Diálogo institucional e políticas públicas marcam abertura de seminário sobre saúde e segurança no trabalho em Caxias do Sul
O seminário “Abril Verde 2025 – Saúde e segurança no trabalho: desafios para a universalização” teve início na manhã desta sexta-feira (25/4), na Universidade de Caxias do Sul (UCS), com debates sobre a valorização da vida, o trabalho decente e as políticas públicas voltadas à prevenção de acidentes e doenças laborais.
A atividade, promovida pela Escola Judicial do TRT-RS (EJud-4), integra o movimento internacional de conscientização que culmina no Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, em 28 de abril.
A mesa de abertura reuniu autoridades e representantes institucionais, que reforçaram o papel da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da sociedade civil na construção de ambientes laborais mais seguros, humanos e justos.
A corregedora regional do TRT-RS, desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti, representou a Administração do Tribunal e abriu oficialmente o seminário. Destacou que o evento marca o início de um mês em que “a saúde e a segurança do ambiente de trabalho ganham destaque nacional”, promovendo a conscientização sobre a prevenção de acidentes e doenças laborais.
Laís ressaltou a relevância do tema e a necessidade de avanços concretos na área. Segundo ela, “a universalização da saúde e segurança do trabalho é fundamental para a construção de um ambiente de trabalho justo e digno para todos e todas”. Ao enfatizar a participação de especialistas de diferentes regiões do país, afirmou que o seminário representa um momento de reflexão para a sociedade brasileira buscar soluções eficazes para os desafios presentes sobre o tema.
O diretor da EJud-4, desembargador Fabiano Holz Beserra, destacou a importância da preservação da saúde e da segurança como “um direito humano fundamental”, reconhecido internacionalmente por convenções da OIT, como a 155 — já ratificada pelo Brasil — e a 187, ainda em processo de implementação.
Ele enfatizou que essas normas representam “um patamar mínimo para o trabalho decente” e têm força para influenciar diretamente o controle de constitucionalidade e convencionalidade das regras aplicadas ao ambiente de trabalho.
“O direito ao meio ambiente saudável, nele incluído o do trabalho, está no artigo 200, inciso 8º, da nossa Constituição”, lembrou, reforçando o compromisso jurídico e social com a promoção de ambientes laborais seguros.
Fabiano chamou atenção para os impactos dos acidentes laborais no sistema público. “Do ponto de vista do gasto público, isso é uma reflexão do custo que os acidentes têm e de quanto a prevenção é mais um investimento do que um gasto”, afirmou. Lembrou, também, que os custos recaem sobre o SUS, a Previdência Social e o próprio empregador, que pode responder por ações individuais, coletivas e regressivas. Ao defender a atuação conjunta entre instituições — como o Ministério Público do Trabalho, universidades e outros órgãos públicos —, o desembargador reforçou a urgência de políticas preventivas coordenadas.
Programa Trabalho Seguro
O desembargador do TRT-SC Roberto Luiz Guglielmetto, gestor do Programa Trabalho Seguro para a Região Sul, apresentou um panorama do programa institucional da Justiça do Trabalho, criado em 2012 com foco na prevenção de acidentes, especialmente durante as obras da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, e que hoje atua em diversas frentes.
Ele destacou que o Abril Verde não é um momento de comemoração, mas sim de solidariedade: “o Abril Verde é um momento de solidarização com todas as vítimas que são acometidas por acidente de trabalho fatídico ou não, e doenças ocupacionais”.
Guglielmetto alertou para os riscos de esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho, especialmente diante das novas formas de trabalho e das vulnerabilidades que deixam muitos trabalhadores desprotegidos: “quando um vulnerável não tem as regras da CLT, não tem sequer uma proteção legal”.
Ele enfatizou a importância da capilarização do programa, como ocorre em Santa Catarina, onde há colaboradores do programa em cada circunscrição, permitindo ações mais efetivas em parceria com universidades, sindicatos e o Ministério do Trabalho.
Esforço conjunto
O desembargador Marcos Fagundes Salomão, gestor regional do Programa Trabalho Seguro (PTS) do TRT-RS, destacou que o evento foi pensado coletivamente entre os TRTs do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, no âmbito de um grupo de trabalho interinstitucional. Ele ressaltou a parceria ativa da Universidade de Caxias do Sul e da Justiça do Trabalho na cidade na realização do encontro, demonstrando a importância da união entre instituições para promover o fortalecimento da cultura de prevenção.
Salomão mencionou que na Constituição os direitos sociais, como saúde e segurança no trabalho, estão assegurados nos artigos 6º e 7º, e mesmo no artigo 170, que trata da ordem econômica, reafirmando o compromisso com a “livre iniciativa”, desde que respeitados os “desígnios sociais e democráticos”. Com isso, reforçou que o Programa Trabalho Seguro deve estar alinhado com esses princípios constitucionais, promovendo ações integradas e comprometidas com o trabalho digno, seguro e saudável.
