“Sem reduzir as emissões de gases do efeito estufa, a humanidade comprometerá sua capacidade de adaptação no planeta”, alerta a juíza Rafaela Rosa
As mudanças climáticas foram o tema da palestra da juíza federal Rafaela Santos Martins da Rosa, na quinta-feira (10/10), no Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). A magistrada apresentou dados científicos para demonstrar que os eventos climáticos estão cada vez mais intensos e severos, e que a sociedade corre o risco de perder sua capacidade de readaptação no planeta.
“Ou fazemos um esforço gigantesco para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, em um ritmo que não fizemos nos últimos 40 anos, ou chegaremos a um patamar de aquecimento com sério risco de comprometer a adaptação de muitas espécies da biosfera, inclusive a espécie humana”, alertou a palestrante.
O evento faz parte do projeto estratégico “Carbono Neutro”, pelo qual a Justiça do Trabalho gaúcha buscará neutralizar a emissão de gases de efeito estufa decorrentes de suas atividades. A juíza Rafaela Rosa é colaboradora da comissão permanente de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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Efeito estufa e aquecimento
O efeito estufa natural retém calor e permite uma temperatura adequada para a vida, aquecendo a superfície terrestre e os oceanos. “O problema é o efeito estufa causado pela ação humana”, destacou a palestrante. Ele é formado por gases lançados na atmosfera com poder de se acumularem, gerando mais aquecimento em todo o sistema climático, e começou a ocorrer por volta de 1850, após a Revolução Industrial. Desde então, a temperatura média no planeta aumentou cerca de 1,5°C.
Entre os gases causadores do efeito estufa, o mais emitido por atividades humanas é o dióxido de carbono (CO2), que representa de 70 a 75% das emissões. Suas moléculas podem ficar acumuladas na atmosfera por um período de 100 a 150 anos. O segundo é o metano, que responde por 18% das emissões, geradas por atividades como a produção e o transporte, e também a pecuária e a agricultura.
Queima de combustível
A principal causa de liberação de dióxido de carbono no mundo é a queima de combustíveis fósseis. “Cerca de 80% das emissões decorrentes do petróleo derivam da queima do combustível. A extração e o refino respondem por 20%”, esclareceu a palestrante. No Brasil, o maior causador da liberação de dióxido de carbono é o desmatamento e as mudanças no uso da terra.
Necessidade de redução
O Acordo de Paris, em 2015, estabeleceu o compromisso mundial de manter a elevação média da temperatura em 1,5°C, em comparação ao período pré-industrial. Para a manutenção desses patamares, o mundo precisaria reduzir em 42% as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030.
“Conforme as projeções, uma criança que nasceu a partir de 2020 viverá cinco vezes mais eventos climáticos extremos do que quem nasceu na década de 1980. Temos um dever moral, ético e jurídico de reduzir as emissões”
Ponto de não-retorno
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelam que, somente nos últimos quatro anos, a elevação na temperatura média foi de 0,4°C. O IPCC é composto por cientistas indicados pelos países da ONU para avaliar pesquisas feitas no mundo inteiro. “Se nada for feito, daqui a dez anos poderíamos chegar a um aumento de 2,5°C. Com um aumento de 2,5°C, os eventos extremos aumentariam exponencialmente, e poderíamos atingir um ponto de ‘não retorno’”.
No ano de 2020 foi a primeira vez em que ocorreu uma redução significativa nas emissões, com um decréscimo de 5,5%. “Isso foi por causa da pandemia, quando as pessoas ficaram em casa, já que a maior parte do problema sempre foi a queima de combustíveis fósseis. Mas, no Brasil, essa redução não foi observada, porque houve desmatamento fora de controle”, comentou a magistrada.
Prognósticos para o Rio Grande do Sul
Os prognósticos para o Rio Grande do Sul são graves. Na região oeste do Estado, teríamos mais períodos de estiagem, com secas severas. A consequência econômica de curto prazo é o comprometimento de safras. Também haveria períodos de ondas de calor e estresse térmico. Outras projeções ainda seriam ocorrências de inundações, enxurradas e enchentes no centro e no leste do Estado.
O papel do Judiciário
O Judiciário brasileiro assumiu o compromisso de enfrentar o tema da emergência climática na Resolução 400/21 do CNJ. Ela obriga os órgãos da Justiça a elaborarem um plano para monitorar, reduzir permanentemente e compensar as emissões de gases de efeito estufa resultantes de suas atividades. No TRT-RS, o plano de enfrentamento da crise climática é desenvolvido no projeto estratégico “Carbono Neutro”.
“Somos quase meio milhão de pessoas no Judiciário. Nos deslocamos para atuar em prédios refrigerados e iluminados. Para funcionar, geramos muitas emissões de gases de efeito estufa. Precisamos compreender a dimensão e o impacto de nossa estrutura de trabalho para conhecer de fato nossas emissões”
Emissões do TRT-RS
A primeira parte do plano do TRT-RS é a realização de um inventário para conhecer e mapear quais são e onde estão as emissões de gases do efeito estufa decorrentes de suas atividades. “O inventário é um grande diagnóstico, é a forma tecnicamente adequada e internacionalmente reconhecida para quantificar nossas fontes de emissão. Ele é o primeiro passo. Se ele não for feito, não teremos dados confiáveis”, explicou a palestrante.
A juíza falou sobre a experiência da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, que já realizou três inventários. Ela destacou que é essencial que todo o público interno esteja consciente da importância do plano para ele funcionar. “Precisamos saber, por exemplo, qual é o combustível que as pessoas usam em seus veículos para se deslocarem aos locais de trabalho, qual é a distância percorrida, e quantos dias as pessoas ficam em teletrabalho, porque o teletrabalho reduz muito as emissões do Poder Judiciário”, exemplificou.
Escopos
As emissões de gases mapeadas no inventário são divididas em três escopos. No escopo 1 aparecem todas as emissões geradas pela estrutura do órgão para ele se manter em funcionamento. O escopo 2 abrange as emissões geradas pelas concessionárias para fornecer energia elétrica à instituição. “Esses dois primeiros escopos são obrigatórios em qualquer metodologia oficial, mas também temos as emissões do escopo 3, que são as emissões indiretas”, esclareceu.
Emissões indiretas
No escopo das emissões indiretas apareceriam todos os bens e produtos adquiridos pelo Tribunal. Também são contabilizados os deslocamentos não-oficiais, mas que são necessários para seu funcionamento. É o caso dos deslocamentos das pessoas de casa para o local de trabalho. A palestrante destacou que cerca de 80% das emissões geradas por uma instituição costumam ser indiretas. “As emissões do escopo 3 ainda não são obrigatórias nos inventários do Judiciário, mas na Justiça Federal sim, porque incluímos elas no nosso Planejamento Estratégico”, destacou.
Mitigação, compensação e adaptação
Após o mapeamento das maiores fontes emissoras dos gases, o Tribunal será capaz de estabelecer os planos para atacá-las. Eles podem prever metas de redução das emissões, buscando sua mitigação, e formas de compensação. A palestrante acrescentou que também é importante a elaboração de planos de adaptação, para a instituição ter melhores condições de resistir aos eventos climáticos extremos. “Para o Poder Judiciário legitimar-se e cobrar do restante da sociedade, ele precisa dar o exemplo”, concluiu.
A abertura da palestra contou com os pronunciamentos do vice-presidente do TRT-RS, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, e da diretora-geral, Rejane Carvalho Donis.