TRT-RS realiza painel sobre gestão de conflitos
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) promoveu nesta sexta-feira (28) um painel sobre o tema “Gestão de Conflitos”, realizado na sede da Escola Judicial. O evento ocorreu em dois turnos, manhã e tarde, e reuniu palestrantes do TRT-RS, do TJ-RS, do MPT, da advocacia e da área médica. A mediação foi do coordenador da Escola Judicial, Leandro Krebs Gonçalves. As exposições tiveram como público-alvo magistrados e servidores da Justiça do Trabalho da 4ª Região.
Leia também: palestrantes falam sobre experiências e necessidade de judicialização
A mediação como resolução de conflitos no TJ-RS
Na primeira exposição da manhã, a desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, falou sobre a prática de mediação na Justiça Estadual. A desembargadora iniciou sua palestra afirmando que o conflito é inerente à vida humana, e que a solução jurídica nem sempre atende às expectativas de quem procura o Judiciário. A seguir, expôs as diferentes formas de se buscar a solução de conflitos, e apontou a mediação como a capaz de atingir os melhores resultados.
Ao longo de sua fala, Teresinha Kubiak demonstrou que o escopo do conflito é mais amplo do que o contido no processo, fazendo uma distinção entre a lide jurídica e a lide sociológica. Segundo a desembargadora, o magistrado formula sua decisão exclusivamente a partir daquilo que consta nos autos. Dessa forma, os motivos que levaram as partes a buscar o judiciário nem sempre são atingidos: a sentença resolve apenas a lide jurídica, deixando em aberto a sociológica.
De acordo com Teresinha Kubiak, quando as partes precisam da ajuda de um terceiro para solucionar um conflito, existem dois caminhos possíveis: a solução heterocompositiva e a autocompositiva. No primeiro caso, a solução é imposta, entregando-se o poder de decisão ao judiciário. No segundo, um terceiro imparcial auxilia o reestabelecimento do diálogo, e a solução para o conflito vem das próprias partes envolvidas. “Se um terceiro impõe a decisão, no mínimo não vai agradar a uma das partes. E há situações em que ambas as partes ficam insatisfeitas. A questão é que a sentença não soluciona o problema, soluciona o processo”. A desembargadora afirmou que a Justiça Estadual vem investindo na mediação como uma ferramenta capaz de solucionar mais efetivamente o conflito.
A mediação é uma forma de resolução autocompositiva, ou seja, a solução é estabelecida pelos próprios envolvidos. Escolhe-se um terceiro imparcial, que não é um magistrado, e que terá a função de facilitar o diálogo entre as partes. O mediador passa por um treinamento específico e um estágio supervisionado, onde adquire a capacitação técnica necessária. “Ele precisa ter formação superior, que pode ser em qualquer área. O fundamental é que tenha facilidade em se relacionar com as pessoas”, explicou a desembargadora.
A mediação é diferente da conciliação, onde o terceiro pode intervir e sugerir o acordo. “O escopo da mediação é a lide sociológica. Nesse caso, o acordo é um objetivo secundário. O que se busca, de fato, é o reestabelecimento da comunicação entre os envolvidos”, explicou a desembargadora. Se as partes entram em acordo, formulam um termo de entendimento que, depois de homologado por um juiz, põe fim à lide jurídica e à lide sociológica. “Se não entram em acordo, ao menos a comunicação foi reestabelecida, e há maiores chances de que um acordo surja mais tarde”, acrescentou.
Entre as vantagens da mediação, a desembargadora citou a celeridade e a maior satisfação das partes. “O método da mediação pressupõe uma mudança de paradigma. Ao invés da disputa, promove-se a colaboração. Há outras formas de solucionar conflitos, não devemos nos ater à decisão impositiva”, concluiu.
A experiência do Juízo Auxiliar de Conciliação do TRT-RS
Dando continuidade ao evento, o juiz do Trabalho Carlos Alberto Zogbi Lontra compartilhou com o público sua experiência no Juízo Auxiliar de Conciliação do TRT-RS, onde atua há mais de seis anos. A partir de alguns casos modelos, mostrou os diferentes tipos de conflito que podem surgir em cada situação. Ao iniciar a palestra, afirmou que a paz social é um objetivo impossível de ser plenamente atingido. “O conflito é a força motriz das relações sociais, é o que está por trás do nosso cotidiano. Mas, apesar de não sermos capazes de atingir a paz social, podemos e devemos resolver aquele conflito que está diante de nós”.
