Na Ponta da Língua: Inobstante não constar dos dicionários, “inobstante” existe.
Muita gente já deve ter ouvido falar algo sobre a tal expressão “inobstante”, mesmo que não se recorde bem se de fato ela deva ou não ser usada, ou mesmo se ela existe ou não. Não à toa, ela foi sugerida por uma pessoa leitora desta coluna como causadora de dúvidas… A resposta à dúvida é simples: sim, “inobstante” existe. Quanto a seu uso? Bem, este gera algumas controvérsias.
Diz-se que “inobstante” é a forma evoluída e reduzida de não obstante e nada obstante. Isto é, seria derivada de um verbo bastante conhecido: “obstar”.
“Inobstante” seria usada para introduzir uma ideia que não obsta, que não impede, que não atrapalha ou obstaculiza um entendimento, um posicionamento, um fato.
Ela é considerada um neologismo e, por algumas pessoas, um neologismo desprezível. Os argumentos para isso? Que ela não está dicionarizada e que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - VOLP não a registra.
Apesar disso, é inegável o fato de que ela está incorporada em nosso léxico, junto a suas irmãs “não obstante” e “nada obstante”. Aliás, conforme palavras do ilustre e sempre lembrado professor Adalberto Kaspary, “se os dicionários não a registram, a falha é deles”, e não do usuário da língua, uma vez que este é competente linguisticamente para criar palavras novas. Além disso, a expressão encontra amparo no processo histórico de formação das palavras e, portanto, não fere nenhuma regra.
Uso restrito
No entanto, é fato que ela é uma expressão restrita ao meio jurídico, em que é usada amplamente com o sentido de apesar de, a despeito de.
Veja o seguinte exemplo:
Inobstante as contestações, o juiz ratificou a decisão anteriormente tomada.
(= apesar das contestações)
Similares a ela são as seguintes:
Não obstante as acusações, o réu foi liberado.
(= apesar das acusações)
Isto nada obstante, a Procuradoria Jurídica entende que não compete ao Banco Central autorizar tal transação.
(=apesar disso, a Procuradoria[...])
Note, contudo, que, mesmo que sua formação siga padrões corretos, que seu uso seja defendido e muito encontrado em textos escritos da área jurídica, isso não a isenta da possibilidade de causar dúvidas ao cidadão comum.
Coloque-se, por exemplo, no lugar de alguém que você imagina ter conhecimentos jurídicos restritos e pense se essa pessoa teria condições de compreender, sem esforço, o sentido dos textos apresentados acima.
A resposta para isso também é simples: muito provavelmente não. A leitura do texto onde consta a expressão exige certo esforço e, por isso, ela pode acarretar dúvidas. Sendo assim, recomenda-se sua substituição por equivalentes mais simples, como é o caso de apesar de, sempre que possível.
Veja como os textos ficam mais fluidos e, nem por isso, mais “pobres”.
Note este exemplo também:
Por fim, veja este último exemplo, que poderia ser melhorado e simplificado, não somente em relação à expressão “inobstante”, mas em seu aspecto geral:
Resumindo:
"Inobstante" é forma evoluída de “nada obstante” e “não obstante”, embora ela ainda não esteja dicionarizada.
Há quem considere sua utilização um equívoco quase abominável na Língua Portuguesa, mas isso não é bem assim... Ela já está incorporada ao léxico e é amplamente utilizada no meio jurídico com o sentido de “apesar de”.
Ainda assim, por ser restrita à área do Direito, não é expressão de acesso ao cidadão comum. Por isso, recomenda-se que, sempre que possível, ela seja substituída por expressões equivalentes, para evitar a incompreensão. “Apesar de” é uma boa opção. “A despeito de” também seria, se não fosse outra expressão que pode gerar dúvidas...
Com isso, os textos ficam mais fluidos e acessíveis, e a constante polêmica sobre a expressão acaba, pelo menos até sua próxima aparição.