Saúde do trabalhador rural foi tema de seminário promovido pelo TRT-RS em Pelotas
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) promoveu, em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na última sexta-feira (21), um seminário sobre a saúde do trabalhador rural. Iniciativa do núcleo regional do Programa Trabalho Seguro do TRT-RS e do Laboratório de Segurança e Ergonomia da UFPel, o evento foi realizado no Hotel Curi Palace, em Pelotas, com a participação de aproximadamente 80 pessoas, entre acadêmicos e profissionais de diferentes áreas ligadas ao tema. A programação contou com cinco palestras.
O seminário teve a presença da presidente do TRT-RS, desembargadora Cleusa Regina Halfen. “A segurança do trabalhador vem ganhando cada vez mais destaque na Justiça do Trabalho. Com programas como o Trabalho Seguro, deixamos de nos preocupar apenas com a reparação dos danos sofridos pelos trabalhadores, para atuar na sua prevenção”, afirmou a magistrada na solenidade de abertura. O evento foi conduzido pelo gestor regional do Programa Trabalho Seguro no TRT-RS, desembargador Raul Zoratto Sanvicente. Também participaram da atividade outros integrantes da Justiça do Trabalho gaúcha: a desembargadora Rosane Serafini Casa Nova (gestora regional do Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho), o diretor da Escola Judicial, desembargador José Felipe Ledur, os juízes Frederico Russomano (titular da 3ª Vara do Trabalho de Pelotas e diretor do Foro Trabalhista local), Luis Carlos Pinto Gastal (titular da 1ª VT de Pelotas) e Cacilda Ribeiro Isaacsson (titular da VT de Arroio Grande), além de servidores do Foro Trabalhista de Pelotas.
Estatísticas
O primeiro palestrante do seminário foi Fábio Binz Kalil, chefe da Divisão de Vigilância em Saúde do Trabalhador, da Secretaria Estadual da Saúde. A unidade administra os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerests) – um centro estadual e 14 regionais. Em sua apresentação, Fábio explicou o funcionamento dos Cerests, que têm três funções principais: atenção à saúde do trabalhador (atendimento, na rede pública de saúde, de casos de acidentes de trabalho e doenças laborais), vigilância (fiscalização, a partir de notificações feitas por agentes comunitários, dirigentes sindicais, educadores, conselheiros de saúde e outros profissionais) e informação (banco de dados estatísticos sobre a ocorrência de acidentes de trabalho e doenças laborais, que subsidiam ações, projetos e providências). As ocorrências, conforme Fábio, são classificadas no Cerest como acidente de trabalho grave (com óbito ou lesão séria, como mutilações), "outros acidentes" (de menor gravidade), exposição a material biológico, câncer relacionado ao trabalho, dermatoses ocupacionais, LER/DORT, perda auditiva induzida por ruído, pneumoconiose, transtornos mentais e "outras doenças".
Segundo Fábio, entre 2010 e 2014, os Cerests atenderam 42 mil casos no meio rural. Na área urbana, foram 213 mil. Apesar de quantitativamente representar 16% do número total de ocorrências, a atividade rural registrou, no mesmo período, 25% dos óbitos (1.550, de um total de 12.409) e 31% das internações (823, de 2.609). “Isso indica que as ocorrências no setor rural têm maior gravidade”, explicou o palestrante. Na opinião de Fábio, essa gravidade pode ser justificada pelo uso de máquinas e ferramentas precárias, pela informalidade característica das relações de trabalho no campo, dentre outras causas. “É preciso qualificar o processo produtivo”, defendeu. Clique aqui para acessar o PDF da apresentação.
Danos à saúde na produção de tabaco
Na segunda atividade do seminário, o professor Rodrigo Dalke Meucci, doutor em Epidemiologia pela UFPel, apresentou os resultados de um estudo feito com 2,5 mil trabalhadores que atuam na colheita de fumo, em 912 propriedades da região do município de São Lourenço do Sul. No início da palestra, ele citou algumas características da atividade de produção do tabaco que colocam em risco a saúde do trabalhador: casos de longas jornadas (alguns trabalham de 12 a 16 horas diárias), grande esforço físico (carregamento de peso, por exemplo), má posição da coluna, exposição à poeira, ao calor e a agentes químicos (nicotina e agrotóxicos). A pesquisa indicou que 10% dos homens e 16% das mulheres da amostra apresentaram sintomas da “Doença da Folha Verde”, decorrente de intoxicação por nicotina. A doença causa náuseas, dor de cabeça e vômito, dois dias após a colheita do fumo. Também foi verificado que 10% dos homens e 14% das mulheres tiveram distúrbios psiquiátricos, e 8% dos homens e 14% das mulheres queixaram-se de dor lombar crônica (episódios diários de dor, por três meses ou mais).
