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Publicada em: 24/04/2018 01:43. Atualizada em: 25/04/2018 11:31.

Guilherme Dray comenta decisões do Tribunal Constitucional português contra pontos da Reforma Trabalhista

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guilhermedray810 - 1.jpgO jurista português Guilherme Machado Dray foi o palestrante no turno da tarde da Aula Magna 2018 da Escola Judicial do TRT-RS, na última sexta-feira (20/4). Em sua exposição, Guilherme Dray abordou a Reforma Trabalhista realizada em 2012 em Portugal e destacou o importante papel do Tribunal Constitucional português para impedir alterações legislativas que colocariam em risco as bases do Direito do Trabalho. “A grande maioria dos acadêmicos que analisaram este tema concluíram que a posição do Tribunal Constitucional foi emblemática, corajosa e inovadora no sentido da proteção do Estado Social de Direito”, afirmou. Ao longo da palestra, o jurista comentou três acórdãos do Tribunal Constitucional português que declararam a inconstitucionalidade de pontos da Reforma Trabalhista e de normas da lei orçamentária. Os textos completos das decisões podem ser acessados nos links ao final desta matéria. 

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Na abertura da palestra, o jurista explicou ao público quais são as fontes do Direito do Trabalho português, esclarecendo que a Constituição da República Portuguesa está no topo  da hierarquia. Além de assegurar direitos, liberdades e garantias a todos os cidadãos, o texto constitucional também traz artigos dirigidos especificamente às relações de trabalho. “No caso do Direito do Trabalho, a relação jurídica é por natureza desequilibrada, isso significa que o reequilíbrio implica a garantia de direitos fundamentais específicos para a parte mais fraca”.  As previsões constitucionais são concretizadas pelo Código do Trabalho, que reúne a maior parte das normas laborais. Após uma explanação geral sobre o ordenamento jurídico, o palestrante dedicou-se ao ponto central de sua exposição: a Reforma Trabalhista de 2012 e a atuação do Tribunal Constitucional português no sentido de combater propostas que violariam artigos e princípios constitucionais. 

Conforme o palestrante, a origem da Reforma Trabalhista portuguesa está na crise dos subprimes que ocorreu nos Estados Unidos da América em 2008 e alastrou-se por países europeus nos anos seguintes, causando a chamada “crise das dívidas soberanas”. Naquele momento, os credores dos países europeus passaram a desconfiar que os Estados não teriam condições de pagar suas dívidas, e passaram a bloquear canais de financiamento. A saída encontrada por Portugal para evitar a quebra do seu sistema bancário foi assinar dois acordos: um com a União Europeia e o Banco Central Europeu, e outro com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No entanto, as entidades financiadoras, especialmente o FMI, impuseram algumas condições para o acordo. Além da exigência de privatização de um conjunto de empresas estratégicas do país, as condições incluíam a realização de uma reforma trabalhista. “As exigências foram no sentido de desvalorizar o trabalho, reduzir seu custo e facilitar o despedimento de trabalhadores. A reforma não foi no sentido de aperfeiçoar as ciências jurídicas e desenvolver o Direito do Trabalho, tampouco foi centrada na ética e dignidade do trabalho. Ela foi centrada apenas no propósito econômico”, avaliou Guilherme Dray. Conforme o palestrante, o governo português não só aceitou as condições como foi além do exigido, propondo uma verdadeira ruptura com o Direito do Trabalho. O jurista apresentou ao público três acórdãos do Tribunal Constitucional português que, na sua opinião, foram essenciais para evitar essa ruptura. 

