TRT-RS participa de audiência pública sobre acidentes e adoecimento de trabalhadores de aplicativos e plataformas digitais

O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) promoveu, na manhã desta quarta-feira (18/06), uma audiência pública para discutir as notificações compulsórias no âmbito do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de acidentes e adoecimentos de trabalhadores de aplicativos e plataformas digitais.
A audiência foi realizada no Auditório Ruy Cirne Lima, da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), e contou com a presença de trabalhadores da saúde, representantes sindicais e demais interessados no tema.
O evento é parte do projeto plataformas digitais, desenvolvido pela Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), que busca reforçar a importância de aumentar as notificações de agravos à saúde desses trabalhadores.
A mesa de abertura teve a participação do desembargador Marcos Fagundes Salomão, um dos gestores regionais do Programa Trabalho Seguro no TRT-RS. O magistrado compôs a mesa juntamente com a procuradora-chefe do MPT-RS, Denise Maria Schellenberger Fernandes; pela procuradora do Trabalho e vice-coordenadora nacional da Conafret, Priscila Dibi Schvarcz; pelo vereador de Porto Alegre Roberto Robaina; pela chefe da Divisão de Vigilância em Saúde do Trabalhador (DVST), Andreia Simoni Gnoatto; e pelo assessor do deputado estadual, Christiano Santos.
Em seu pronunciamento na abertura da audiência, a procuradora-chefe Denise Maria Schellenberger Fernandes destacou o impacto da precarização do trabalho em muitos trabalhadores que muitas vezes se veem na condição de negligenciar a própria saúde para seguir atuando pela plataforma e não perder sua única fonte de receita.
"Quando se fala dos trabalhadores em plataformas digitais, o problema é multiplicado pela precarização, pela pejotização, pela insegurança e pela informalidade que acometem essas pessoas que, muitas vezes, mesmo doentes e acidentadas, necessitam seguir trabalhando para garantir seu sustento, mesmo em prejuízo de sua saúde física e mental."
O desembargador Marcos Fagundes Salomão relembrou que a busca pelo trabalho digno para trabalhadores de entregas e pela conscientização das empresas é anterior às plataformas digitais, desde os antigos serviços de entrega por telefone.
"O grande atrativo das empresas naquela época era prometer entregas muito rápidas, havia toda uma cultura nesse sentido, e buscávamos a conscientização dos riscos. É um tema que já causava preocupação e em que um dos grandes problemas daquela época persiste hoje, o da falta de formalização", comentou.

