira, professora da rede municipal, mestra e doutoranda em Geografia, pesquisadora da geografia dos antigos territórios negros de Porto Alegre; e Fernanda Oliveira da Silva, professora de graduação e pós-graduação da UFRGS e doutora em História, pesquisadora e cofundadora do Grupo de Estudos Atinuké, apresentaram pesquisas que resgatam a geografia e a história dos antigos territórios negros de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Ambas ressaltaram a importância de reconhecer a ancestralidade negra como parte fundamental da identidade histórica e cultural da região.
O painel foi mediado pela juíza do TRT-RS Valdete Souto Severo, que destacou a importância da valorização da memória negra e a preservação de espaços históricos como forma de resistência e afirmação de identidade.
Durante os debates, foi ressaltado que pesquisa e o resgate desses territórios negros no Rio Grande do Sul são fundamentais para compreender o impacto do racismo estrutural e como ele se reflete nas atuais condições de vida das populações negras.
Daniele explicou que, por volta de 1.800, havia uma forte presença negra no Centro de Porto Alegre, mas à medida que a cidade crescia, essa população era “empurrada” para as periferias. Ela abordou a história dos territórios negros da cidade, um tema muitas vezes “desconhecido” até pelos próprios habitantes, ressaltando a importância de resgatar essa memória histórica para entender melhor a formação social e urbana de Porto Alegre.
Fernanda, por sua vez, trouxe uma análise histórica sobre territórios e ancestralidade, propondo uma repaginação do imaginário sobre o Rio Grande do Sul. Ela destacou que, por meio do conhecimento histórico, é possível combater a ideia de uma história única sobre o estado, que se narra predominantemente como branco, embora seja o estado brasileiro com o maior número de clubes negros em funcionamento até hoje.
Lançamento do Documentário "Vozes Negras" e Roda de Conversa
O evento terminou com o lançamento do documentário "Vozes Negras", que foi seguido de uma roda de conversa com os idealizadores e participantes do projeto.
A obra registra e celebra as experiências e reflexões no processo de educação antirracista de jovens da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vereador Martim Aranha, na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre.
O documentário é fruto do trabalho da professora Estela Benevenuto e do professor Marcus Vianna, que guiaram os alunos e as alunas na construção de um espaço educativo onde o antirracismo é mais do que um tema de debate – é uma prática vivida no cotidiano escolar.
Participaram da roda de conversa os professores Estela e Marcus, e as alunas Ana Clara Barbosa dos Santos Porto e Steffany dos Santos Flores, participantes do documentário. A mediação foi da juíza TRT-RS Gabriela Lenz de Lacerda.
O lançamento do documentário encerrou um dia de reflexões e de mobilização para o combate ao racismo em todas as suas formas, especialmente em um contexto gaúcho que tem sua própria dinâmica histórica de resistência negra.
Leia mais:
6º Fórum Aberto de Educação Antirracista acontece nesta sexta-feira, no Plenário do TRT-RS.
Fórum Antirracista: atividades da manhã abordam o racismo estrutural e ambiental.