Proibição do despedimento sem justa causa

guilhermedray810b - 1.jpgUm dos principais pontos atacados pela Reforma Trabalhista foi a proibição do despedimento sem justa causa. A norma está prevista no texto constitucional português, que impede o empregador de despedir trabalhadores sem uma justa causa, e é concretizada pelo Código do Trabalho, que estabelece os requisitos para a dispensa. Existem duas hipóteses para a justa causa em Portugal: a subjetiva e a objetiva. A justa causa subjetiva é constituída por um comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequência, torne impossível a continuidade da relação de trabalho. A justa causa objetiva, por sua vez, ocorre nas hipóteses de despedimento coletivo ou extinção de posto de trabalho, quando alguma crise econômica está afetando a empresa, ou no caso de uma inadaptação superveniente do empregado (quando, por exemplo, o trabalhador não consegue adaptar-se a uma mudança tecnológica implantada na empresa).  

A proposta da Reforma Trabalhista buscou flexibilizar as hipóteses de despedimento por justa causa objetiva. A legislação portuguesa previa que o despedimento em razão da extinção de postos de trabalho relacionada a crises econômicas só poderia ocorrer caso não existissem na empresa outros postos de trabalho disponíveis para o trabalhador ser realocado. Além disso, a legislação trazia critérios que deveriam ser observados para a dispensa, como a antiguidade e o mérito do empregado. “A reforma tentou romper com esses dois pilares, propondo que o trabalhador poderia ser despedido mesmo quando houvesse postos vagos, e que o próprio empregador decidiria os critérios a serem seguidos”, explicou. O Código elencava, ainda, requisitos para a justa causa nos casos de inadaptação do trabalhador, quando ocorre alteração no ambiente de trabalho por conta de uma inovação tecnológica. Entre esses requisitos, que a reforma também tentou eliminar, o empregador deveria fornecer uma formação específica ao trabalhador e respeitar um tempo de adaptação.

Esses e outros pontos da Reforma Trabalhista foram analisados pelo Tribunal Constitucional português no acórdão 602/2013. A posição da Corte foi a de que a proibição do despedimento sem justa causa, um princípio consagrado no artigo 53 da Constituição portuguesa, integrava a matriz de valores de Portugal, e não poderia ser afastado em razão de uma crise econômica conjuntural. “O Tribunal Constitucional entendeu que essas facilitações excessivas do despedimento violavam o texto constitucional, e que a Corte não poderia compactuar com o que chamou de ‘subversão de princípios’”, ressaltou. 

No mesmo acórdão, o Tribunal Constitucional analisou artigos que buscavam reduzir o pagamento do trabalho suplementar (extraordinário). A reforma previa que, nos casos em que a remuneração era de 100%, diminuiria para 50%, e nos casos em que era de 75%, seria reduzida para 37,5%. Além disso, a reforma estabelecia que a redução do valor seria imperativa, ou seja, não poderia ser alterada por contratos individuais e nem por convenções coletivas. O Tribunal também julgou inconstitucional essa norma. A Corte admitiu a possibilidade de diminuição do valor da hora extra, porque nesse caso não se trata de retribuição, e portanto a norma não fere o princípio português da irredutibilidade das retribuições. No entanto, a reforma não poderia impedir que sindicatos e empresas, em comum acordo, estipulassem percentuais de pagamento superiores à previsão legal. “A negociação coletiva, prevista no artigo 56 da Constituição, existe justamente para garantir a possibilidade de melhora nas condições previstas na lei, e, portanto, a lei não poderia impedir isso”, explicou. 

Discriminação contra funcionários públicos e pensionistas

O palestrante abordou, ainda, outros dois acórdãos do Tribunal que declararam a inconstitucionalidade de normas da lei orçamentária portuguesa, as quais buscavam suspender o pagamento dos subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e pensionistas. Na primeira tentativa do governo, declarada inconstitucional pelo acórdão 353/2012, buscava-se cortar os subsídios de quem recebia acima de 600€. O argumento do governo era de que a regra da irredutibilidade da retribuição não poderia ser aplicada neste caso porque não se tratava de uma relação entre privados, e sim entre o Estado e funcionários públicos. Além disso, também defendia que a medida era necessária devido à situação de crise econômica, que exigia contenção orçamentária e redução de custos.

