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Publicada em: 26/06/2019 19:33. Atualizada em: 28/06/2019 16:29.

Luta da população LGBT é tema da roda de conversa “Existir” no TRT-RS

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Fotografia da roda de debates "Porque escolhi a luta", na Escola Judicial do TRT-RS.
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Três bandeiras coloridas — uma com as cores do arco-íris (símbolo da luta LGBT), outra da visibilidade bissexual e mais uma da visibilidade trans — enfeitavam, na última terça-feira (25), a Sala 1 da Escola Judicial, no Prédio 3 do Foro Trabalhista de Porto Alegre. Essa foi a decoração escolhida pelo Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) para a roda de debates "Existir" — evento alusivo ao Mês do Orgulho LGBT, celebrado em junho. Dividida em dois momentos, a atividade contou com a presença de ativistas e militantes dos direitos da população LGBT, além de servidores e magistrados. O evento contou com o apoio do Núcleo de Diversidade Sexual do Sintrajufe-RS (Nuds). 

Participaram do encontro, na parte da manhã, Ana Naiara Malavolta Saupe (servidora aposentada do TRT-RS), Luciana Krumenauer Silva (servidora da Justiça Federal), Eduarda Casales Santos (servidora do TRE-RS) e Maria Renata Caetano dos Anjos (coordenadora da Associação Mães pela Diversidade no Rio Grande do Sul). O encontro, intitulado de “Porque escolhi a luta”, foi mediado pela servidora do TRT-RS Roberta Liana Vieira, representante do Comitê de Equidade. À tarde foi a vez do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Roger Raupp Rios, e da escritora Atena Beauvoir falarem ao público. 

"Porque escolhi a luta"

TRT_3559.jpgAna Naiara Malavolta Saupe, a primeira a falar, trouxe sua experiência de vida enquanto mulher lésbica e mostrou a luta que travou na justiça entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. O objetivo era a inclusão da esposa Ane  –  com quem já tinha uma união estável há anos, reconhecida em cartório  –  como dependente no plano de saúde ou para recebimento de pensão em caso de morte. Naiara mostrou a reportagem, veiculada na TV em 2005, onde conta os passos dessa luta que se estendeu por anos. Ela também falou sobre a maior facilidade de se assumir enquanto servidora pública, pois, segundo ela, a estabilidade comum a esse serviço permite maior liberdade à população LGBT. “Militar como mulher lésbica em qualquer ambiente privado de trabalho ainda é, no Brasil, praticamente impossível. Existem poucas empresas que têm uma conduta de tolerância, de aceitação”, afirmou. A servidora justificou a afirmação com dados: o Brasil é o 8º país do mundo em discriminação contra a população LGBT no ambiente de trabalho.

TRT_3493.jpgPara Luciana Krumenauer Silva, bissexual e integrante do Núcleo de Diversidade Sexual do Judiciário Federal (Nuds), "a luta começa quando existe fome". No caso da população LGBT, não é a fome no sentido literal, mas fome de viver e existir. Luciana também falou de sua vivência enquanto parte da sigla e das dificuldades e preconceitos enfrentados por ela – mesmo em espaços que, normalmente, deveriam ser de acolhimento, como a família. Ela citou, como exemplo, a vez em que contou ao irmão que iria se casar com uma mulher e, embora tenha dito não haver problema, ele impôs algumas condições ao casal: elas não poderiam se beijar ou demonstrar afeto em frente à família. “Dependendo do lugar onde a gente vai, a gente cuida”, afirmou Luciana. “Infelizmente, a gente ainda cuida pra não demonstrar amor”, continuou, “e eu acho isso o fim. Se eu estivesse com uma arma na mão, talvez eu fosse mais bem aceita”.