Vara especializada em Caxias
A juíza do Trabalho Ana Júlia Fazenda Nunes, representando o Foro Trabalhista de Caxias do Sul, lamentou a lentidão histórica no reconhecimento da saúde e segurança do trabalho como prioridade global. Ao relembrar o acidente que motivou a criação do Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, ela enfatizou que foram necessários 34 anos para a OIT oficializar a data, destacando: “Isso já demonstra como é difícil nós tratarmos sobre esse assunto”. Para ela, o estabelecimento dessa data foi fundamental para a criação de políticas públicas consistentes, que precisam de “fixadores e métodos” para gerar impactos reais.
Com orgulho, Ana Júlia ressaltou a atuação de Caxias do Sul, que sedia a única vara especializada em acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no interior do Rio Grande do Sul.
“Temos essa pujança toda de trabalho, consequentemente, tem um bônus e um ônus”, afirmou, lembrando da gravidade dos casos analisados diariamente pela magistratura. Ela defendeu a prevenção desde a infância, inclusive com ações educativas nas escolas. A magistrada reforçou o papel das instituições públicas e privadas em promover uma cultura de segurança: “É a nossa responsabilidade fazer o nosso melhor”.
Reforço na fiscalização
O superintendente regional do Trabalho no Rio Grande do Sul, Claudir Antônio Nespolo, falou sobre os desafios históricos e atuais relacionados à saúde, segurança e dignidade no ambiente de trabalho. Ele destacou que o reconhecimento do trabalho decente como pauta global só foi possível após grandes tragédias humanas, afirmando que “precisou morrer muita gente” para que a sociedade passasse a discutir limites éticos à exploração do trabalho.
O superintendente lembrou que o Brasil só garantiu direitos trabalhistas na Constituição a partir de 1988, em um contexto de forte mobilização social, e alertou que desde então esses direitos vêm sendo sistematicamente atacados.
Ele comemorou a reativação do Ministério do Trabalho e a realização de concurso público para 900 novos auditores fiscais como um avanço importante para garantir o cumprimento das normas e a responsabilização de empregadores em caso de violações. Claudir também chamou atenção para os desafios trazidos pelas novas formas de trabalho, como o trabalho por aplicativo, que, segundo ele, ainda longe de ser regulamentado.
Ao defender a inclusão produtiva com dignidade, concluiu: “O que interessa é trabalho decente, com segurança para quem produz e para quem trabalha — principalmente para o elo mais fraco da sociedade.”
Importância das universidades
A pró-reitora de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico da UCS, Neide Pessin, deu as boas-vindas aos participantes do seminário reforçando o compromisso da universidade com a construção coletiva do conhecimento e o desenvolvimento regional.
Para ela, enfrentar temas como saúde e segurança do trabalho é mais do que discutir normas técnicas — é compreender as complexas relações humanas dentro do contexto produtivo e social.
Neide também conectou o tema do evento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, ressaltando que a saúde e segurança ocupacional dialogam diretamente com os ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), 5 (Igualdade de Gênero), 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) e 10 (Redução das Desigualdades).
“Isso que nós temos que trabalhar de forma transversal, coletiva, cooperada e construtiva com todos os saberes da sociedade”, afirmou. A pró-reitora reforçou a importância das universidades nesse processo, não apenas como centros de formação, mas como agentes ativos de transformação social.
“No lugar que cada um ocupa dentro da sua atividade, nós poderemos começar efetivamente um mundo melhor”, finalizou.
O coordenador da Comissão de Direitos Humanos e Trabalho Decente do TRT-RS, desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, também fez parte da mesa de abertura do evento.
Eficiência das políticas
Logo após a abertura do seminário, o primeiro painel teve como tema a "Universalização e eficiência das políticas públicas destinadas à saúde e segurança no trabalho".
A procuradora regional do Trabalho Juliana Bortoncello Ferreira destacou a importância da atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na promoção de políticas de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Ela ressaltou que, apesar de termos uma Constituição democrática, "há um decréscimo de direitos sociais" que afeta a proteção dos trabalhadores. A procuradora enfatizou que o MPT, juntamente com a Justiça do Trabalho, sindicatos e o Ministério do Trabalho e Emprego, tem o papel de assegurar a execução dos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal e lutar pela manutenção desses direitos. Ela também sublinhou que, além dos trabalhadores da iniciativa privada, é essencial incluir os servidores públicos e os trabalhadores terceirizados, que têm visto um aumento significativo na administração pública.
Juliana também trouxe à tona dados sobre os acidentes de trabalho, uma média de 70 ocorrências por hora. Ela considera um quadro já preocupante, mesmo diante de subnotificação.
"Os números são inimagináveis" e refletem a realidade de um sistema que, muitas vezes, só reage após o ocorrido, com reparações individuais, quando o ideal seria que houvesse uma cultura de prevenção para evitar novos acidentes. Também ressaltando a importância de as instituições públicas se voltarem para os dados e trabalharem para melhorar as condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores, evitando mais vítimas e danos irreparáveis.
Relação entre gênero e trabalho seguro
A juíza Sandra Assad, do TRT-PR, propôs uma reflexão sobre como o gênero condiciona a realização de um trabalho seguro e saudável. Segundo ela, apesar da existência de um arcabouço normativo sobre saúde e segurança no trabalho, essas normas têm como base um “trabalhador padrão” — geralmente um homem, branco, jovem e sem deficiência — e não contemplam as especificidades de outros grupos.
