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Publicada em: 03/12/2020 08:40. Atualizada em: 03/12/2020 09:38.

Uberização do trabalho é debatida em painel do Encontro Institucional

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Captura de tela de 2020-12-02 10-57-10.pngNessa quarta-feira (2/12), o documentário “GIG: a uberização do trabalho” pautou as discussões do XV Encontro Institucional da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul. O painel ocorreu por videoconferência e teve a participação de um dos diretores do filme, o jornalista Maurício Monteiro Filho, e do economista Carlos Nelson dos Reis, professor da PUCRS. A mediação ficou a cargo do juiz Leandro Krebs Gonçalves. 

Carlos Reis teceu uma linha do tempo do capitalismo e da evolução tecnológica que acompanha esse sistema econômico. Colocou seu início na transição do modo de produção medieval, no qual o artesão possuía as ferramentas para criar os bens que vendia, para o modo primitivo de acumulação de capital, em que os comerciantes passam de meros intermediadores de mercadorias para detentores dos meios de produção, começando assim o assalariamento. A consolidação desse modelo se dá a partir da metade do século XVIII, com os avanços tecnológicos que desencadearam as revoluções industriais: motor a vapor, produção em massa, motor de combustão interna, computação, automação etc.

O economista afirma que a desigualdade social está na lógica do capitalismo, e que existe uma “destruição criadora” de tecnologias, no sentido de dar melhores resultados de acumulação do capital, sendo que esse movimento acaba por reduzir os postos de trabalho. “O documentário retrata de forma séria, crua e cruel uma parte do mercado de trabalho”, assevera. O painelista reconhece a face positiva da uberização para consumidores, que pagam pouco, e para proprietários, que lucram muito e se negam a ter uma responsabilização pelos trabalhadores, que sofrem a face negativa dessa precarização. Ele classifica esse cenário como de “selvageria e autofagia”, prevendo que um de seus desdobramentos será uma grande judicialização trabalhista.

Segundo o professor, existe tradicionalmente a subordinação do trabalho ao capital, mas hoje deve-se levar em conta a subjetividade dos indivíduos: trabalhadores, empresários e consumidores. E essa subjetividade pode levar a um tipo de ocultação da subordinação, pois o discurso de independência do trabalhador o leva a não perceber a exploração da qual está sendo vítima. Nesse contexto, Carlos Reis crê ser papel da Justiça do Trabalho colaborar para um regramento efetivo e adequado às condições reais, contemplando trabalho e capital, no sentido da “justiça, equidade e harmonia”.

Para o jornalista Maurício, uma boa reflexão sobre essa complexa questão é imaginar os trabalhadores de aplicativos fazendo a seguinte pergunta: “qual o risco que vocês, sociedade, querem que nós, trabalhadores, assumamos para que vocês tenham suas necessidades satisfeitas de forma mais barata?”. Relatou ter recebido uma foto de uma entregadora caminhando com a simbólica mochila nas costas enquanto empurrava um carrinho com seu bebê dentro. “Quantas necessidades dessa trabalhadora estavam sendo preteridas? Quanto risco ela estava assumindo em nosso nome? Em que medida podemos considerar essa mulher uma empreendedora?”, questionou. Maurício opina haver subordinação “líquida” nessa relação, resultado de uma modernização da sociedade ainda não acompanhada pela legislação. Sobre a retórica da flexibilidade de jornada, ele apontou o fato de haver uma “gameficação” (da palavra inglesa game, jogo), na qual há recompensas para manter engajamento do trabalhador, na mesma medida que ocorrem punições àqueles que dedicam menos tempo à plataforma.

O jornalista observa o sucesso de comunicação do que chama de “capitalismo de plataforma”, pois com quase nenhum investimento essas empresas conseguiram se incrustar no meio da cadeia produtiva, lucrando muito e adotando o conveniente discurso de só terem clientes, não funcionários. Citou que as plataformas chegaram ao ponto de gerir a legalização das microempresas individuais (MEIs) dos motoboys, emitindo assim as notas fiscais que elas mesmas pagam.

O diretor mencionou um caso que não entrou no documentário, no qual a maior empresa paulista de motofrete faz o monitoramento constante da localização dos trabalhadores, inclusive quando eles não estão no serviço. E o nome da ferramenta para esse controle é Orwell, indisfarçada alusão à pretensão “bigbrotheriana” da plataforma. “O próprio trabalhador carrega seu relógio ponto no bolso”, pondera, vendo no celular mais um risco da atividade econômica repassado aos colaboradores. Maurício referiu que muitas plataformas exigem que o aparelho comprado pelo trabalhador utilize o sistema Android, por ser mais permissivo às concessões de acesso, já que o contrato firmado implica em abrir mão da privacidade quanto ao GPS (dentro e fora do expediente), aos contatos e à câmera, dentre “outras informações que estão muito longe de dizerem respeito àquela atividade-fim”.

Falando sobre as estratégia das empresas, Maurício observou ter havido, inicialmente, uma boa remuneração dos motoristas, o que permitiu aumentar a base de prestadores e melhorar a qualidade do serviço entregue. Mas o segundo momento é de redução da remuneração, chegando hoje ao ponto de trabalharem o dobro do tempo para receberem metade da renda inicial, lamenta. Outra tática referida, essa usada para desmobilizar os insatisfeitos, é a de manter alguns trabalhadores com remuneração bem acima dos demais. Apelidados de “peixe”, eles acabam por compartilhar com seus colegas os comprovantes de seus ganhos, sob o argumento de que todos podem atingir tal patamar se houver dedicação.

O jornalista explicou que um dos entrevistados, o professor Ricardo Abramovay, era inicialmente um entusiasta da economia de compartilhamento, pelo potencial para uma remuneração justa, uma mobilidade sustentável, “a humanidade no seu ápice”. Mas a realidade revelou a ingenuidade dessa visão, afirmou, dizendo que Abramovay hoje teme esses trabalhadores tornarem-se pior do que explorados, mas irrelevantes. Isso porque eles, junto com os consumidores, podem ter servido apenas para coletar os dados brutos (Big Data) que ajudarão a criar as máquinas e serviços do futuro. O fato de o Vale do Silício, berço dessas plataformas, hoje defender uma renda básica universal, é indicativo de que esses trabalhadores uberizados, que agora são os “cavalos” para levantar esses dados, devem vir a se tornar insignificantes, acredita.

Maurício destacou a consciência cada vez mais presente nos consumidores de que seus hábitos podem ser um ato de cidadania. Ainda assim, ressalta que a responsabilidade pela moralidade e legalidade da cadeia produtiva deve recair muito mais sobre as empresas e o Estado. E, da Justiça do Trabalho, espera ver uma contraposição à “nada invisível mão do mercado”, ajudando a sanar o desamparo de tantos.

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Fonte: Texto de Inácio do Canto - Secom/TRT-RS
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