Representando as Mães pela Diversidade — associação de mães de jovens LGBTs que lutam pelos direitos dos filhos —,  Maria Renata Caetano dos Anjos levou à roda a experiência de ser mãe de uma mulher lésbica. “A Flora me transforma todos os dias”, disse, se referindo à filha, hoje com 24 anos.TRT_3577.jpg “A minha experiência com a maternidade é uma revolução”. A inserção no grupo, lembrou ela, aconteceu depois de ver uma das amigas de Flora ser colocada pra fora de casa aos 16 anos por conta de sua sexualidade. Ela sentiu que precisava fazer algo naquele momento e acabou, depois de uma busca, encontrando o grupo, do qual é coordenadora regional hoje. “Essa família não era a única, essa menina não era a única. Era uma rede de famílias passando por situações de opressão e preconceitos assustadores”, avaliou. A vice-presidente do grupo, por exemplo, entrou para as Mães pela Diversidade depois de a filha ser apedrejada no condomínio onde moravam, em Brasília. Um dos pais que integram o coletivo, lembrou Renata, saiu de Goiás para buscar o corpo do filho vítima de homofobia em Recife. “Quem é autoridade pra falar de amor? Amor a gente apenas sente”, afirmou a geógrafa que, atualmente, se dedica quase que inteiramente ao grupo, dando palestras em escolas e faculdades e oferecendo cursos de formação de professores. “O amor acontece pra todo mundo de algum jeito e ninguém tem o direito de julgar o outro por isso. Não é uma escolha, não é uma opção. É uma condição”, frisou. “Família é amor e ter um filho LGBT só torna a vida da gente ainda mais colorida”, concluiu.

TRT_3411.jpgA travesti Eduarda Casales Santos, servidora do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), contou que trabalha há 25 anos — desde 1994 — na Justiça Eleitoral, mas que só no último ano se reconheceu travesti. “Isso foi um processo, uma transição que nem eu entendi muito bem a como cheguei”, contou Eduarda, “mas foi a partir de como as pessoas estavam me reconhecendo”. Assim como as outras participantes da roda, ela também relatou sentir, às vezes, muito medo, mas a servidora afirma que a luta nunca foi uma escolha: “Essa luta a gente não escolhe. A gente chega e já está nela. Mesmo escondida, a gente já tá lutando. Lutando pra sobreviver, pra poder ficar quietinha”. “Eu tive sorte de ter nascido numa família legal e estar num trabalho muito bom, mas eu ainda tenho medo. Na rua, eu tenho medo. Eu sei onde eu posso ir, o que eu posso falar”, afirmou. Para Eduarda, é importante ocupar os espaços, pois existir enquanto LGBT, na visão dela, só funciona se há visibilidade. “No momento em que estou lá no Tribunal, a única travesti entre 600 funcionários, existe visibilidade”.

TRT_3566.jpgA mediadora da roda, a servidora bissexual e integrante do Coletivo Negros do TRT-RS Roberta Liana Vieira, também participou do debate. "Quando cheguei aqui no TRT, eu fui olhar o Vox e vi a chamada de uma reportagem do Comitê sobre o primeiro evento que eles fizeram", lembrou a servidora, "era o 'Famílias que Acolhem' e, quando vi aquilo, pensei 'nossa, estão falando comigo'". Na visão dela, a importância de eventos como os promovidos pelo Comitê de Equidade vai além de conscientização, pois também é de fortalecimento e união. "A gente só existe junto. Quando a gente tá sozinho, a gente nem quer existir. Nesses espaços, a gente se fortalece", concluiu Roberta.

A luta política contra o preconceito

tarde01.jpgO turno da tarde da roda de debates “Existir” teve início com a exibição do filme “Milk: A Voz da Igualdade”. O filme conta a história de Harvey Milk, o primeiro homossexual assumido a ocupar um cargo público no Estados Unidos da América, ao ser eleito para o Conselho de Supervisores em São Francisco na década de 70. Após a exibição, houve um debate com a participação do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Roger Raupp Rios. 

Em sua fala, o desembargador Roger Raupp Rios apresentou ao público o contexto histórico de Harvey Milk, que foi assassinado em 1978, e falou sobre alguns pontos que são abordados no filme. “Chama a atenção como ele era bem humorado. Era provocativo e mostrava uma alegria de viver e ao mesmo tempo uma resiliência diante dos reveses”, observou. Um dos momentos principais do filme é a batalha de Harvey Milk contra a aprovação da Proposição 6, levada a votação popular pelo Estado da Califórnia em 1978, que pretendia banir das escolas professores e funcionários que fossem identificados como homossexuais. 