“Essa pretensa neutralidade do direito serve para invisibilizar os riscos ocupacionais a que as mulheres estão expostas”, afirmou. A magistrada, que coordena o Programa Trabalho Seguro no Paraná, criticou a ausência de perspectiva de gênero nas regulamentações e citou situações concretas, como a falta de equipamentos de proteção adequados para mulheres na construção civil e na mineração.
Sandra também destacou o papel dos estereótipos na reprodução da desigualdade no ambiente de trabalho, mencionando a divisão sexual do trabalho e os impactos da interseccionalidade — combinação de gênero com outros marcadores sociais, como raça e classe. “Os trabalhos feitos por mulheres são muitas vezes considerados leves, o que desvaloriza o esforço físico e ignora a necessidade de medidas ergonômicas”, apontou, acrescentando que mulheres negras enfrentam ainda mais barreiras. Ao final, reforçou a importância de aplicar o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ para garantir a efetiva proteção da saúde e da segurança de todas as trabalhadoras.
Precarização da segurança
O engenheiro e perito técnico Evandro Krebs trouxe dados técnicos preocupantes sobre a evolução dos acidentes de trabalho no Brasil, destacando falhas persistentes nas estruturas das empresas. Ele mencionou que a modernização dos processos produtivos e a crescente precarização do trabalho têm criado desequilíbrios estruturais. "Hoje, a relação capital-trabalho está desequilibrada, com o crescimento do capital e a precarização do trabalho andando juntos, lado a lado." Segundo ele, a terceirização e a precarização da mão de obra têm contribuído para a desvalorização da dignidade dos trabalhadores e o enfraquecimento das políticas de prevenção.
Krebs também apontou que, em 2022, o Brasil voltou a figurar entre os países com os maiores índices de acidentes de trabalho, com cerca de 16 mil mortes registradas entre 2016 e 2022. O perito enfatizou que, apesar das melhorias tecnológicas, a falta de ação eficaz nas condições de trabalho continua a ser um grande desafio.
Informalidade gera mais mortes
O auditor fiscal do trabalho Sérgio Augusto Letizia Garcia apresentou um panorama da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na fiscalização das condições laborais, destacando os desafios atuais diante da crescente informalidade e precarização do trabalho no Brasil. Segundo ele, há atualmente cerca de “29 milhões de trabalhadores sem qualquer tipo de vínculo”, sendo “19 milhões autônomos informais que não têm qualquer tipo de direito”. Ele alertou para a gravidade dessa situação, destacando que essas pessoas trabalham sem acesso a direitos básicos como aposentadoria, férias ou auxílio-doença, o que as coloca em situação de alta vulnerabilidade. Garcia ressaltou ainda que "trabalhadores informais morrem até três vezes mais que os celetistas", conforme estatísticas de 2016.
Além disso, o auditor criticou os impactos da reforma trabalhista de 2017, apontando que ela resultou em “terceirização ampla, inclusive da atividade principal” e uma informalidade crescente, especialmente nas pequenas empresas.
Garcia mencionou casos recorrentes de empresas compostas apenas por estagiários ou com profissionais contratados como pessoas jurídicas (PJs), mesmo exercendo funções com subordinação e habitualidade. Ele também destacou a importância da decisão da OIT que, em 2022, reconheceu a segurança e saúde no trabalho como o quinto direito fundamental do trabalho, válido para todos os trabalhadores. Enfatizou a urgência de políticas públicas para ampliar a formalização e a retomada da estrutura fiscalizatória.
A juíza Ana Julia Fazenda Nunes, moderadora do painel, encerrou a discussão destacando a importância de resgatar as origens e a história das lutas por saúde e segurança no trabalho. Ela enfatizou que essas reflexões devem servir como força para continuar avançando, sem relativizar a importância da proteção no ambiente laboral. “Não dá para relativizar a segurança do trabalho”, afirmou.
Programação da tarde
14h às 16h – Painel 2: Garantia aos Direitos dos Trabalhadores na Saúde e Segurança no Trabalho: Responsabilidades dos empregadores e custos do não cumprimento das normas de segurança
Painelistas:
André Chimello - Advogado;
Tiago Mallmann Sulzbach - Juiz do TRT-RS e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV);
André Zuco, Advogado;
Adriana Camargo - Juíza do TRT-SC;
Moderador: Marcelo Caon Pereira - Juiz do TRT-RS e Gestor Regional do Programa Trabalho Seguro;
16h30 às 17h30 – Painel 3 / Palestra: Prevenção de acidentes e saúde do trabalhador: desafios atuais
Painelista: Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - 1º Vice-Presidente do TRT-MG;
Moderadora: Fernanda Probst Marca - Juíza do TRT-RS.
O evento é uma iniciativa do Programa Trabalho Seguro do TRT-RS e da EJud-4, em parceria com a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Amatra IV e da Associação dos Peritos na Área de Saúde e Segurança no Trabalho (Apejust).