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Publicada em: 24/03/2022 16:04. Atualizada em: 24/03/2022 19:13.

“Mulheres, Trabalho e Fraternidade”, artigo das juízas Maria Teresa Vieira da Silva Oliveira, titular da 27ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, e Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert, titular da 4ª Vara do Trabalho de Florianópolis (TRT-12)

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Juízas Maria Teresa e Maria Beatriz.
Maria Teresa e Maria Beatriz

Texto aborda a trajetória da mulher no mercado de trabalho, tendo por pano de fundo as transformações econômicas, políticas e sociais, e contempla uma análise reflexiva sobre o papel social atribuído à mulher na divisão sexual do trabalho. Publicado, originalmente, na Revista Digital Internacional BonusIuris (Argentina).

Introdução

O trabalho feminino sempre existiu, desde os primórdios da humanidade.

Paralelamente às tarefas no lar, a mulher executou diversos trabalhos ao longo da história, colaborando com a sobrevivência de sua família, formação da sociedade e geração de riquezas.

Na evolução histórica do mundo, o trabalho feminino foi impulsionado por circunstâncias distintas: a escravidão, a viuvez, a revolução industrial, as duas grandes guerras mundiais, o crescimento do feminismo e o surgimento de organismos mundiais de direitos, como a Organização das Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho.

No Brasil, a legislação de proteção à mulher avançou e retrocedeu em alguns momentos, mas, desde a Constituição Federal de 1988, o caminho tem sido mais linear: é possível notar que a igualdade de gênero está assegurada de forma efetiva no plano formal.

Quanto à igualdade material, esta ainda pende de concretização. Apesar dos avanços significativos do último século, as mulheres brasileiras ainda recebem salários inferiores aos colegas homens na maioria das carreiras privadas, ainda são minoria nas cadeiras legislativas e ocupam tímidas posições em cargos de comando.

Lamentavelmente, o princípio da igualdade entre homens e mulheres, sedimentado no artigo 5°, I, da Constituição Federal e no artigo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, ainda carece de plena efetivação.

A pandemia do coronavírus acentuou a desigualdade de gênero e aumentou a violência doméstica e o desemprego. Sem prejuízo disso, proliferam ainda os casos de desigualdade salarial e assédio sexual no ambiente de trabalho. O que podemos fazer a partir de tal constatação? Afinal, não há sociedade justa e fraterna sem a plena igualdade entre homens e mulheres.

Talvez a saída esteja na efetivação da Agenda 2030 da ONU, em especial no quinto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criados pela Organização das Nações Unidas, que busca a igualdade de gênero. Ou no resgate de algo simples, mas que as mulheres há muito já cultivam: a sororidade.

1. Dimensão Histórica

O trabalho feminino nos primórdios da humanidade e na época colonial.

A inserção das mulheres no mercado de trabalho pós-Revolução Industrial e pós-grandes guerras. A evolução histórica da legislação de proteção da mulher no Brasil e Mundo.

A análise do processo histórico de inserção das mulheres no trabalho é fundamental para que se compreenda o contexto da atual configuração do mercado profissional feminino. 

É cediço que as mulheres nunca foram alheias ao trabalho na marcha evolutiva da humanidade: desde os primórdios elas contribuíram de forma considerável para a subsistência de suas famílias, para a geração de riqueza e para o progresso da sociedade.

Conquanto desde a antiguidade a divisão social do trabalho tenha se dado de acordo com o sexo das pessoas, tendo por fundamento legitimador justificativas de ordem biológica – a chamada divisão sexual do trabalho –, o fato é que as mulheres sempre desempenharam ofícios os mais variados, mesmo aqueles que exigiam força e esforço físicos, quando isso se afigurou conveniente à lógica capitalista.

Com o tempo, após o surgimento da luta feminista e de revoluções culturais, vemos que a divisão sexual do trabalho deixou de ser encarada como um processo natural e passou a representar grave assimetria entre homens e mulheres nas relações de trabalho.

E desde então as mulheres acumulam atividades dentro e fora de casa.

No Brasil, desde a época colonial, as mulheres laboravam, especialmente as brancas de classe econômica baixa e as negras escravizadas ou não.

Impende ressaltar, por oportuno, que as negras escravizadas, não somente as alforriadas, mas também as chamadas “escravas de ganho” – que eram autorizadas por seus proprietários a trabalhar em troca de lhes repassar parte dos lucros, trabalhavam como pequenas agricultoras, lavadeiras, cozinheiras, costureiras, tintureiras, fiandeiras, quitandeiras, padeiras – e padeiras que faziam greve quando o preço do pão não lhes interessava (1).

