“Vejo no futuro um Direito do Trabalho redesenhado, mas com seus princípios intactos”, diz presidente Carmen Gonzalez em congresso da Fecomércio

A Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) realiza em Torres, até sábado (23), o 5º Congresso de Relações Sindicais e do Trabalho. O evento foi aberto na noite de quinta-feira (21), com uma palestra da presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), desembargadora Carmen Izabel Centena Gonzalez. A magistrada falou sobre o futuro do trabalho e da Justiça do Trabalho. “São duas indagações que estão intimamente ligadas. Antecipo que não tenho respostas, mas algumas ponderações”, disse ela, logo no início da fala.
Conforme a desembargadora, as modificações no mundo do trabalho são perceptíveis no nosso dia a dia. As plataformas digitais conectam prestadores de serviços e consumidores diretamente. Fala-se na indústria 4.0, ou mesmo 5.0. Inúmeras profissões desapareceram e novas estão surgindo. “A relação de emprego, como conhecemos, acabará?”, questionou Carmen, que logo respondeu: “Isso só o tempo dirá. Mas há algo que jamais poderemos esquecer: a prestação do trabalho é indissociável do ser humano que o presta. Essa centralidade do ser humano não pode ser olvidada”.
A magistrada lembrou que não se pode pensar no trabalho como uma mercadoria, um mero custo de produção. “Há, na pessoa que o presta, uma natural dignidade que precisa ser considerada. E isso, senhoras e senhores, é o cerne do Direito do Trabalho, aplicável a toda e qualquer relação de trabalho. Não importa o tipo de relação trabalhista, deve ser garantido um mínimo digno de existência aos trabalhadores”, salientou.

Na segunda parte da palestra, a presidente falou sobre a atuação da Justiça do Trabalho. Destacou que uma estrutura judiciária própria para julgar a matéria não existe apenas no Brasil, mas também em diversos países, como Alemanha, Espanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. “E mais, jurisdição trabalhista especial há em praticamente todos os países civilizados, inclusive nos Estados Unidos, embora a lenda urbana diga que não existe na maior economia mundial e que no Brasil seria uma espécie própria, como a jaboticaba”, acrescentou.
A presidente informou que, no ano de 2020, em plena pandemia, a Justiça do Trabalho brasileira recebeu quase 3 milhões de processos novos. Só no Rio Grande do Sul foram quase 226 mil novos processos. Explicou que o norte da instituição é buscar, se possível, a solução dos conflitos por meio do acordo.
A magistrada também chamou atenção para o equilíbrio nas decisões. Não há, segundo ela, favorecimento apenas de uma parte, como às vezes se alardeia. E demonstrou essa realidade com números: em 2020, 10% dos processos solucionados foram totalmente improcedentes, com nenhum pedido acolhido; 31% foram julgados parcialmente procedentes; e somente 8% totalmente procedentes. Os demais foram solucionados por acordo. “Esses dados demonstram que a Justiça do Trabalho está, na verdade, em busca da verdadeira justiça, isto é, cuidando de deferir a cada um o que é seu, garantindo a centralidade do ser humano que trabalha”, comentou.

Por fim, a presidente destacou as vantagens de se ter uma justiça especializada, com magistrados e servidores altamente especializados e capacitados no ramo do Direito do Trabalho. “A ciência do Direito é por demais ampla, e a especialização é uma tendência. Não por mero capricho, mas porque a nossa legislação é de tal modo complexa que essa é a única forma efetiva de compreender os mais diversos ramos do Direito”, explicou.
Para a desembargadora, não é possível imaginar uma Justiça do Trabalho muito diferente ou menor que a de hoje. “Ao contrário, vejo uma Justiça do Trabalho cada vez mais atuante na garantia da dignidade da pessoa humana, e que tem solucionado não apenas conflitos individuais mas coletivos, evitando greves e paralisações. Vejo no futuro um direito do trabalho redesenhado, mas, ainda assim, com seus princípios intactos”, declarou.
Ao final, Carmen afirmou que é plenamente possível empreender e, ao mesmo tempo, garantir empregos dignos, com salários justos. A solução, segundo ela, está na gestão eficiente, e não na desregulamentação. “Precisamos do apoio da classe trabalhadora e da classe patronal para que a Justiça do Trabalho continue cada vez mais sendo chamada para resolver os conflitos entre o capital e o trabalho, sempre respeitando as partes e procurando a melhor solução para os impasses, porquanto temos verdadeira vocação para resolvê-los”, concluiu.