Para Carlos Lontra, a principal ferramenta de que deve dispôr o juiz é a capacidade de ouvir, mais do que a de dizer o Direito. O magistrado afirmou que a conciliação judicial e a mediação são diferentes. No entanto, durante a conciliação o juiz também pode se utilizar das técnicas da mediação, como a escuta mais atenta dos envolvidos. Carlos Lontra comentou que existem alguns preconceitos contra a conciliação. Entre eles, a ideia de que o acordo sempre será prejudicial ao trabalhador. “Mas por certo o acordo não será prejudicial se, mesmo com uma decisão transitada em julgado, for bem calculado o risco de inexecutabilidade. Por isso sempre há a necessidade da homologação judicial, para avaliar se o acordo é a melhor solução”.
A conciliação é limitada por alguns princípios éticos: não afrontar questões da administração pública ou prejudicar interesses de terceiro; garantir a integridade da efetiva autonomia de vontade dos envolvidos; persuadir, mas sem impor; e ponderar riscos das partes, sem jamais pré-julgar. O Juízo Auxiliar de Conciliação recebe processos em tramitação no TRT-RS (por requerimento das partes ou por despacho do desembargador relator), com recurso de revista (a pedido de uma das partes, com um trabalho de convencimento da parte contrária pelo JAC), e os de grandes litigantes, especialmente em fase de liquidação.
Carlos Lontra afirmou que é preciso fazer um esforço para mudar a cultura do Brasil, que ainda está muito atrelada à ideia da sentença. “Fiz uma pesquisa e constatei que, no país, apenas duas universidades disponibilizam no curso de Direito uma disciplina voltada especificamente à conciliação”, declarou. Como parte desse trabalho de conscientização, destacou algumas iniciativas da Justiça do Trabalho gaúcha, como a promoção de palestras sobre o tema em seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil e em faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais. Carlos Lontra afirmou que a conciliação, quando conduzida com paciência e uma boa capacidade de ouvir, pode fazer aflorar a lide sociológica ou psicológica que se esconde sob a lide jurídica.
Ao final de sua participação, Carlos Lontra exibiu ao público os números do Juízo Auxiliar de Conciliação do TRT-RS em 2013, ressaltando que os dados não incluem os processos envolvendo grandes litigantes. Em 2013 foram incluídos 675 processos na pauta do JAC, com a realização de 747 audiências e a celebração de 531 acordos (68,77% dos casos). Com isso, foram atendidas mais de 1200 partes e realizado o pagamento de mais de 105 milhões de reais.
O MPT e os Termos de Ajuste de Conduta
Na última exposição da manhã, o procurador-chefe adjunto do PRT4, Rogério Uzun Fleischmann, falou sobre atuação do Ministério Público da Trabalho, destacando a aplicação dos Termos de Ajuste de Conduta (TACs).
Segundo o procurador, a atividade do Ministério Público do Trabalho envolve o contato imediato com a realidade, o que implica uma aproximação sociológica dos conflitos. Rogério citou alguns trabalhos específicos desenvolvidos pelas coordenadorias do órgão: a erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo (Conaete), a defesa do meio ambiente e da saúde do trabalhador (Codemat), a erradicação do trabalho infantil (Coordinfância) o combate às fraudes nas relações de emprego na administração pública (Conap), o combate às fraudes nas relações de trabalho (Conafret), a regularização das relações do trabalho portuário e aquaviário (Conatpa), a garantia da liberdade sindical (Conalis), e o combate à discriminação nas relações de trabalho (Cordigualdade).
O TAC é um documento assinado voluntariamente pelo empregador, que se compromete a ajustar determinada conduta que é contrária à lei. Segundo o procurador Rogério Fleischmann, no TAC também é possível pedir uma reparação dos danos causados pelo empregador, na forma de uma indenização por dano coletivo. Nesse caso, o valor pode se destinar ao Fundo de Auxílio ao Trabalhador (FAT), financiar campanhas de conscientização, ser investido no aparelhamento de entidades, ou ser utilizado para cursos de formação. Rogério ressaltou que o a validade do TAC é indiscutível, exceto sob alegação de nulidade conforme previsto na legislação civil.
Ao falar sobre a importância do TAC, Rogério destacou que sua atuação é imediata, intervindo diretamente na realidade e prevenindo danos futuros. “Fazemos um diálogo imediato com a realidade, e nossa tônica está em ouvir os envolvidos no conflito. Isso requer maleabilidade para a compreensão real das lides sociais”. Outras vantagens do TAC elencadas na palestra foram a vinculação autônoma, que dificulta contestações posteriores, a reorientação do olhar do empregador, e a desburocratização. Segundo Rogério, em 2013 o Ministério Público do Trabalho aplicou 1153 TACs no Rio Grande do Sul, sendo 406 em Porto Alegre. Dentre eles, 652 TACs versavam sobre temas gerais, 421 tratavam do meio ambiente de trabalho, e 236 diziam respeito ao trabalho infantil.
Além dos TACs, Rogério também comentou em sua exposição a participação do Ministério Público do Trabalho em mediações que envolvem conflitos coletivos. Nesses casos, afirmou que o foco do órgão é optar pelo diálogo com as partes envolvidas.