Do mesmo modo, no início do Século XVIII, havia mulheres proprietárias de pequenas casas de comércios, sobretudo nas estradas, oferecendo pouso para os viajantes (tropeiros, cavaleiros, levas de escravos comprados no litoral), além de mulheres fazendeiras (tanto negras forras quanto brancas, viúvas de senhores de engenho, numa época em que era comum mulheres muito jovens casarem-se com homens mais velhos, que logo morriam e legavam suas propriedades às jovens viúvas) (2).

Há estudos que retratam que, no final do referido século, a segunda camada mais rica da Capitania de Minas Gerais, depois dos homens brancos, era constituída por mulheres negras e pardas forras, que dominavam habilmente o comércio a varejo e que, nessa condição, negociavam não somente com o litoral, Rio de Janeiro e Salvador, mas com toda a Europa (3).

Nessa época, os direitos das mulheres já estavam sendo objeto de estudo por escritoras como Mary Wollstonecraft, que publicou, em 1792, um dos primeiros tratados feministas, A Vindication of the Rights of Woman, por intermédio do qual ela preconizava a igualdade de gênero.

No Brasil, a teoria propugnada por Mary Wollstonecraft chegou até nós pela educadora e escritora Nísia Floresta, que desafiou a sociedade patriarcal brasileira ao publicar o livro Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens, com base nos escritos da feminista inglesa.

Mais à frente, com a Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, a mão de obra feminina foi deslocada das economias agrícola e artesanal para dentro das fábricas, o que tratou de definir substancialmente os papéis sociais de homens, mulheres e crianças.

Nesse período, o trabalho da mulher na operação de máquinas foi largamente utilizado, notadamente porque ela aceitava receber salários inferiores aos dos homens, eis que o trabalho feminino era visto como menos importante do que o masculino, ostentando, pois, menor valor.

Além do baixo salário, as operárias eram obrigadas a lidar com uma carga de trabalho extenuante, cerca de 16 horas de jornada diária, com apenas 30 minutos de pausa para o almoço, e, mais, com a total ausência de direitos relativos à saúde, à segurança e à maternidade.

O resultado desse cenário foi um enorme número de doenças ocupacionais, acidentes de trabalho, mutilações e mortes de mulheres.

Não fosse o bastante a exploração da mão de obra feminina nas fábricas nesse período, as mulheres continuaram com o encargo de administrar seus lares, cuidando das tarefas domésticas, do marido e dos filhos, cumprindo, assim, dupla jornada de trabalho. 

Destarte, no bojo desse contexto histórico, começa a surgir, no século XIX, avançando até o século XX, a primeira onda do feminismo, estampando a bandeira da luta pelo reconhecimento dos direitos das mulheres, especialmente no que toca ao direito ao voto.

O sobredito movimento tinha como centralidade a discussão do direito ao sufrágio, mas não somente; paralelamente a isso, também reivindicava, por via reflexa, a igualdade entre homens e mulheres no trabalho e o acesso igualitário à educação.

Assim, à margem da pauta preponderante da primeira onda feminista, as mulheres operárias se organizavam em sindicatos e associações no escopo de pleitear melhores condições de trabalho.

Remontam dessa época as célebres reflexões de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai sobre a dupla opressão imposta às operárias e, mais, sobre o papel dessas trabalhadoras no capitalismo.

E nessa conjuntura de luta feminina começam a aparecer, em alguns países, como Inglaterra, Alemanha e França, leis de proteção ao trabalho da mulher.

Outro marco histórico da inclusão da mulher no mercado de trabalho foram as Grandes Guerras Mundiais (1914/1918 e 1939/1945), uma vez que a integração dos homens nas frentes de batalha redundou na necessidade de assunção, por parte das mulheres, dos negócios da família.

Outrossim, as mulheres foram chamadas a ocupar os postos dos homens em fábricas, estabelecimentos comerciais e escritórios, e, mais, a atuar como enfermeiras nos fronts de batalha.

Como se vê, a incorporação efetiva da mulher ao mercado de trabalho após as grandes guerras decorreu menos do reconhecimento de seu direito ao trabalho do que em virtude da vacância dos postos, frente, inicialmente, ao alistamento dos homens para o conflito, e, posteriormente, em vista dos inúmeros mortos e incapacitados entre 18 e 50 anos.

