Obrigação de notificar acidentes e adoecimentos do trabalho é tema de audiência pública no TRT-RS
Uma audiência coletiva abordou o tema das notificações compulsórias de acidentes e adoecimentos do trabalho, nessa quinta-feira (6/6), no Plenário Milton Varela Dutra do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS). O evento foi dirigido a representantes de estabelecimento de saúde públicos e privados de Porto Alegre. Também foram convidadas entidades e sindicatos relacionados com o tema. A audiência pública foi promovida pelo Programa Trabalho Seguro do TRT-RS, em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT), no âmbito do Projeto Verdade na Saúde, com o apoio técnico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, por meio do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest).
Na abertura do evento, a presidente do TRT-RS, desembargadora Vania Cunha Mattos, observou que o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho. A magistrada citou dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do MPT, que aponta que 4,7 milhões de acidentes de trabalho foram registrados no país desde 2012.
A presidente ressaltou que as notificações por acidentes de trabalho são obrigatórias por exigência legal, mas que em muitos casos elas não ocorrem, gerando as chamadas “subnotificações”, o que dificulta a elaboração de políticas públicas de prevenção. “Há de se preservar a vida e saúde humana do trabalhador, para que tenha uma vida produtiva, razão pela qual é importantíssima a campanha de prevenção, esclarecimento e treinamento de toda a sociedade para que essas nefastas estatísticas sejam revertidas”, declarou.
O representante da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), diretor Thômaz Nunnenkamp, elogiou a iniciativa da audiência pública e afirmou que, além de os acidentes serem um grave problema pela perda de capacidade laboral, pelo tempo de afastamento dos trabalhadores, ou até mesmo pela morte, eles também geram um impacto econômico negativo para os empregadores. Thômaz Nunnenkamp acrescentou que o debate sobre o tema deve ter a participação de todos os atores envolvidos, e ponderou que os trabalhadores também precisam tomar mais consciência sobre o assunto, por exemplo, seguindo os treinamentos e utilizando os equipamentos de proteção individual (EPI) oferecidos. “A indústria do RS é parceira no sentido de buscar soluções para essa chaga que é o acidente de trabalho”, declarou.
O procurador-chefe do MPT, Victor Hugo Laitano, observou que as políticas públicas sobre a segurança do cidadão são orientadas pelas estatísticas e destacou que, na área do trabalho, o problema da subnotificação é grave. “Precisamos buscar a prevenção dos acidentes de trabalho a partir dos dados estatísticos. Por isso o projeto Verdade na Saúde, conduzido pelos procuradores Rogério Fleischmann e Priscila Schvarcz, é muito importante. Precisamos promover a conscientização e buscar parcerias para se eliminar a subnotificação, buscando-se um diagnóstico completo e, a partir dele, prevenir”, afirmou.
O coordenador-geral de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde de Porto Alegre, Anderson Lima, explicou que o objetivo do modelo da vigilância em saúde no país é atuar sobre as condições sanitárias, epidemiológicas, ambientais e da saúde do trabalhador, de forma a evitar que as pessoas adoeçam. Conforme Anderson, o modelo anterior de saúde, que era hospitalocêntrico e tratava as pessoas apenas quando elas ficavam doentes, é fadado ao fracasso. Anderson Lima elogiou os projetos desenvolvidos pelo MPT, em especial o desenvolvimento de um software, em conjunto com a Secretaria de Saúde, que pretende facilitar a realização de notificações de acidentes de trabalho. “Se tivermos êxito, em pouco tempo estaremos com números mais próximos da situação real e conseguiremos realizar nosso objetivo, que é a prevenção e a promoção de saúde para todos”, declarou, .
Números de notificações não representam a realidade
A procuradora do Trabalho Priscila Schvarcz e o procurador Rogério Fleischmann falaram sobre o Projeto Verdade na Saúde, do MPT, que busca diminuir o número de subnotificações de acidentes e adoecimentos do trabalho. Conforme Priscila, a partir de diversas diligências feitas pelo MPT, verificou-se que há uma incompatibilidade de dados entre o número de atendimentos de saúde relacionados a acidentes e doenças laborais e as notificações realizadas sobre esses casos.