Ao analisar este caso, o Tribunal Constitucional ressaltou que o Estado teria muitas outras possibilidades de diminuir gastos, entre elas a redução de custos supérfluos da máquina burocrática. O corte apenas no pagamento de funcionários públicos, no entanto, seria a discriminação de um grupo. “A medida foi considerada excessiva, pois criaria a situação na qual a dívida com os credores internacionais acabaria sendo paga pelos funcionários públicos e pensionistas”, analisou o palestrante. O Tribunal declarou a medida inconstitucional com base no princípio da igualdade, e nos subprincípios da proporcionalidade, necessidade e adequação.

Após esse julgamento, houve uma nova tentativa de suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas, também julgada inconstitucional pelo Tribunal no acórdão 187/2013. A nova lei orçamentária tentou estabelecer um patamar mais alto para o corte dos subsídios, que passaria de 600€ para 1100€. O governo alegava que a medida atingiria uma parcela menor da população e, desta vez, estendeu sua aplicação também aos desempregados que recebiam subsídios sociais. Nesta decisão, o Tribunal reconheceu que o aumento de  600€ para 1100€ diminuiria o leque de pessoas atingidas. No entanto, os funcionários e pensionistas enquadrados seriam ainda mais discriminados neste caso. “Deveria haver uma solidariedade em que todos pagassem por várias vias, e não apenas os funcionários e pensionistas”, explicou o palestrante. E no tocante aos desempregados que recebiam subsídios sociais, a Corte invocou outro princípio para declarar a inconstitucionalidade da norma: "A redução de subsídios dos desempregados afronta não o princípio da irredutibilidade da retribuição, mas o da dignidade da pessoa humana, porque estaria-se a retirar dinheiro de quem não tem outro meio de obter”, explicou o jurista. 

Tribunal Constitucional garantiu parâmetros de dignidade

Na sua conclusão, Guilherme Dray ressaltou que a reforma trabalhista proposta em Portugal foi muito drástica e radical, motivada por razões econômicas de emergência. O palestrante também comentou que nos anos de 2012 e 2013, quando as alterações da reforma entraram em vigor, não se verificou o prometido aumento do emprego ou da qualidade de vida da pessoas, mas sim o contrário, com o índice de desemprego atingido recordes históricos em Portugal. A situação só começou a melhorar após as decisões do Tribunal Constitucional. “Seja com base na proibição do despedimento sem justa causa, no princípio da igualdade, ou no princípio da dignidade da pessoa humana, em três decisões o Tribunal obstaculizou as mais emblemáticas medidas que tinham sido aprovadas pelo governo", comentou o palestrante. 

Conforme o jurista, as decisões da Corte foram aplaudidas mesmo pelos liberais, porque eles sabem que a verdadeira liberdade só se faz com trabalhos e salários dignos. “O Tribunal Constitucional garantiu parâmetros mínimos de dignidade, que são o substrato para a liberdade individual, e teve um papel determinante na preservação do Estado Social de Direito, do núcleo essencial do Direito do Trabalho, e da ideia de liberdade positiva como afirmação da personalidade”, concluiu.

Acesse, nos links abaixo, os textos completos dos três acórdãos do Tribunal Constitucional português citados por Guilherme Dray:  

Acórdão N.º 187/2013:  declarou inconstitucionais diversas normas da Lei n.º 23/2012 (Reforma Trabalhista portuguesa) que tinham por objetivo facilitar o despedimento dos trabalhadores em caso de justa causa objetiva.

Acórdão N.º 353/2012: declarou inconstitucional normas da lei orçamentária para 2012 que suspendiam o pagamento dos subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e aposentados. 

Acórdão N.º 602/2013: declarou inconstitucionais quatro normas da lei orçamentária para 2013 por violação do princípio da igualdade na sua vertente de exigência de proporcionalidade e por violação do princípio da dignidade da pessoa humana. 

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Fonte: texto de Guilherme Villa Verde, fotos de Inácio do Canto e Daniel Aguiar Dedavid (Secom/TRT)
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