Na Ponta da Língua: E o "mesmo"? Aquele da placa do elevador
Eu achava que essa questão já estava superada, mas, durante o 28º Encontro Anual de Gestores e Gestoras do TRT na semana passada, me deparei com a placa ao lado, em frente à porta do elevador do hotel. Ah, o “mesmo”... O “monstro do elevador” atacava novamente.
É muito comum encontrarmos construções que utilizam as expressões “mesmo” ou “mesma” como pronomes pessoais, como é o caso da tão conhecida placa do elevador, que já causou, inclusive, diversas piadas em redes sociais pelo Brasil afora, como a que utilizei no parágrafo acima... No entanto, é preciso ter cuidado ao utilizar essas expressões.
“Mesmo”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP, é primeiramente classificado como adjetivo. Segundo o Dicionário Aurélio, é possível também classificá-lo como substantivo masculino (daí a possibilidade que há de a expressão ser antecedida de artigo definido.) Mas, ainda assim, seria inadequado utilizá-lo como pronome pessoal (equivalendo a “ele(s)” ou “ela(s)”), inclusive por que isso causa, muitas vezes, ambiguidade ao texto.
Na verdade, o uso de “mesmo” em substituição ao pronome pessoal da terceira pessoa ou do demonstrativo “este” em nada melhora a frase, mas, ao contrário, a prejudica em clareza e elegância, como dizia Geraldo Amaral Arruda, no livro “A Linguagem do Juiz”, publicado pela Editora Saraiva em 1997.
Contudo, não escapam desse tipo de equívoco até mesmo alguns dispositivos legais, como é o caso da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no art. 119:
Art. 119. Prescreve em 2 (dois) anos a ação para reaver a diferença, contados, para cada pagamento, da data em que o mesmo tenha sido efetuado. [referindo-se a “pagamento”]
E também a alínea “b” do art. 477 da CLT:
Art. 477. É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja êle dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direto de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa. (Redação dada pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970)
[...]
b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento. [referindo-se a “aviso prévio”]
Usar “o mesmo” para substituir um pronome pessoal é uma impropriedade linguística. Ele pode ser um adjetivo, um substantivo, ou até um advérbio, mas jamais será pronome pessoal ou demonstrativo.
Sendo assim, em vez de escrever o mesmo isso, os mesmos aquilo, com a função de sujeito ou objeto, opte pelos pronomes pessoais ou demonstrativos: é mais simples e mais bonito. Às vezes, inclusive, é possível apenas omiti-lo, e a oração continua com o significado que se espera.
Veja alguns exemplos, inclusive com algumas alterações de outras partes do texto, para deixá-lo mais claro e direto:
E, finalmente, quanto à famosa placa:
Feitas essas considerações, é válido analisarmos que, apesar de tudo, o “mesmo”, em outros contextos, pode ser perfeitamente utilizado.
Veja alguns casos:
Com a função de substantivo, quando significar “a mesma coisa”:
Ela disse o mesmo a mim.
Na qualidade de advérbio, assemelhando-se a “justamente”, “de fato”:
Foi aqui mesmo que nos encontramos pela primeira vez.
Como adjetivo/pronome, no sentido de “exato”, “próprio”, “idêntico”:
Elas mesmas resolveram desculpar-se do mal-entendido. [elas próprias]
Com valor de uma conjunção subordinada concessiva com o sentido de “ainda que”:
Mesmo que chegasse cansada, nunca deixou de estudar.
Com o sentido de “dar na mesma”, “no mesmo estado”, “na mesma situação”:
Para os alunos, apresentar o trabalho ou não dá no mesmo. [tanto faz]
Agora, veja outro exemplo do uso correto da expressão na CLT:
Art. 543. O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
[...]
§ 5º. Para os fins deste artigo, a entidade sindical comunicará por escrito à empresa, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, o dia e a hora do registro da candidatura do seu empregado e, em igual prazo, sua eleição e posse, fornecendo, outrossim, a êste, comprovante no mesmo sentido. O Ministério do Trabalho e Previdência Social fará no mesmo prazo a comunicação no caso da designação referida no final do § 4º. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) [...]
Note que essas últimas ocorrências, por estarem exercendo mesmo a função de “adjetivos”, mostram a expressão acompanhada de um substantivo, o que seria o uso mais correto da expressão.
Resumindo:
Evite empregar a expressão “mesmo” como substituto de um pronome como “ele”, “ela”, “este”, “esta”. Isso é inapropriado.
Prefira utilizar os pronomes em si ou mesmo repetir o termo a que se quer fazer referência, se for o caso. Ou, ainda, utilizar o pronome demonstrativo “este” e suas flexões, conforme o caso. O texto certamente ficará mais elegante.
A expressão “o mesmo”, como um substantivo, deve ficar restrita ao sentido de “a mesma coisa”.
Por hoje era isso mesmo.
Até a próxima!
Lara Martins