Notificações
O primeiro painel da audiência pública foi apresentado pela procuradora Priscila Dibi Schvarcz, que reforçou o papel de uma coleta precisa e adequada de informações sobre agravos à saúde do trabalhador para alimentar as estatísticas que vão depois servir de base para políticas públicas de saúde dirigidas aos trabalhadores de plataformas digitais. Assim, os dados precisam ser mais adequados à realidade e a subnotificação é um problema a ser combatido.
“A informação sobre os acidentes e adoecimentos que acometem os trabalhadores plataformizados é imprescindível para o desenvolvimento de iniciativas legislativas adequadas às reais necessidades e riscos a que expostos trabalhadores, bem como para o desenvolvimento de políticas sociais e de saúde assertivas".
A procuradora apresentou estatísticas sobre o perfil dos trabalhadores de plataformas digitais. Segundo dados da PNAD Contínua do IBGE de 2022, eles formam 2,4% da população ocupada do País, são homens em sua maioria (82%) e em sua maioria trabalham para aplicativo de transporte particular de passageiros (47,2%) e em aplicativos de entrega de comida, produtos etc (39,5%). Também falou da legislação para empresas de transporte e a resistência das grandes plataformas digitais em serem enquadradas no ordenamento - os serviços de aplicativo alegam que não são empresas de transporte, mas de tecnologia, fazendo a intermediação entre transportadores e indivíduos, o que nitidamente não corresponde à realidade. Também citou as dificuldades não apenas econômicas, mas de saúde, que atingem os trabalhadores de plataformas devido à falta de garantias e à precarização dos direitos.
“O trabalhador plataformizado de transporte de pessoas costuma ganhar mais, em número absolutos, mas também trabalha em média seis horas a mais – e por isso, recebe um valor menor por hora trabalhada do que trabalhadores não plataformizados. Já os trabahadores de plataformas digitais de entrega de produtos, mesmo trabalhando um número médio de horas maior, recebe remuneração mensal inferior à dos não plataformizados", comentou.
Discurso de autonomia
Na sequência, a chefe da Divisão de Vigilância em Saúde do Trabalhador (DVST), Andreia Simoni Gnoatto, comentou o quanto o trabalho em plataformas é vendido como uma garantia de “autonomia’ e “liberdade” para o trabalhador, que seria “seu próprio patrão”, mas na prática, as vantagens não são existem - as plataformas acabam impondo sanções que dificultam a real flexibilidade de horários e poder de aceitação dos trabalhadores. Também comentou sobre como muitas vezes os acidentes de trabalho envolvendo entregadores a serviço de plataformas são disfarçados e até mesmo minimizados pela sociedade e pela mídia por serem tratados como acidentes de trânsito E que, mesmo a legislação sendo bastante clara sobre o caráter compulsório das notificações, ainda assim as notificações desse tipo de acidente precisam enfrentar resistência mesmo na área da saúde.
"Se nós do setor de saúde temos essa dificuldade, mesmo batendo nessa tecla de que é responsabilidade, que tem legislação, que está previsto em mais de uma normativa, que o profissional de saúde precisa notificar, porque é compulsório, e compulsório significa “obrigatório”, não “se eu quiser” ou “só se eu tiver tempo”, se nós na saúde ainda temos dificuldade de captar a informação mesmo com tudo isso, faço aqui o pedido aos trabalhadores que exijam a notificação no momento do atendimento".
Trânsito
Questões de trânsito e saúde envolvendo os trabalhadores de plataformas foram o tema do terceiro painel da manhã, apresentado pela engenheira Diva Yara Mello Leite, coordenadora do Programa Vida no Trânsito da EPTC e pela enfermeira Priscila Moreira, coordenadora da Equipe da Vigilância de Doenças Não Transmissíveis da Diretoria de Vigilância em Saúde (DVS). Ambas apresentaram como funciona o Programa Vida no Trânsito implementado pela EPTC em Porto Alegre em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e outros parceiros, e aproveitaram a circunstância de apresentarem o painel em dupla para reforçarem a necessidade de abordagens coletivas para as questões, integrando instituições e iniciativas para melhor eficácia.
"Ninguém faz nada sozinho. É preciso um esforço coordenado da área de saúde integrado com a área do trânsito para termos uma captação de informações em tempo real e de forma eficaz", comentou a enfermeira Priscila.

Elas apresentaram também questões sobre a mobilidade no meio urbano e estatísticas sobre acidentes em Porto Alegre – em 2024, foram 84 mortos em sinistros de trânsito, e chama a atenção a grande participação de motocicletas nas estatísticas.
"Tivemos 33 motociclistas mortos, mas se contarmos também casos em que as motos estiveram envolvidas e uma vítima morreu sem ser o condutor, são 42 mortes em acidentes com envolvimento de motos. Logo, motos estiveram envolvidas em metade das ocorrências de vítimas fatais na cidade", comentou Diva Yara Leite.
O evento foi encerrado com a palavra de Douglas Santiago, diretor-fiscal do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (SIMTRAPLI-RS), que reforçou a necessidade conscientizar quem trabalha para plataformas digitais de seu caráter como um trabalhador como qualquer outro, devido ao poder que os aplicativos exercem para impor metas e restrições ao exercício da atividade dos seus motoristas.
"Nos últimos anos, criou-se essa ideia de que o motorista de aplicativo é um empreendedor, que não é funcionário de ninguém, e é necessário que se lembre que sim, ele é um trabalhador. Eu, enquanto motorista de aplicativo, quando saio de casa, aviso para minha esposa que vou trabalhar. Então, eu sou trabalhador. E o motorista de aplicativo é um funcionário da plataforma, não é um empreendedor”, disse.
A audiência pública foi realizada como parte do projeto Plataformas Digitais do MPT-RS, desenvolvido pela Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), com o objetivo de aumentar as notificações de agravos à saúde dos trabalhadores desse tipo de plataforma no âmbito do SINAN. As notificações de acidentes de trabalho ao SINAN permitem desenvolver diagnósticos para subsidiar e orientar políticas públicas de saúde dos trabalhadores, definidas por critérios de prioridade epidemiológica e integrando os serviços do SUS voltados à assistência e vigilância.