Em outras palavras:

(...) a inserção das mulheres no mercado de trabalho no Brasil nesse período não significou a conquista de espaço entre homens e mulheres neste cenário, pelo contrário, as mulheres eram vistas como uma “reserva de mão de obra” necessária à acumulação do capital, o que confirmava a vulnerabilidade de sua mão de obra, articulada ao mercado de trabalho durante os períodos de expansão econômica e expulsas nos momentos de crise (4).

No mesmo diapasão, temos que a vitória das sufragistas inglesas tomou espaço porque a Inglaterra necessitava da força de trabalho feminina para se  reconstruir economicamente, sendo essa a circunstância decisiva para que à mulher fosse reconhecido o direito de votar e de ser votada.

Apenas a título de registro, consigne-se que o direito ao voto somente foi assegurado às mulheres no Reino Unido em 1918, nos EUA em 1919, no Brasil em 1932 (Decreto 21.076, sendo que, no entanto, até 1965, apenas mulheres com profissões remuneradas podiam votar), na Itália em 1945, na Suíça em 1971 e na Arábia Saudita em 2015.

Na esteira do direito ao voto feminino, os direitos trabalhistas das mulheres passam a ocupar o centro do debate.

Nessa linha, a Constituição Federal Brasileira de 1934 consagra, pela primeira vez na legislação do país, o princípio da igualdade entre os sexos, proibindo a diferença salarial por motivo de gênero para o mesmo trabalho.

A mesma Carta Política proíbe o trabalho de mulheres em locais insalubres e assegura assistência médica e sanitária à gestante, além de descanso antes e depois do parto, por meio da Previdência Social.

Nos anos seguintes, especificamente em 1935 e 1937, o Brasil ratificou as Convenções 03 e 04 da Organização Internacional do Trabalho, organismo criado em 1919 pela Conferência da Paz, assinada em Versalhes, logo após a Primeira Guerra Mundial, com o escopo de promover a igualdade das condições de trabalho no mundo. As mencionadas Convenções tratavam da proteção à maternidade (licença remunerada de 6 semanas antes e 6 semanas após o parto, intervalos para amamentação, proibição de dispensa da empregada durante a gravidez e na licença-maternidade), bem como da proibição do trabalho noturno de mulheres.

Contudo, a Constituição Federal de 1937 não repisou o princípio da igualdade salarial em seu texto. Essa omissão abriu brecha para que em 1940 fosse editado o Decreto-lei 2.548, o qual permitia que a mulher recebesse salário inferior ao homem em até 10%, ainda que desempenhasse a mesma função.

Aqui se vê o direito da mulher retrocedendo, assim como tem sido o caminhar dos direitos humanos em geral no mundo, tal qual explica a constitucionalista Flávia Piovesan:

(...) não há régua capaz de mensurar uma linearidade dos avanços porque a história dos Direitos Humanos é marcada por luzes e sombras, avanços e recuos, mas não há Direitos Humanos sem lutas emancipatórias, que se fazem cada vez mais urgentes.

Mais à frente, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943) compilou direitos já assegurados às trabalhadoras por leis esparsas (licença-maternidade, vedação ao trabalho noturno, limite de peso a ser carregado etc.), mas seu grande mérito foi enunciar que: “A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo” (artigo 5º).

No que tange ao Direito Internacional, tivemos a Carta das Nações Unidas, de 1945, como um dos primeiros tratados a declarar a igualdade de direitos entre homens e mulheres, assim registrando:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DETERMINAMOS para salvar as gerações seguintes do flagelo da guerra, que por duas vezes em nossas vidas trouxe tristeza incalculável para a humanidade, e reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres e de nações grandes e pequenas, e estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito pelas obrigações decorrentes dos tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e para promover o progresso social e melhores padrões de vida em maior liberdade (...).

Posteriormente, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos explicitou que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em  direitos”.   

Em 1951, a OIT aprova a Recomendação 90, que trata da igualdade salarial entre os gêneros. 

No âmbito interno, foi publicada em 27 de agosto de 1962 a Lei 4.212, o chamado Estatuto da Mulher Casada, que, entre outras providências, reconheceu o direito da mulher de trabalhar sem a necessidade da autorização do marido. 

A seu turno, em 1979, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Convenção  para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a  qual somente passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro em 2002,  quando foi ratificada.

Porém, o marco jurídico mais importante atinente ao princípio da igualdade entre homens e mulheres no Brasil foi a Constituição Federal de 1988. 

A “Constituição Cidadã” trouxe em seu bojo os reflexos dos anseios da sociedade brasileira no que toca às profundas transformações sociais ocorridas a partir da segunda metade do século XX.

