Fundo Nacional de Execuções (Parte II)
* Vânia Cunha Mattos
Continuando recente artigo publicado nesta mesma coluna, pretendo, aqui, demonstrar minha proposta para o Fundo Nacional de Execuções.
A desproporção entre a correção monetária do depósito recursal procedida pelo banco depositário, e o valor do "spread" bancário - fato, aliás, que se estabelece até o momento atual, mesmo que mais baixos os níveis de inflação ", impossibilita qualquer conclusão de paridade ou identidade entre o valor depositado e àquele devido, capaz de ensejar pagamento integral ao credor. E, nesses termos, a interposição de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho traduz uma das tantas facetas da dominação da esfera financeira, já que possibilita a aferição de vantagens econômicas não só em favor do devedor, mas, principalmente, aos bancos oficiais que concentram a integralidade dos depósitos judiciais.
Para o devedor trabalhista - empresa ou empregador privado ou público, sendo este dispensado por lei do depósito prévio para fins de recurso - é muito mais vantajosa a protelação recursal em períodos de inflação marcante do que o pagamento imediato do valor objeto da condenação, já que o fato jurídico representado pelo tempo significa a corrosão do poder de compra da moeda, não recomposta integralmente pelos índices de correção monetária trabalhista. Em síntese, o devedor direciona os recursos (valores), que seriam destinados ao credor, para aplicações de curto ou médio prazo que resultam num lucro muito superior comparativamente ao valor da condenação trabalhista em último grau de jurisdição, ainda que aplicados os índices de correção monetária e os juros de mora.
A lucratividade da protelação recursal é evidente, devido a algumas características do mercado financeiro da atualidade: profundidade, assegurada por transações secundárias em grande escala e freqüência, conferindo elevado grau de negociabilidade dos papéis; liquidez e mobilidade, permitindo aos investidores facilidade de entrada e de saída entre diferentes ativos e segmentos do mercado; volatilidade dos preços dos ativos resultante das mudanças freqüentes de avaliação dos agentes quanto à evolução do preço dos papéis (denominadas em moedas distintas, com taxas de câmbio flutuantes. O veloz desenvolvimento de inovações financeiras nos últimos anos (técnicas de hedge através de derivativos, técnicas de alavancagem, modelos e algoritmos matemáticos para "gestão de riscos") associados à intensa informatização do mercado permitiu acelerar espantosamente o volume de transações com prazos cada vez mais curtos. Essas características, combinadas com a alavancagem baseada em créditos bancários, explicam o enorme potencial de realimentação dos processos altistas (formação de bolhas), assim como os riscos de colapso no caso dos movimentos baixistas".
No que concerne aos bancos, independentemente dos ciclos inflacionários, a concentração dos depósitos judiciais, incluídos os denominados depósitos recursais em bancos oficiais - Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB) - produz efetiva geração e apropriação de mais capital em decorrência de realimentação do próprio capital. É fato notório que a lucratividade dos bancos oficiais ou particulares atinge cifras muito superiores ao restante da economia.
A sistemática de concentração dos denominados depósitos judiciais em bancos oficiais produz a geração de uma maior acumulação de capital ao banco em decorrência do grande volume de capital derivado destes depósitos - concentração essa que equivale hoje ao valor aproximado de (dados não fornecidos por confidenciais, provavelmente por se constituir em valor excessivo), assim como pela circunstância na qual esses depósitos não permanecem estáticos, com a exclusiva finalidade de remunerar ao final do processo o credor trabalhista no percentual de 6% ao ano, acrescido da Taxa Referencial (TR). Por certo, a lucratividade aferida pelos bancos com aquisição de títulos da dívida pública com esses recursos lhes proporciona rentabilidade muito superior àquelas remuneradas aos credores quando da finalização do processo.
Em síntese, os bancos oficiais lucram com a concentração do depósito recursal, sendo que tal lucratividade não é repassada, em qualquer medida, para efeito de atenuação das desproporções entre capital e trabalho, mas, ao contrário, há uma maior acumulação de capital, sem qualquer interveniência da esfera produtiva.
Nesse contexto, a CEF e o BB adquirem ativos lucrativos - não é por outra razão que se posicionam dentre os maiores bancos do país ", sem repassar qualquer valor do lucro em favor da Justiça do Trabalho, que é, afinal, a instituição pública que garante a manutenção e concentração de todos os depósitos judiciais, o que traduz em um volume imenso de captação aumentado geometricamente em razão do giro dos negócios, ou seja, o capital gerando mais capital de forma independente.
E, portanto, parece muito claro que parte do referido lucro deve ser direcionado para a formação do denominado Fundo Nacional de Execuções, gerido pelos Tribunais, abrindo espaço para que a CEF e o BB, no caso, contribuam com a redistribuição da riqueza em atividade produtiva, e não a meramente especulativa do capital.
Não parece justo que o capital gerado em razão exclusivamente dos processos trabalhistas (e, portanto, em decorrência do trabalho, ainda que pretérito) não seja capaz de gerar benefício ao próprio trabalho, em ratificação à lógica capitalista que visa a uma maior acumulação de riqueza. A inversão da lógica financeira, com a utilização do capital em favor da concreção de valores mais conformados com ideal de Justiça é solução sistêmica significativa de aperfeiçoamento das instituições.
* Juíza Titular da 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre