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Publicada em: 18/11/2021 09:54. Atualizada em: 18/11/2021 09:54.

ENTREVISTA: "A semente que plantamos deu certo e hoje é um baobá", declara Antônio Carlos Côrtes, um dos idealizadores do 20 de novembro

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Início do corpo da notícia.
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AntonioCortes (1).jpegNeste Mês da Consciência Negra, o TRT-RS entrevista o advogado e radialista Antônio Carlos Côrtes. Ele foi um dos fundadores do Grupo Palmares que, há 50 anos, idealizou e realizou a primeira celebração do 20 de novembro, em Porto Alegre. A data foi escolhida em alusão a Zumbi dos Palmares, como um símbolo para a valorização da cultura negra e a luta contra o racismo. O grupo também era formado por Oliveira Silveira, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes. 

Mais tarde, o 20 de novembro passou a ser referido como o Dia Nacional da Consciência Negra. Em 2003, A data foi incluída no calendário escolar pela Lei Federal 10.639, que também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira na rede de ensino. Em 2011, foi oficializada no calendário brasileiro pela Lei Federal 12.519. Atualmente, é feriado em cinco estados e mais de mil municípios, e tramitam projetos na Câmara dos Deputados para torná-la feriado nacional.

Antônio Carlos Côrtes possui uma trajetória ampla e marcante. Recebeu o título de Cidadão Émerito de Porto Alegre, em 2015, por suas contribuições para o desenvolvimento da cidade. Nesta entrevista, aos 72 anos de idade, ele fala sobre suas origens, a escolha da advocacia, a militância na pauta racial e a carreira no rádio, onde se destacou nas coberturas do carnaval da capital gaúcha. 

A entrevista foi sugerida pelo Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-RS e realizada pela Secretaria de Comunicação Social.  

O senhor nasceu em Porto Alegre e viveu em diferentes bairros da cidade desde a infância. Como foi esse período de formação? A consciência da discriminação racial despertou cedo em sua vida? 

Eu nasci em Porto Alegre, na Colônia Africana - Rua Larga, hoje Santa Cecília. Depois, ainda muito pequeno, em face do dardejar da especulação imobiliária, meus pais se mudaram para a Vila Bom Jesus. Mais tarde, para o Morro do Menino Deus, na Rua Dona Gabriela, 143, e, finalmente, para o centro de Porto Alegre, na Rua dos Andradas, 849. 

Trago comigo todos estes bairros, especialmente como observador da desigualdade social. Despertar, sempre procurei ficar perto do dez: exercer com qualidade todas as minhas atividades. Na adolescência e na juventude, ouvia meu pai Egydio recomendar a mim e a meus irmãos: "Ao sair à rua, levem os documentos". Sabia ele que a discriminação era um punhal contra os negros.

Por que o senhor escolheu o curso de Direito e a carreira da advocacia? 

Escolhi o Direito inspirado na luta dos doutores Carlos da Silva Santos e Alceu Collares, que, modéstia à parte, dei seguimento até hoje. A ponto de ser entrevistado aqui.

Qual foi a inspiração para o surgimento do Grupo Palmares? Qual era o principal objetivo dos fundadores e como as reuniões aconteciam? 

O Grupo Palmares surgiu da nossa indignação com a Lei Áurea, que só trazia esses dois artigos: "Art 1º: Fica abolida a escravidão no Brasil" e "Art.2º: Revogam-se as disposições em contrário". Nada mais dizia sobre o que seria feito aos negros que até então haviam construído esta nação. Nosso objetivo era dizer "não" ao 13 de maio e "sim" ao 20 de novembro de Zumbi dos Palmares.

A primeira reunião foi na Rua Tomás Flores, 303, na casa do professor José Maria, sogro de Oliveira da Silveira, componente do grupo. A segunda reunião foi na casa de meus pais, na Rua dos Andradas, 849, momento em que foi escolhido o nome de Palmares. 

Por que vocês escolheram Zumbi dos Palmares e a data de sua morte como um símbolo para a luta do movimento negro? 

Na realidade, tentávamos descobrir a data do nascimento de Zumbi. Como não foi possível, eu encontrei, na obra "O Quilombo de Palmares", de Edison Carneiro, a data de sua morte: 20 de novembro de 1695, a qual adotamos. Escolhemos Zumbi porque, na referida obra, o identificamos como uma liderança do Quilombo de Palmares, local de resistência à escravidão. 

O Grupo Palmares foi criado no período mais rígido da ditadura militar, cerca de três anos após a promulgação do AI-5. Vocês sofreram algum tipo de repressão do regime?  

Sofremos, sim, com o AI-5. Fui chamado a depor junto com Oliveira da Silveira na Polícia Federal, para explicar sobre o grupo. Sabia que éramos vigiados o tempo todo. 

