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Publicada em: 30/07/2021 15:06. Atualizada em: 30/07/2021 16:06.

ENTREVISTA: “Por que amar é tão violento para as outras pessoas?”, questiona a servidora Luciana Krumenauer Silva, ativista bissexual e sindicalista

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parada livre - capa - SITE.jpgLuciana Krumenauer Silva tem 49 anos, nasceu em Santiago, na Região Central do Estado, passou a infância em Palmeira das Missões e, após, viveu em São Francisco de Paula, na Serra Gaúcha, até a adolescência. Posteriormente, veio para Porto Alegre, onde mora até hoje. É mãe de Andréia, de 19 anos, e de Henrique, de 17.

É servidora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região desde 2001. Até 2018, trabalhou no TRF4 e hoje trabalha no setor de Folha de Pagamento da Justiça Federal do RS. Formada em Ciências Atuariais pela UFRGS, em 1996, também cursou MBA em Gestão de Entidades Fechadas de Previdência Complementar, pela ESPM. Integra a gestão 2019/2022 do Sintrajufe/RS, como diretora na Secretaria de Administração, Finanças e Patrimônio.

Ela conta que adora cálculos, viajar com a sua Kombi e fazer jardinagem no sítio onde mora, na Zona Sul de Porto Alegre, além de amar bares e sinuca, sempre com amigues (Luciana utilizou linguagem neutra ao longo da entrevista).

A compreensão de sua bissexualidade se deu a partir dos 40 anos. É militante não apenas da causa LGBTQIA+, mas também do movimento feminista. Faz parte do Coletivo de Diversidade do Judiciário e do Núcleo de Diversidade Sexual – Nuds do Sintrajufe/RS. Em 2015 iniciou no ativismo feminista, participando da Marcha Mundial de Mulheres, movimento 8M-Greve Internacional das Mulheres e luta por pautas como a legalização do aborto. Desde 2018, está na organização da Parada Livre de Porto Alegre.

Luciana resume os anseios, pautas e a busca pela consolidação de direitos da comunidade LGBT em uma frase: “Nos deixem viver, é só isso que queremos!”.

Quando você passou a se entender como bissexual?

Como morei e me criei no interior do Rio Grande Sul, é tudo muito mais conservador. Então eu não tive muito contato com a diversidade, nunca foi uma coisa que para mim fosse clara. A primeira vez que vi duas mulheres se beijando eu tinha uns 12 anos, foi uma vez que vim a Porto Alegre. Fiquei um pouco chocada, contudo despertou a curiosidade.

Fui casada durante 20 anos com um homem, portanto, um relacionamento heterossexual e monogâmico tradicional. Depois que eu me separei, comecei a criar novos contatos, novos círculos de amigos e isso tornou mais tranquilo viver a sexualidade.  Em 2013 eu tive meu primeiro relacionamento com uma mulher, inclusive meu segundo casamento foi com ela.

E para eu me entender mesmo não foi tão simples. Fiquei na dúvida: será que eu sou lésbica?

Hoje vejo que a sexualidade é ampla, é se relacionar com as pessoas, não apenas pela genitália. E a gente vai ficando mais madura, vai tendo mais liberdade e aceitação quanto ao corpo, vida estruturada, estabilizada, por isso que foi mais tranquilo exercer a minha sexualidade de forma plena.

Foi uma libertação, de vida, de me entender como mulher. Não é uma escolha, é algo que quando a gente vê, está ali. Na vida não se deve parar, devemos estar sempre fazendo descobertas e entendendo as pessoas; porque isso perpassa por várias pautas, diversos preconceitos que existem na sociedade e que trazemos dentro da gente desde que nascemos.

filhos - editada.jpgVocê tem uma filha e um filho que eram adolescentes na época em que você se entendeu como bissexual. Como eles e a sua família receberam a notícia?

