Eugênio Hainzenreder Júnior, presidente da Satergs: "A Justiça do Trabalho possui fundamental importância na harmonização entre o social e o econômico"
Às vésperas do Ato Público em Defesa da Justiça do Trabalho e dos Direitos Sociais, agendado para esta sexta-feira (10), o site do TRT-RS traz opiniões de representantes de entidades acerca do valor da Justiça do Trabalho e sobre o contexto pós-Reforma Trabalhista. Confira o depoimento do advogado Eugênio Hainzenreder Júnior, presidente da Associação dos Advogados de Empresas no Estado do Rio Grande do Sul (Satergs).
Qual a importância da Justiça do Trabalho?
A Justiça do Trabalho, como órgão especializado para análise dos conflitos decorrentes das relações de trabalho, possui fundamental importância na harmonização entre o social e o econômico. Entendemos que o discurso da dicotomia “capital-trabalho” possui um viés muito mais político que jurídico, na medida em que a própria CF/88 elencou os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa em uma relação de lateralidade, e não de antagonismo.
É nesse contexto, em que se necessita encontrar um ponto de equilíbrio na relação entre trabalhador e empresa, que a Justiça do Trabalho desempenha o essencial papel de pacificação social, seja para dirimir conflitos individuais, seja para atuar em controvérsia de interesse coletivo, assim como para exercer a precípua função de conciliação, a qual a SATERGS louva, em especial, as inciativas do TRT4 de consolidação dos CEJUSC em 1º e 2º Graus e os recursos tecnológicos disponíveis em sua plataforma eletrônica que facilitam o acesso a esta conciliação (link “Quero Conciliar”, por exemplo).
Portanto, a SATERGS, na defesa de suas prerrogativas, destaca a relevância da Justiça do Trabalho para regular as relações de trabalho e realizar os ideais de justiça para nossa sociedade.
Qual sua avaliação sobre a Reforma Trabalhista?
As ponderações sobre a Reforma Trabalhista trazida pela Lei n.º 13.467/17 exigem parcimônia, pois entendemos que não se pode absolutizar o “contra” e o “favor” à reforma; pelo contrário, é preciso analisar o mundo do trabalho na sociedade atual e verificar efetivamente as inúmeras alterações trazidas pela Reforma e as suas repercussões no plano do direito material e processual do trabalho, pois a mesma é um fato, em pleno vigor.
As relações de trabalho, não há dúvida, sofreram profundas modificações nos últimos anos. Assim como ocorreu com a Revolução Industrial, o fenômeno da globalização transformou a sociedade e também afetou o mundo do trabalho. A tecnologia e o acesso à informação revelaram uma nova realidade do trabalho moderno e também do processo (hoje totalmente eletrônico).
Como tal, a Satergs entende que todos estes avanços, inequivocamente, afetaram o Direito do Trabalho, exigindo deste ramo especializado uma adequação para reger as relações jurídicas desta sociedade pós-industrial.
Além disso, depois de dois séculos do seu surgimento, o Direito do Trabalho não comporta mais uma visão reducionista, mas sim deve contemplar as novas realidades dos atores da relação empregatícia, assim como da crise do trabalho na contemporaneidade. Nesse sentido, entendemos que, em diversos aspectos, a Reforma foi positiva, pois se fazia necessário, exemplificativamente, contemplar na Consolidação das Leis do Trabalho novas realidades, como o teletrabalho, os planos de dispensas incentivadas, a extinção do contrato de trabalho por comum acordo entre as partes, dentre outros aspectos relacionados ao reconhecimento da liberdade de contratar (no plano do direito individual) e também em relação ao reconhecimento do princípio da autodeterminação coletiva. Ademais, importante também foram as atualizações no âmbito do processo do trabalho diante da exigência de adequação dos preceitos da CLT à evolução do processo judicial eletrônico, exigindo, assim, uma normatização, por exemplo, sobre o momento para o protocolo eletrônico da contestação no PJE, a alteração no procedimento da exceção de incompetência em razão do lugar (proporcionando maior celeridade e menores custos ao determinar que o juiz analise a competência territorial antes da designação da audiência), a preservação da instrumentalidade de formas em relação ao preparo dos recursos e garantia de juízo e, ainda, o processo de homologação de acordo extrajudicial, bem como as regras processuais sobre honorários advocatícios e periciais de forma a permitir maior isonomia processual.
Com isso, não se está a sustentar que determinadas alterações trazidas pela reforma trabalhista não possam ser questionadas ou debatidas, pois efetivamente o Direito do Trabalho tem em sua essência o caráter tutelar, afinal a proteção ao hipossuficiente é princípio basilar deste ramo do Direito. Sob tais aspectos, em um Estado Democrático de Direito, a Satergs entende que a lei deve ser cumprida, havendo mecanismos e caminhos legais específicos para combater eventuais aspectos da Reforma que possam não se coadunar à Constituição Federal.
Qual a previsão pode ser feita a partir da Reforma?
Fazer previsões em um cenário que sofreu mudanças tão recentemente é bastante difícil. Contudo, talvez não sejam efetivamente previsões, mas alguns indícios de alterações que já vêm se perfectibilizando; pode-se dizer que, a partir da Reforma, no âmbito processual, houve uma redução de ações pelo procedimento ordinário e aumento das demandas que tramitam pelo procedimento sumaríssimo (dado que o pedido deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor). No plano do direito material do trabalho haverá maior autonomia de negociação entre as partes, como, por exemplo, em relação ao ajuste do regime de banco de horas. No direito coletivo, a partir do término da contribuição sindical compulsória, os sindicatos terão que repensar suas atividades e serviços oferecidos à categoria para auferirem receita que antes era garantida pela lei.
Em síntese, são vários os desafios que se apresentam neste período de transformações, porém em tempos cujo diálogo é difícil, não se pode esquecer que a polarização do discurso não deve esmorecer diante de um fim maior, que é a justiça e a proteção da relação de emprego e de trabalho. O trabalho, desde sempre, desafia empregador e empregado, mas a relação entre seres humanos é sempre desafiante, e são os desafios, afinal de contas, que nos põem em marcha.