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Publicada em: 23/08/2024 12:39. Atualizada em: 23/08/2024 12:39.

Na Ponta da Língua: “trata-se de” ou “tratam-se de”?

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Logomarca da editoria "Na Ponta da Língua"Trata-se de acusações? Tratam-se de alegações? Trata-se de recurso impetrado? Tratam-se de testemunhas confiáveis? Qual dessas formas está correta, afinal?


O verbo tratar


Do latim tractare, é um verbo com inúmeras acepções e diversos usos. Basta procurar no Dicionário Aurélio e você verá a grande quantidade de regências que ele pode apresentar.

Ainda assim, o uso mais comum no meio jurídico é no sentido de “discorrer, falar, expor, explanar”, ou “ter por assunto, por objeto; versar, constar”.


Veja alguns exemplos:

Trataremos primeiro deste tópico.

Logomarca do projeto "Linguagem Simples" “A rigor, já tratava do desenvolvimento econômico Adam Smith, quando promovia, em 1776, na Inglaterra, a investigação em torno da natureza e das causas da riqueza das nações.” (Barbosa Lima Sobrinho)

A primeira aula do curso tratou do direito à indenização em caso de despedida involuntária.

A reclamatória trata, basicamente, de adicionais de insalubridade e periculosidade.

Note que, nessas acepções, é um verbo transitivo indireto (isto é, exige a preposição “de”), motivo pelo qual não admite voz passiva.

Mas há, ainda, o sentido de “manter relações entre si”. Nesse caso, por ser reflexivo, exige o pronome reflexivo “se”.


Veja alguns exemplos:


Tratam-se com bastante pompa e cerimônia. (um ao outro)


Tratam-se muito bem, afinal amam-se muito.


Tratar-se de


De certa forma, a locução “tratar-se de” se aproxima em termos semânticos do verbo “ser”, com o sentido de “apresentar algo”, “ter por assunto, por objeto”, assim como o simples “tratar”, que vimos há pouco. É o que se responderia a quem perguntasse: “De que se trata?”


Trata-se de uma explicação singela.


que equivaleria a:


É uma explicação singela.


Ou também:


Trata-se de pedido de apoio institucional.


que equivale a:


É um pedido de apoio institucional.


A cantora e compositora Cássia Eller, por exemplo, usou a expressão com esse significado em uma de suas canções (e duvido você não ficar com a música tocando suavemente na cabeça depois de ler os versos exemplificativos):


“Quando o segundo sol chegar

Para realinhar as órbitas dos planetas

Derrubando com assombro exemplar

O que os astrônomos diriam

Se tratar de um outro cometa [...]”


A estrutura é, portanto, invariável: É “trata-se de” e ponto. (Ou “se tratar”, quando usada a próclise da Cássia Eller).


Aliás, importante referir que a construção “trata-se de” não admite sujeito, daí ser totalmente impróprio construir orações como:


O reclamante trata-se de trabalhador rural.

O requerimento trata-se de pedido de horas extras.


O sujeito é indeterminado, e prova disso é o índice de indeterminação do sujeito, isto é, o pequeno “se” que inserimos junto ao verbo. Nesses casos, pode-se simplesmente substituir o "trata-se de" por "é" ou verbo com sentido equivalente, como em “O reclamante é trabalhador rural”, ou simplesmente omitir o "-se", como em "O requerimento trata de pedido de horas extras".


Até aqui, tudo bem.


A grande confusão acontece quando se tem uma expressão no plural e se tenta aplicar a voz passiva sintética ao verbo (como ocorre em “alugam-se apartamentos”, por exemplo), considerando que a expressão “tratam-se” também existe, como vimos logo acima.


É isso que nos leva a usar o “tratam-se de”, como em “Tratam-se de solicitações descabidas”. Juntamos uma coisa à outra e está feita a bagunça!


Ocorre que “tratam-se de” não existe na língua culta. Domingos Paschoal Cegalla, um dos mais renomados gramáticos da Língua Portuguesa, ensina que o verbo “tratar” deve ser usado obrigatoriamente na terceira pessoa do singular, mesmo que o termo ou a expressão seguinte esteja no plural.


Veja alguns exemplos:


Trata-se de tarefas que exigem habilidade. 

(ainda que “tarefas” seja plural)


Na verdade, tratava-se de fenômenos pouco conhecidos na época. 

(ainda que “fenômenos” seja plural)


Durante o encontro dos dois líderes políticos, tratou-se de problemas 

que afligem as populações pobres. 

(ainda que “problemas” seja plural)


Assim, o plural de "Trata-se de pedido de natureza indenizatória" será "Trata-se de pedidos de natureza indenizatória", e não "Tratam-se de pedidos de natureza indenizatória".


Resumindo:


  • O correto é “trata-se de”, verbo transitivo indireto, que fica no singular ao lado da partícula "se" e tem o complemento introduzido pela preposição "de".

  • Tratam-se de” não existe.

  • O que existe é “tratam-se”, sem o “de”, no sentido reflexivo.

  • E, respondendo à nossa primeira pergunta, estão corretas as formas: Trata-se de acusações; Trata-se de alegações; Trata-se de recurso impetrado; Trata-se de testemunhas confiáveis.


Por hoje era isso.

Trata-se, apenas, de tentar simplificar. 


Até a próxima!


Lara Martins

Servidora da Escola Judicial, Lara Martins é graduada em Letras e tem pós-graduação em Direito Administrativo, pela LFG. Como trabalho final, escreveu artigo intitulado "A concretização do princípio da Publicidade pela simplificação da linguagem". 

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Fonte: Secom/TRT-4
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