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O jurista sul-africano Ockert Dupper realizou nessa sexta-feira (4) uma palestra sobre os padrões e normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS). Sua conferência integrou o seminário “Efetivação dos Direitos Humanos no Mundo do Trabalho”, promovido pela Escola Judicial, que também contou com a participação do constitucionalista português Jorge Reis Novais. O seminário marcou o lançamento da Comissão de Direitos Humanos do TRT-RS.
Em sua exposição, Ockert Dupper, que é consultor regular da OIT, ofereceu ao público um breve histórico da Organização e explicou as principais características de seu funcionamento. O jurista citou casos concretos para demonstrar qual é o papel da OIT na criação e supervisão de padrões e normas internacionais de trabalho.
Histórico da OIT e modelo tripartite de representação
A OIT conta atualmente com 186 Estados-Membros e é a mais antiga organização internacional em atividade. Ela foi criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes. Conforme o palestrante, sua criação foi uma resposta à revolução russa – os países signatários perceberam a necessidade de garantir direitos trabalhistas e de canalizar os conflitos para a estrutura do diálogo social como uma saída para evitar o avanço do bolchevismo. Entre seus princípios fundadores estão: a defesa de que o trabalho não pode ser tratado como um artigo de comércio, o direito à livre associação, o salário adequado aos padrões locais, a jornada de 8 horas diárias e 44h semanais, a abolição do trabalho infantil, o direito a pagamentos iguais para o mesmo trabalho, a não discriminação, e a inspeção trabalhista.
A representação na OIT segue um modelo tripartite. Para participar da Conferência Internacional do Trabalho (que ocorre uma vez por ano, em Genebra), cada país envia quatro delegados: dois representantes dos órgãos do governo, um dos sindicatos de trabalhadores e um dos empregadores. As decisões precisam ser aprovadas por maioria de dois terços dos delegados. “O tripartismo garante a presença de atores privados e estatais na estrutura de governança. E a necessidade de dois terços para aprovação faz com que os atores sociais precisem concordar até certo ponto, ou seja, há necessidade de um consenso mais amplo”, explicou Dupper. A representação tripartite também pode ser verificada no Conselho de Administração, composta por 56 membros titulares – desses, 28 são representantes de governo dos Estados-Membros, incluindo o Brasil.
A passagem da "hard law" para a "soft law"
Conforme Ockert Dupper, sobretudo a partir da década de 80, a OIT reduziu o número de convenções editadas. O motivo foi a constatação de que havia um problema de efetividade nessas normas. As convenções funcionam como tratados internacionais, mas elas precisam ser ratificadas pelos países para terem validade. A adesão é voluntária e a única obrigação do Estado-Membro é submeter o texto ao Parlamento local. Mas quando ocorre a ratificação, ela é feita sem reservas: o texto é aceito pelo país na íntegra. “Houve um grande declínio no número de ratificações. Em parte, pela controvérsia acerca de alguns temas”.
A OIT, então, diminuiu o número de convenções editadas e passou a focar nas declarações, que não têm força vinculativa mas servem como orientações sobre os principais temas. O palestrante classificou essa transição como uma passagem da "hard law" para a "soft law". Além disso, em 1998 estabeleceu-se que os Estados-Membros, mesmo sem ratificar as convenções, teriam a obrigação de observar os princípios fundantes da OIT. “Houve críticas de que essas mudanças poderiam nos enfraquecer. Mas uma análise mais realista mostra que isso tornou nossas normas e padrões mais eficazes. Muitas empresas passaram a incorporar os princípios nos seus códigos de governança corporativa, e as declarações se tornaram parte de acordos comerciais entre países”, explicou.
Estudos de casos e os desafios da OIT
Além da edição das normas e padrões, a OIT oferece cooperação técnica para a elaboração de legislações trabalhistas e a orientação de políticas públicas. O palestrante citou três casos em que esse trabalho pode ser observado.
O primeiro foi a relação da OIT com a África do Sul. Na década de 60, a OIT verificou que a política de apartheid no país estava violando os padrões e normas internacionais, e recomendou que a África do Sul passasse a apresentar relatórios anuais sobre essa questão ou se retirasse da Organização. A África do Sul se retirou da OIT, mas passou a sofrer grande pressão dos Estados-Membros. Com o fim do apartheid, o país voltou a integrar a OIT, e a Organização teve um papel significativo no auxílio técnico para a elaboração de suas novas leis. “No preâmbulo da legislação trabalhista da África do Sul, consta expressamente que ela foi elaborada para se alinhar às normas e padrões internacionais”, informou Dupper. Os outros casos analisados foram o de Myanmar, onde a OIT prestou auxílio para resolver o problema dos trabalhos forçados, e o de Bangladesh, em que a Organização se envolveu diretamente nos debates entre governo, trabalhadores e empregadores, para modificar a legislação local após a tragédia da implosão de uma fábrica em 2013.
A eficácia da OIT, para Ockert Dupper, pode ser observada em diversas áreas: o impacto sobre as políticas de governo e a influência nas legislações trabalhistas; os efeitos na interação entre empregados e empregadores nos locais de trabalho; e a influência na aplicação de padrões e normas pelos tribunais locais. Essa eficácia ainda pode ser melhorada, mas, na opinião do palestrante, o caminho não deve passar pela imposição de sanções. “O diálogo social é uma pressão sutil, mas contínua. Acredito que ele traz melhores resultados”, afirmou.
Para Dupper, o grande desafio da OIT atualmente está relacionado à credibilidade de sua representação. O modelo tripartite buscou um equilíbrio entre os atores, com espaço para órgãos de governo, empregadores e sindicatos. “No entanto, houve uma mudança no mundo do trabalho. Verifica-se um grande aumento no número de trabalhadores informais ou autônomos. E eles não estão representados pelos sindicatos”, analisou. Na África e no sul da Ásia, o percentual de trabalhadores informais ou autônomos chega a 80%. Na América Latina, supera 50%. Os debates recentes na OIT estudam uma mudança na sua estrutura que permita, por exemplo, a participação de ONGs para suprir esse déficit de representação. Mas a questão ainda é polêmica e enfrenta resistências. “A OIT precisa se tornar mais aberta para a inclusão da sociedade civil, dando espaço também às vozes dos trabalhadores em estado de vulnerabilidade”, opinou Ockert Dupper.
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Fonte: Fonte: texto de Guilherme Villa Verde e fotos de Daniel Dedavid (Secom/TRT-RS)
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