Com o novo ordenamento constitucional, suplantou-se o paradigma imperativo vigente, que legitimava a estruturação social patriarcal e marital e, por decorrência, a desigualdade formal e material de gênero.

Com essa Carta, inaugura-se uma nova ideologia: a de igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, seja na vida civil, seja no trabalho, ou, ainda, na família. Não há mais o chefe da sociedade conjugal. Não se justificam mais os privilégios legais conferidos aos homens.

Imperioso frisar, por oportuno, que as conquistas constitucionais femininas decorreram em grande parte da articulação promovida por um grupo de mulheres composto por médicas, jornalistas, advogadas, professoras e deputadas federais perante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, grupo aquele que ficou conhecido como “lobby do batom”.

Décadas após a Constituição Federal, o que se percebe no Brasil é uma  grande metamorfose nas relações de trabalho entre homens e mulheres.

Hoje é significativa e expressiva a participação da mulher em mercados  antes de ocupação predominantemente masculina, como a engenharia, a  aviação, a mecânica, as forças armadas.

Porém, isso ainda não é suficiente. As mulheres ainda ganham menos que os homens na maioria das carreiras privadas, ainda são minoria na magistratura e nas cadeiras legislativas – em que pese a existência de cotas eleitorais – e ainda são, em grande parte, socialmente responsáveis pelas atividades domésticas e pelo cuidado com os filhos, desempenhando, assim, jornada dupla, quiçá tripla, quando decidem estudar para galgar outros degraus na profissão. 

E é justamente por isso que devemos nos engajar na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, notadamente no que assenta o Objetivo n° 5, que prevê “adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis”, entre outras metas. 

2. Atualidade. Pandemia do Coronavírus. Agenda 2030. O que esperar? 

A pandemia do coronavírus reforçou o aumento da desigualdade salarial entre homens e mulheres e, pior, fez crescer o desemprego das mulheres, na medida em que muitas não tinham com quem deixar os filhos, cujas aulas  estavam suspensas.  

Estudos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da  Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária – FEA/USP,  desenvolvido entre o fim de 2010 e o fim de 2020, compilou dados que permitiram abordar os efeitos da pandemia sobre a sociedade brasileira, destacando, igualmente, a questão de gênero, revelando maior o desemprego de mulheres comparado ao dos homens – o desemprego entre mulheres subiu de 13,1% para 16,4% (6). Quanto aos homens, o desemprego nesse mesmo período foi de 9,2% para 11,9%. Mais recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou dados que permitiram verificar o desempenho recente do mercado  de trabalho e as perspectivas para 2021, dos quais resultaram os mesmos  dados retromencionados, apontando que, no quarto trimestre de 2020, a taxa de desemprego para o sexo feminino (16,4%) foi superior à do sexo masculino (11,9%), reforçando, assim, a conclusão de que a pandemia vem sendo mais cruel com as mulheres (7). 

Assim, além das consideráveis diferenças salariais entre homens e mulheres, a pandemia ainda potencializou a discriminação e acarretou o aumento da taxa de desemprego para as mulheres, muitas vezes mães solteiras ou únicas provedoras das famílias.  

Além disso, os casos de violência doméstica e feminicídio aumentaram, muito em função do desemprego também dos homens, do maior tempo passado por estes em casa, bem como da presença das crianças, muitas vezes sem as chamadas redes de apoio e a observação atenta das escolas.

Para além dessas questões, vale observar que as mulheres também são  vítimas de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, sendo dever do empregador a responsabilidade por promover um ambiente sadio, que estimule a urbanidade e o respeito e evite a discriminação de gênero.   

Isso pode ser feito através de uma política ostensiva de prevenção e conscientização, com tolerância zero para qualquer tipo de discriminação, até para evitar futura responsabilização no caso de eventuais ações judiciais que denunciem tal conduta.   

No Poder Judiciário brasileiro, dados extraídos do Relatório “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário”, realizado em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça (8), atestam que as mulheres juízas ainda são minoria, embora, na Justiça do Trabalho em específico, atualmente o número seja maior do que o de homens, na ordem de 50,5%, sendo que os Tribunais superiores consignam o menor número de representantes femininas (19,6%) e o mesmo ocorre com a Justiça Militar Estadual (3,7%).

Vale destacar, contudo, segundo os dados extraídos do citado Relatório,  que o percentual de mulheres juízas vem aumentando, subindo de 24,6%, em  1988, para 38,8%, em 2018.