O desembargador ressaltou que a atuação de Harvey Milk na política ocorreu em um momento muito turbulento, pois em 1978 a homossexualidade era proibida em diversos Estados norte-americanos. A relação entre pessoas do mesmo sexo só deixou de ser crime nos EUA em 2003, quando a Suprema Corte derrubou as leis que ainda proibiam a sodomia e a relação homossexual. O magistrado também observou que a plataforma política de Harvey Milk era bastante diversificada. “Ele não se preocupava apenas com um grupo específico. Apesar de sua fala ser centrada em sua identidade gay, ele também soube se relacionar, por exemplo, com as pautas dos idosos, das pessoas com deficiência ou dos trabalhadores latino-americanos”, comentou. 

Na opinião do magistrado, a história do ativista homossexual também mostra um frequente embate entre a privacidade e a ação pública coletiva. “Houve um momento em que Harvey Milk conclamou os homossexuais a assumirem sua orientação sexual para familiares e amigos, porque ele acreditava que, quando as pessoas tomassem consciência de que convivem com homossexuais, não cairiam mais nas armadilhas de quem tenta incutir o preconceito através do medo, do desconhecimento e do estranhamento”, explicou. Ao final de sua fala, o desembargador destacou a crueldade que caracteriza a homotransfobia. “Esta é uma discriminação muito danosa, porque ataca diretamente a existência do indivíduo. A homotransfobia propõe que o sujeito não pode existir, e que não pode existir sequer como família”, observou.

A invisibilidade das pessoas trans

O encerramento da roda de debates contou com a presença da filósofa e escritora Atena Beauvoir. A filósofa criticou o fato de boa parte das reflexões sobre as pessoas LGBT serem feitas a partir da perspectiva de pessoas que não pertencem a essa população. “Até hoje temos uma epistemologia heteronormativa, ou seja, quem pensou o que nós somos, lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, são aqueles que não são LGBT. Isso é muito comum, trata-se de uma epistemologia colonial, como a que ocorreu com as existências de negros e negras”, comentou. 

A escritora afirmou que ainda não há artigos publicados em revistas da comunidade científica internacional definindo o que é ser homem ou o que é ser mulher, e também citou algumas estatísticas que demonstram os efeitos perversos do preconceito que atinge os transexuais. “Estima-se que 75% da população transexual no Brasil não tem ensino fundamental completo e 92% está nas esquinas da prostituição”, observou. 

Atena reforçou em sua fala que há uma falta problemática de pesquisas e análises de dados mais profundas sobre a complexidade das diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, o que alimenta a difusão de informações equivocadas sobre essas questões. A escritora também lamentou a invisibilidade que o preconceito lança sobre a população transexual. “Nós não temos uma comunidade, um bairro nosso, um grupo nosso. Nossa existência é marginalizada”, apontou. 

A filósofa também chamou a atenção para a questão da interseccionalidade, que estuda a sobreposição das diferente identidades sociais e formas de opressão, e ressaltou que não é possível debater a temática LGBT se as discussões foram centradas apenas na promoção da diversidade branca. “Sou escritora e professora, tenho 28 anos e trabalho com militância desde os 15 anos. Mas eu sempre tive facilidades. Ser escritora e ser professora não é mérito, é privilégio pela minha branquitude. Principalmente numa capital como Porto Alegre, em que as pedras fundamentais de cada prédio foram construídas pela mão de obra escrava”, afirmou.

Atena encerrou o evento com a declamação de três poemas de sua autoria. “Quem aqui já leu um livro ou dois de literatura trans?”, questionou. “São mais de 35 anos de literatura de autores trans no Brasil, com mais de 50 títulos publicados, mas é uma literatura invisível”, afirmou. “Por isso não procuramos vender a obra por ela mesma, mas sim vender a visibilidade”, concluiu. 

Atena Beauvoir é idealizadora da Nemesis Editora, voltada para a publicação da literatura transatropológica na área da filosofia existencialista. É autora do livro “Contos Transantropológicos”, lançado pela Editora Taverna, e dos livros de poemas “Libertê” e “Phóda”, ambos publicados pela Nemesis Editora. 

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Fonte: texto e fotos de Guilherme Villa Verde e Leonardo Fidelix (Secom/TRT-RS)
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