Não vou dizer que foi super  tranquilo. "Ah, vou sair com uma mulher". Não! Eu tenho dois filhos e então foi um pouco complicado para eu falar "estou em um relacionamento com uma mulher".  Levei um ano para conseguir contar à minha filha e ao meu filho.  Nunca foi um problema para eles. O maior problema foi não ter falado antes. Eles ficaram muito chateados: ‘Por que tu não falou?’.  A gente tem mais é o receio do preconceito que eles sofreriam na escola tendo uma mãe com um relacionamento com outra mulher.

 É mais difícil com a família do que com o resto, porque dela esperamos aceitação. Eu não me pauto por isso, mas é claro que sinto porque gosto de estar com ela.

Outro fato relevante é que quando a gente viajava para o interior sentava longe, principalmente quando saía com as crianças. É uma forma de proteção. Isso tem e faz parte do machismo mesmo. É LGBTfobia? Sim, é. Mas a LGBTfobia é machista.

O que facilita para eu não sofrer tanto preconceito? O fato de eu ser uma mulher cisgênero branca, ter um estereótipo feminino, dentro dos padrões que nos impõem, isso deixa mais fácil circular pelos lugares.

Há uma dificuldade maior em ser bissexual do que ser lésbica ou gay?

Sim, estamos sempre sendo questionadas. O próprio movimento não consegue lidar bem com a bissexualidade. Há um preconceito e as pessoas dizem ‘ah, tu é indecisa’. Existe bifobia muito grande até nos relacionamentos. Quando tu começas a ter um relacionamento com homens é mais difícil, é complicadíssimo, porque aí vem a fetichização.

Eu sou ativista, consigo conversar e compreender de onde vem a bifobia. Contudo é muito chato, tu tens que estar o tempo todo te reafirmando. Isto é, se eu estou em um relacionamento exclusivo com um homem ou com uma mulher, eu não deixo de ser bissexual.

Na sociedade, se tu és bissexual tu és tachada de promíscua, de indecisa, vetor de IST, como se isso fosse algo ruim. É uma visão muito limitada. Nada deveria impedir as pessoas de se relacionar com quem elas quiserem.

Você viveu o processo mais tardiamente. Mesmo assim, passou por algum tipo de pressão ou sentimentos de confusão ou culpa?

Não passei por fases comuns aos mais jovens, quando dizem "isso vai passar, é só uma fase". Pelo contrário, com a minha filha e o meu filho, tive conversas no sentido de deixar eles se permitirem e entenderem o que está acontecendo com eles mesmos. Disse ‘conheçam as pessoas, entendam o que vocês têm de desejos’. Então, eles têm essa liberdade. Eu quero que eles tenham uma vida mais tranquila nessa parte amorosa e de relacionamento, e que eles tenham mais segurança com o que eles querem da vida. Sem culpa.

Houve ou ainda há perguntas que te incomodam?

A pergunta que mais me incomoda é o que eu prefiro, se gosto mais de homem ou de mulher. Cansa!!  Portanto respondo: “Prefiro bolo de laranja, de preferência com pouco açúcar”.

sem vergonha.jpgVocê começou no ativismo há mais de 10 anos. No seu entendimento, estamos passando por um momento de preconceitos mais aflorados ou sempre fomos uma sociedade preconceituosa?

A sociedade sempre foi preconceituosa. Ela só estava silenciada, os conservadores estavam conseguindo conviver com a diferença. Conseguíamos falar sem medo. Quando eu comecei, a luta já existia, já tinha uma facilidade de entrada e de militância, tínhamos um governo melhor.

Eu tenho muito mais medo de me colocar como militante LGBT agora, porque temos governantes que deram aval para as pessoas exporem aquilo de mais conservador e mais preconceituoso que existe. Porque tudo aquilo que se mostra diferente, as pessoas têm medo, e a reação é "vamos acabar com isso".

Isso me incomoda. As pessoas trans sentem um medo diário, vivem com medo. Eu tenho amigos e amigas trans e quando saímos juntes precisamos estar sempre alertas. Isso é desde sempre, mas agora está mais evidente por causa do aval: "pode matar porque não vai acontecer nada contigo!" Se sentem encorajados, é muito triste e horrível.