Com relação aos servidores, observa-se que as mulheres têm sido a maioria tanto em representação (56,6%) como na ocupação de funções de confiança e cargos comissionados (56,8%).   

O aumento desses percentuais nunca foi suave, sendo que a ascensão das mulheres a postos-chave tanto na esfera privada quanto na pública é bastante recente, além de as conquistas femininas virem carregadas, ainda, de muito preconceito no que toca à capacidade e competência das mulheres para sobressaírem em cargos de comando.

A participação de mulheres no Poder Judiciário mostra-se imperiosa até para restabelecer um equilíbrio de forças nos julgamentos e excluir a questão de gênero, que, muitas vezes, vem sendo considerada sob um viés menor e dotado de preconceito. 

A ilustrar essa constatação, já sublinhava a Desembargadora aposentada  Maria Berenice Dias (9): A Justiça tem uma certa condescendência para com os réus, sempre entrando em linha de questionamento a atitude da vítima, como sendo  o móvel dos fatos. Perquirir-se a moral da mulher – conceito sempre ligado ao exercício de sua sexualidade – pode levar, surpreendentemente, ao reconhecimento de que foi ela que provocou o crime, sendo culpada pela própria sorte.    

Ressalta Sílvia Pimentel, na obra que visualiza o Direito sob a ótica das relações de gênero, que a mulher é julgada tomando por parâmetro o comportamento-padrão. Na argumentação judicial, é geralmente definida mediante adjetivos como: inocência da  mulher, honestidade, conduta desgarrada, vida dissoluta, expressões todas elas ligadas exclusivamente ao seu comportamento sexual. No entanto, essa adjetivação não é usada como referencial na análise do comportamento masculino.

Todo esse panorama social, seja na área privada, seja na pública, conduz a uma só conclusão: precisamos avançar muito na questão da defesa dos direitos das mulheres já conquistados e dos que ainda têm que ser implementados.

A sociedade precisa se engajar na Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas, notadamente no que assenta o Objetivo n° 5, qual seja, “adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis”.

Nesse sentido, destaca-se:

Em apoio à Agenda 2030, a ONU Mulheres lançou a iniciativa global “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, com compromissos concretos assumidos por mais de 90 países. Construir um Planeta 50-50 depende que todas e todos – mulheres, homens, sociedade civil, governos, empresas, universidades e meios de comunicação – trabalhem de maneira determinada, concreta e sistemática para eliminar as desigualdades de gênero.

Dentre as ações do Planeta 50-50, salientam-se novas leis e o fortalecimento de direitos conquistados pelas mulheres. Outras ações podem incluir a criação de programas para erradicar a violência contra mulheres e meninas, incentivando a participação das mulheres na tomada de decisão, investir em planos de ação nacionais ou políticas para a igualdade de gênero, criando campanhas de educação pública para promover a igualdade de gênero. (10)

Eliminar a discriminação contra mulheres não é apenas a reafirmação de um direito humano básico, mas mostra-se indispensável, igualmente, para fortalecer os pilares de uma sociedade mais justa e igualitária, além de propiciar, como consequência, o crescimento do desenvolvimento econômico. 

A igualdade de gênero, como um direito humano fundamental, portanto, constitui a base de um mundo mais fraterno, justo e democrático, mundo  esse que precisa das mulheres como pedra fundamental de cuidado e afeto  na sociedade, sem prejuízo das competências que demonstram no ambiente  de trabalho e que o ajudam a tornar mais humano, justo e colaborativo.

Conclusão

A desigualdade salarial no mercado de trabalho entre homens e mulheres  tem causas históricas e sociais, como visto no início do artigo.

Mesmo em períodos em que as mulheres foram chamadas a ocupar mais postos de trabalho, como nas épocas de guerra, isso não se deu pela sua competência e profissionalismo (embora elas os tivessem), mas pela necessidade masculina.

No transcorrer da história, as questões de acesso a idênticos salários e ascensão a promoções salariais não foram superadas, restando agravadas nos dias atuais pela pandemia do Coronavírus, que retirou de 16,7% das mulheres brasileiras o emprego, como visto anteriormente.

Violência doméstica, aumento do desemprego, desigualdade no acesso aos  empregos, diferença de remuneração salarial, assédio sexual no ambiente de trabalho e divisão desigual dos cuidados não remunerados e do trabalho doméstico mostram-se ainda entraves à igualdade de gênero nos dias atuais.