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Primeiro ato alusivo ao 20 de novembro, em 1971

Em 2021, completam-se 50 anos da primeira celebração do 20 de novembro, realizada pelo Grupo Palmares no Clube Marcílio Dias, no bairro Menino Deus. Quais são as lembranças que o senhor tem desse momento histórico?  

A lembrança dos 50 anos vem com a dor da perda da maioria dos fundadores do grupo, que fez um trabalho plural e coletivo. Éramos seis. Ainda estão vivos José Antonio dos Santos, Luiz Paulo Assis Santos e eu, Antônio Carlos Côrtes. Os dois primeiros ficaram ocultos por estratégia, pois, se algo acontecesse com os demais, eles dariam seguimento. Os falecidos são Oliveira da Silveira, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes. A semente que plantamos deu certo e hoje é um baobá.

Neste ano, também celebramos os 80 anos de nascimento do poeta e intelectual Oliveira Silveira, um dos maiores nomes da literatura brasileira e uma referência para a militância negra. Como foi sua convivência com ele e como o senhor avalia o legado de sua vida e obra? 

Oliveira era calmo, culto e triste por não receber apoio para suas publicações. Grande caráter. O Brasil não o reconheceu em vida, isto me deixa triste. A obra dele é fantástica e profunda. Merece não só ser lida, mas estudada.

Na década de 70, o senhor presidiu a Sociedade Floresta Aurora, tradicional clube de negros de Porto Alegre, fundado na época da escravidão. Qual é a importância histórica dessas associações para a população negra?  

Presidi a Sociedade Floresta Aurora com 26 anos. Entidade fundada por negros forros em 1872, para dar enterro decente aos negros pobres. As sociedades negras são os Quilombos de hoje, assim como as Escolas de Samba e as Casas de Matriz Africana.

Sua vasta trajetória também abrange a atuação como radialista, com destaque para as coberturas do carnaval de Porto Alegre. Quando surgiu o seu interesse pelo carnaval e que significado o senhor atribui a esta celebração?

Fui ser radialista com atuação também no carnaval por cansar de ver colegas não-negros nas rádios e nas TV vilipendiarem nossa cultura sagrada. Um exercício da parentalidade, que é construída pela aprendizagem. É um orgulho ter a auto-estima em alta, considerando que no geral é baixa a estima do povo brasileiro.

O carnaval é o agente da cidadania, e não objeto. Como tal, é acolhedor irrestrito. A aprendizagem se dá pela oralidade. Busca o prazer, o deleite, a diversão, mas sobretudo a propagação da cultura pelo entretenimento. 

Quem observa o carnaval pela telinha da televisão ou mesmo na avenida não imagina o que o antecede. O bastidor em termos do trabalho nas oficinas de arte por meio de ferreiros, carpinteiros, marceneiros, aderecistas, alegoristas, figurinistas, pintores, bordadeiras, desenhistas, costureiras, iluminadores, sapateiros, soldadores, eletricistas, escultores de isopor e de espuma, chapeleiros, secretárias, telefonistas, grafiteiros, engenheiros e arquitetos. Sem contar cozinheiras e auxiliares de serviços gerais. Nas quadras (lugar de ensaio), há bilheteiros, seguranças, garçons, copeiros, cantores, instrumentistas e recepcionistas. Para construir esta cidade de sonhos, milhares de pessoas são empregadas.

Os dados da cidade de São Paulo dão conta de que o carnaval gera de 16 a 21 mil empregos diretos. Em Salvador, foram criados, no ano passado, 122 mil empregos por meio do carnaval. Na Grande Porto Alegre, possuímos no mínimo 10 mil empregos diretos e indiretos. No entorno, há bares, restaurantes, hotéis, táxis, ônibus, lotação, trens, postos de gasolina, borracharias, cujos empregos são mantidos em decorrência do evento carnaval. 

Logo, deve-se louvar as iniciativas públicas e privadas que investem no carnaval. Este lado social é pouco divulgado na mídia.

A atuação do Grupo Palmares e o debate sobre o dia 20 de novembro tiveram um grande impacto na luta e nas conquistas da população negra. Atualmente, quais são os avanços que o senhor mais almeja na pauta racial e de que forma acredita que eles podem ser alcançados? 

O Grupo Palmares é o precursor da Lei 10.639/2003, que prevê o ensino da Cultura da África no Brasil, bem como a própria história negra em nosso país. Já lutávamos por leis de políticas afirmativas e para denunciar a violência policial contra os negros. Atualmente, peço que o Estatuto da Igualdade Racial seja cumprido.

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Fonte: texto de Guilherme Villa Verde (Secom/TRT-RS), fotos de Lourdes Helena de Jesus da Rosa e do livro Educação e Ações Afirmativas
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