O que você pensa que pode ser o resultado desse momento de mais preconceito por uma parte da sociedade, mas que ao mesmo tempo vem revelando jovens que tratam esses temas com mais naturalidade?

O movimento vem mais forte. Uso o clichê de que para toda ação vem a reação. E, portanto, a juventude faz o enfrentamento, pois eles não querem mais voltar para os seus armários. Ninguém vai voltar.

A militância e as lutas para conquista de direitos não são de hoje, vêm de décadas. Então, os movimentos são e estão muito mais organizados e articulados, tanto em nível local como nacional e, por óbvio, internacional. 

O preconceito sempre existiu. Logo, a luta nunca foi fácil, estamos é passando por mais um momento de dificuldade. E, claro, sempre procurando o respeito de todes.

As publicações sobre bissexualidade afirmam que o grupo é maioria dentro da comunidade LGBT, mas é muito difícil conhecer alguém bissexual, inclusive os chamam de “a maioria invisível”. Isso é verdade? E nesse caso, a que você atribui essa invisibilidade bi?

Não sei se somos maioria, contudo a invisibilidade acontece muito porque a identificação não é visual. Se tu estás com uma mulher, te leem como lésbica; se tu estás com um homem, dizem que tu és hétero. Ninguém sai com uma bandeira, nem é isso que quero.

Há o estigma e preconceito de ser bissexual. Não são todas as pessoas que têm isso aqui já grudado na roupa (faz referência ao broche com a bandeira símbolo da bissexualidade) ou uma bandeira. Qualquer reunião que faço já tem essa bandeira aqui atrás. Porque a bissexualidade realmente é difícil de identificar. Então eu uso a bandeira porque eu acho que é importante para que outras pessoas saibam que existimos e que está tudo bem!

Inclusive, a gente é apagada em consultas psicológicas. É como se fosse um desvio, uma pessoa indecisa ou bipolar. Conseguimos agora, junto ao Conselho Federal de Psicologia, pautar a criação de uma resolução orientando os atendimentos para que tenham o entendimento da bissexualidade. Não tratar a bissexualidade, mas entendê-la como ela é.

aborto.jpgComo é a relação entre o ativismo LGBT e feminista?

É muito bom. Às vezes há divergências, mas eu digo que é uma evolução. Conseguimos levar as pautas do movimento LGBT para dentro do movimento feminista. Por exemplo, na Marcha Mundial de Mulheres não existia o debate sobre as lésbicas. Mas aí a gente traz essas pautas e consegue discutir o movimento com os temas do feminismo, bissexuais e lésbicas.

O grupo tem representação legislativa na tua cidade, no Estado ou no país?

Assumidamente não temos essa representação. Nós tínhamos a Marielle, que era uma mulher, bissexual, com projeção nacional. Ela era vista como uma lésbica, mas ela mesmo se colocava como bissexual e a gente conseguiu com isso uma visibilidade. Ela é uma referência importante.

Há o Senalesbi -  Seminário Nacional de Lésbicas, Bissexuais e mulheres Trans, que é um encontro nacional a cada dois anos. E nesse seminário a gente consegue organizar a luta que nos unifica para inclusive pautar as políticas públicas, com mulheres do Brasil inteiro. Já aconteceram 10 edições, inclusive em 2014 foi em Porto Alegre.

Qual seria a maior pauta, a mais desejada, a prioridade para os bissexuais?

Para mim sempre é o respeito, seria o mínimo, o básico. Deixa a gente viver! Viva! Eu não quero te incomodar. Quem és tu para ficar querendo invadir meu corpo, minha intimidade? Eu não questiono tua heterossexualidade. Por que tu questionas minha bissexualidade? Eu estou te prejudicando?

Por que amar é tão violento para as outras pessoas? Acho que se eu andar armada eu vou ser menos julgada do que se eu sair abraçada com uma mulher ou um homem. Portanto, como ativista bissexual, sempre que possível digo a quem está na minha volta: "as pessoas têm que poder ser quem elas são. Vão atrás do que vocês querem, não se importem com o resto!". 

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Fonte: Sâmia de Christo Garcia (Secom/TRT4).
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