Atuação do MTE
O terceiro palestrante do seminário foi o chefe de fiscalização da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Pelotas, João Ricardo Dias Teixeira. O auditor elencou as situações de risco mais comuns verificadas nas fiscalizações. Segundo o palestrante, os casos mais frequentes de acidentes e doenças do trabalho são causados pela precariedade na utilização de tratores, máquinas, ferramentas, agrotóxicos e equipamentos de proteção individual, além de más condições de segurança em veículos que transportam trabalhadores e atividades em espaços confinados (com meios limitados de entrada e saída, e ventilação insuficiente). Conforme estatísticas do Ministério da Previdência Social, o Rio Grande do Sul registrou, em 2013, 840 acidentes na atividade rural. De acordo com o auditor, o número real deve ser muito maior, porque a maior parte das ocorrências não é registrada por CATs (Comunicação de Acidente de Trabalho).
O palestrante também apresentou o Projeto Trabalho Rural, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A iniciativa compreende o combate à informalidade no meio rural e a análise das condições de saúde e segurança dos trabalhadores. O foco é voltado para as culturas que contemplam o maior número de pessoas e de irregularidades crônicas, bem como as regiões com maior frequência e gravidade de acidentes.
João Ricardo também comentou sobre a existência de trabalho análogo ao escravo no Rio Grande do Sul, especialmente na extração de madeiras e nas colheitas de batata e feijão. Em 2013, 44 trabalhadores foram resgatados nessas condições pelo MTE, no Estado.
Ao final da apresentação, o palestrante abordou as consequências da negligência dos empregadores quanto à segurança e à saúde dos seus empregados. Ele lembrou que, em casos de acidentes, as empresas perdem tempo e dinheiro – com contratação de outros empregados, indenizações e prejuízo de imagem. “Para o trabalhador, ficam a incapacidade, as dificuldades financeiras, e o mais lamentável, que é o sofrimento de toda a família”, completou. Clique aqui para acessar o PDF da apresentação.
Ergonomia
O professor Luis Antonio dos Santos Franz, do Laboratório de Segurança e Ergonomia da UFPel, abordou conceitos de ergonomia no âmbito do trabalho. Ele explicou que existe a ergonomia física (aspectos da atividade física desempenhada no trabalho), a cognitiva (processos mentais envolvidos no trabalho) e a organizacional (que analisa o processo produtivo da empresa, basicamente). Nesse sentido, para uma análise ergonômica completa, devem ser analisados itens como: iluminação ambiente, ruídos, temperatura, fadiga e stress, atividade mental, vibração (mecânica), conforto térmico, relação homem-máquina, e impactos no sistema cardiovascular e no sistema nervoso do trabalhador. O palestrante, que também é doutor em Engenharia de Produção, chamou a atenção de que nem sempre a máquina mais moderna é a mais segura. Segundo Franz, é preciso analisar como o indivíduo a utiliza, e se for o caso, adotar as adaptações necessárias no equipamento ou no modo de usá-lo. Clique aqui para acessar o PDF da apresentação.
Trabalho Infantil
A última palestra do seminário foi ministrada pelo procurador do Trabalho Alexandre Marin Ragagnin, que atua na região de Pelotas. O convidado falou sobre o combate ao trabalho infantil. O procurador citou que, no Rio Grande do Sul, segundo a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD), 13,3% dos adolescentes de 14 a 15 anos trabalham (47.459). Dos 10 aos 17 anos, são 14,92% (208.854). Segundo Alexandre, o trabalho infantil está mais presente no âmbito doméstico e na agricultura familiar. Para ele, é preciso que a sociedade desconstrua alguns mitos, como os de que o trabalho é bom para jovens de famílias pobres, contribui para educação dos adolescentes e os afasta das drogas.
Para combater o trabalho infantil, o representante do Ministério Público Trabalho apresentou algumas alternativas, como o aumento do número de escolas de turno integral, a aprendizagem profissional (permitida a partir dos 14 anos), políticas públicas nas zonas rurais, com criação de escolas técnicas agrícolas, certificação de empresas que não utilizam mão de obra infantil, e exigência, no processo de obtenção de financiamento junto ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), de declaração de não utilização de trabalho de crianças e adolescentes. Clique aqui para acessar o PDF da apresentação.