A sororidade pode ser um dos caminhos para a reversão de tais problemas no ambiente de trabalho e fora dele. Na luta contra o machismo, a “teoria do brilho”,  cunhada pela jornalista norte-americana Ann Friedman, propõe a sororidade no  ambiente de trabalho, cujo objetivo é apoiar e exaltar o sucesso das colegas, a  fim de dar voz e vez às mulheres, para que todas consigam brilhar juntas (11).

Além disso, a fraternidade revela-se como valor fundamental e assegurado pela atual Constituição Federal do Brasil, tal como sublinha Carlos Augusto Alcântara Machado (12):

(...) a Constituição Federal, efetivamente, consagrou a fraternidade c omo princípio-valor-categoria jurídica. Cabe-nos ser criativos para, dando aplicabilidade e eficácia à fraternidade, fazê-la força viva, não contribuindo para permanecer no texto, meramente como adorno, objeto de estéril contemplação. 

Está em nossas mãos essa busca para fazer a fraternidade força viva entre  nós e, quem sabe, tornar a sociedade e o mundo do trabalho mais humano e  igualitário.

Referências

(1) PRIORE, Mary Del. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2 000.

(2) PRIORE, 2000.

(3) FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras: riqueza e estigma social. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro. n. 9, 2000.

(4) HIRATA, Helena. Nova divisão Sexual do Trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. In: VASCONCELOS, Iana dos Santos. Mulher e mercado de trabalho no Brasil: notas de uma história em andamento. São Paulo: Bom tempo Editorial, 2002. Disponível em: https://revista.ufrr.br/examapaku/article/down-load/1497/1086). Acesso em: 14 maio 2021.

(5) PIOVESAN, Flávia [entrevistado]. Entrevista Programa Diálogo Hesketh. São Paulo: H Lettera, ano 4, n. 8, abril 2018. Disponível em: http://hesketh.com.br/newsletters/newsletter08/page07.html. Acesso em: 14 maio 2021.

(6) ROUBICEK, Marcelo. Desigualdade de gênero e raça: o perfil da pobreza na crise. São Paulo, Nexo Jornal, 25 abril 2021. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/25/Desigualdade-de-g%C3%Aanero-e-ra%C3%A7a-o-perfil-da-pobreza-na-crise. Acesso em: 17 maio 2021. 

(7) INSTITUTO DE PESQUISA ECÔNOMICA APLICADA (IPEA). Estudo do Ipea mostra que impacto da pandemia foi maior para trabalhadores jovens e menos escolarizados. Brasília, IPEA, 14 abril 2021. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&-view=article&id=37769&catid=3&Itemid=3#:~:text=-apesar%20da%20melhora%20no%20segundo,de%20trabalho%20brasileiro%20segue%20deteriorado.&-text=O%20documento%20da%20Carta%20de,masculino%20(11%2C9%25. Acesso em: 20 maio 2021.  

(8) CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Diagnóstico da participação feminina no  Poder Judiciário. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/05/cae277dd017bb4d4457755febf5eed9f.pdf. Acesso em: 17 maio 2021.  

(9) DIAS, Maria Berenice. A mulher e o Poder Judiciário. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 10 dez. 2008. Disponível em: http://investidura.com.br/biblio teca-juridica/artigos/judiciario/2229-a-mulher-e-o-poder-judiciario. Acesso em:19 maio 2021. 

(10) ONU MULHERES. Por um Planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela  igualdade de gênero. [Brasil?]: ONU Mulheres, [2015?]. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/planeta5050/#:~:text=Em%20apoio%20%C3%A0%20Agenda%202030,por%20mais%20de%2090%20pa%C3%ADses. Acesso em: 20 maio 2021. 

(11) Teoria do Brilho (Shine Theory), conceito extraído da seguinte reportagem: SHINE  THEORY: executivas se juntam nas empresas e redes sociais contra o machismo  e a invisibilidade feminina. São Paulo: Justiça de Saia, 28 março 2017. Disponível em: http://www.justicadesaia.com.br/shine-theory-executivas-se-juntam-nas-em-presas-e-redes-sociais-contra-o-machismo-e-a-invisibilidade-feminina/. Acesso em: 20 maio 2021.  

(12) MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade e o direito constitucional brasileiro: anotações sobre a incidência e aplicabilidade do princípio/valor fraternidade no direito constitucional brasileiro a partir da sua referência no preâmbulo da Constituição federal de 1988. In: PIERRE, Luiz A. A. et al. (Org.). A fraternidade como categoria jurídica. São Paulo: Cidade Nova, 2013.

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Fonte: Secom/TRT4
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