Nove anos de Consulta Prévia: Processo eleitoral do TRT-4 consolida-se como exemplo de democracia em Tribunais

O dia 6 de setembro de 2013 é um marco na história do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). Nesta data, a sessão plenária da Corte (foto ao lado) instituiu uma novidade no processo de escolha dos membros da Administração do TRT-4 e da Direção da Escola Judicial: a Consulta Prévia aos juízes de primeiro grau. A decisão do Pleno deu origem às Resoluções Administrativas nº 17Abre em nova aba e nº 18Abre em nova aba de 2013, que regulamentam a matéria.
Desde a eleição da Gestão 2013-2015, os magistrados da primeira instância podem indicar os seus preferidos para os cargos de Presidente, Vice-Presidente, Diretor e Vice-Diretor da Escola Judicial, entre os desembargadores que se candidatarem.
Ao longo dos seus quase nove anos, a Consulta Prévia do TRT-4 passou por aperfeiçoamentos e, em 2022, foi chancelada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como uma prática benéfica à administração dos Tribunais. Como todo instrumento democrático, a iniciativa seguirá aberta a melhorias, em contínuo aprimoramento.

Embora seu resultado seja indicativo importante do ambiente político da instituição, o procedimento criado em 2013 tem caráter consultivo. A eleição propriamente dita, realizada sempre na primeira sexta-feira útil do mês de outubro dos anos ímpares, continua restrita aos votos dos desembargadores. Mas a força do resultado da oitiva é percebida: todos os presidentes do TRT-4 eleitos a partir da criação da consulta foram os mais votados no procedimento prévio. Até hoje, apenas uma escolha na eleição do Tribunal, para o cargo de vice-presidente, não coincidiu com a preferência apontada pela base de magistrados.
Em 2017, o procedimento passou a contar, também, com a participação dos próprios desembargadores. A fim de equilibrar a opinião das duas instâncias (são 247 cargos de juízes e 48 de desembargadores), os votos dos membros do segundo grau têm peso maior, equivalente à divisão do número de juízes pelo número de desembargadores.
Outra mudança nas eleições do TRT-4 foi aprovada em 2021. O Pleno decidiu ampliar o número possível de candidaturas para os cargos da Administração. Antes, podiam concorrer os quatro desembargadores mais antigos do Tribunal, não impedidos. Agora, podem se candidatar a cada cargo o quinto (1/5) mais antigo dos desembargadores, excluídos os impedidos, os eleitos e aqueles que manifestarem desejo de não concorrer.
No mesmo ano, a validade das eleições foi impugnada junto ao CNJ (Procedimento de Controle Administrativo n. 0007069-78.2021.2.00.0000). Foi contestada a existência da Consulta Prévia, bem como a alteração do Regimento Interno que ampliou as possibilidades de candidatura. No julgamento realizado em 19 de abril de 2022, o Plenário do CNJ confirmou a legalidade de todo o procedimento eleitoral. O voto vencedor, da lavra do conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), julgou improcedente o pedido e defendeu a autonomia dos tribunais. Segundo o conselheiro, “conforme registrado pelo tribunal nos autos, o procedimento amplia os horizontes dos elegíveis e favorece o debate entre os candidatos, porquanto fornece uma visão geral da política administrativa idealizada por todos os magistrados, medida que contribui sobremaneira para a boa gestão dos futuros dirigentes, que serão escolhidos exclusivamente pelo colégio eleitoral formado por desembargadores”.
Origens

A instituição da Consulta Prévia ocorreu ao final da gestão da desembargadora Maria Helena Mallmann como presidente do TRT-4. Hoje ministra do TST, a magistrada lembra que a iniciativa partiu da Amatra IV, em um movimento inédito no país, e depois foi aprovada no Pleno. Maria Helena afirma que apoiou a ideia desde o primeiro momento, pois a consulta aproxima os dois graus de jurisdição. “O procedimento gera compromisso da Administração com seus pares de segundo grau, mas também com o primeiro grau, trazendo um aperfeiçoamento da própria Administração como um todo. É um compromisso com a universalidade dos juízes, servidores e comunidade em geral”, salienta.
A ministra enalteceu a decisão recente do CNJ. “É um marco histórico, pois legitima todo o procedimento da 4ª Região, a partir da decisão do STF sobre a autonomia dos Tribunais. Cada TRT tem sua realidade, mas o TRT-4 tem uma experiência válida e que merece ser considerada por outros Tribunais. É um procedimento que está em consonância com a Constituição Federal”, declara.

O presidente da Amatra IV em 2013 era o juiz Daniel Souza de Nonohay, atual auxiliar da Presidência do Tribunal. Ele lembra que a participação dos juízes na escolha dos gestores era um projeto antigo da associação. A ideia inicial, no entanto, era uma eleição direta. “Interrompi meu discurso de posse e, como primeiro ato da minha gestão, entreguei à presidente Maria Helena o requerimento de alteração do Regimento Interno para a inclusão da eleição direta”, recorda.
Ao receber formalmente o ofício, o Tribunal compôs uma comissão para estudar a proposta. O grupo, instituído pela Portaria nº 510/2013Abre em nova aba, era formado pelos desembargadores Rosane Serafini Casa Nova (presidente), Ana Luiza Heineck Kruse, Ricardo Carvalho Fraga, José Felipe Ledur e Clóvis Fernando Schuch Santos.

A ideia da eleição direta esbarrou, porém, na legalidade do procedimento. “Todas as decisões do Poder Judiciário sobre a matéria, fossem administrativas ou judiciais, diziam que a eleição direta era inconstitucional”, lembra Daniel. Foi então que ele propôs a alternativa da Consulta Prévia aos juízes de primeiro grau, não vinculativa. “Ela não tem a obrigação de ser observada, mas tem a grande vantagem de forçar uma discussão política antecedente à eleição, sobre o que os candidatos pretendem fazer. Enseja um diálogo entre o primeiro e o segundo grau”, destaca Nonohay. “Tempos atrás havia uma distância muito grande entre o primeiro e o segundo grau. Hoje, praticamente, não existe mais”, complementa.
O procedimento da Consulta Prévia foi, então, desenhado pela Comissão, que minutou a proposta de alteração do Regimento Interno. Nos meses que antecederam a votação da matéria no Pleno, a Amatra IV promoveu uma grande campanha pela aprovação. “Conversamos individualmente com todos os desembargadores, um a um”, conta o juiz Daniel. A entidade também lançou edições especiais da sua revista e realizou até mesmo um “showmício”, com a participação do músico Nei Lisboa – reconhecidamente um entusiasta da democracia.
Em 6 de setembro de 2013, a matéria foi finalmente aprovada, por maioria de votos, no Tribunal Pleno.
Nesta quinta-feira (8/9), publicaremos uma segunda reportagem sobre a Consulta Prévia, com a participação de presidentes eleitas após a instituição da consulta. Acompanhe!