Priscila Schvarcz apresentou alguns números que demonstram a gravidade do problema da subnotificação de acidentes e adoecimentos de trabalho no país. Entre eles, a procuradora mencionou um estudo comparativo entre os números levantados pela pesquisa nacional de saúde realizada pelo IBGE em 2013, mediante a visita a domicílio, e os números que efetivamente constavam na base de dados do INSS. “A partir dessa comparação percebeu-se que no Brasil há uma razão de subnotificação de sete vezes. Ou seja, para cada acidente que é notificado, na realidade ocorrem sete acidentes de trabalho”, observou.
O procurador Rogério Fleischmann mencionou um diagnóstico realizado pelo MPT sobre o número de óbitos decorrentes de relações de trabalho em 2016. “No Rio Grando do Sul, em 2016, morreram 386 trabalhadores por acidentes típicos de trabalho, mas foram emitidas somente 139 CATs de óbitos. Chegamos a esse resultados porque fomos além das CATs e pesquisamos em outros bancos de dados, como os da polícia civil, mas principalmente os dos sistemas de saúde”, mencionou o procurador. “Mas como nós vamos modificar essa realidade sem um diagnóstico mais preciso em relação a esses números?”, questionou Rogério, reforçando a necessidade do cumprimento da legislação pelos empregadores e pelos estabelecimentos de saúde.
Ao longo de suas falas, os procuradores ressaltaram que os estabelecimentos de saúde, públicos e particulares, têm a obrigação legal de investigar e realizar as notificações das ocorrências de agravos à saúde do trabalhador decorrentes da relação de trabalho. Os palestrantes observaram que os casos que devem ser notificados pelos estabelecimentos de saúde são mais abrangentes do que aqueles registrados na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), realizadas pelos empregadores. Enquanto as CATs limitam-se ao registro de acidentes e adoecimentos ocorridos em relações de emprego, as notificações nos sistemas de saúde também devem incluir os casos de servidores públicos, autônomos, trabalhadores não remunerados, cooperados, aprendizes, estagiários, desempregados, aposentados ou qualquer outra forma de ocupação. De acordo com o tipo de agravo à saúde do trabalhador, a notificação será registrada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), de âmbito nacional, ou no Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador (Sist), que é estadual. “Não se exige diagnóstico conclusivo, basta a evidência sugestiva da ocorrência de acidente de trabalho para haver a obrigatoriedade de notificação”, ressaltou a procuradora Priscila Schvarcz. A procuradora também observou que, nos casos de agravos à saúde de trabalhadores que estão em uma relação de emprego, devem ser feitos os dois registros: a emissão da CAT e a notificação nos sistemas de saúde. “A lei diz que, na falta da comunicação por parte da empresa, a CAT pode ser formalizada pelo próprio acidentado, a entidade sindical competente, o médico que assistiu o trabalhador ou qualquer autoridade pública”, acrescentou.
Como fazer a notificação nos estabelecimentos de saúde
A coordenadora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Porto Alegre, Fabiana Hermes Suprinyak, apresentou detalhes do funcionamento das notificações de acidentes e adoecimentos de trabalho nos sistemas de saúde. As fichas de notificação devem ser preenchidas nos estabelecimentos de saúde e enviadas para a Diretoria Geral de Vigilância em Saúde (Av. Padre Cacique, 372, 4º Andar, Praia de Belas), ou para o e-mail crst@sms.prefpoa.com.br, digitalizadas em boa qualidade. Os modelos das fichas e os protocolos sobre o preenchimento podem ser acessados no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, no menu Secretarias/Saúde/Saúde do Trabalhador/Vigilância da Saúde do Trabalhador/Fichas e Protocolos. Mais informações podem ser obtidas junto ao Cerest Porto Alegre pelo e-mail crst@sms.prefpoa.com.br ou pelo telefone (51) 3289-2939.
Ao final do evento, foi realizado um debate com o público, mediado pelos gestores regionais do Programa Trabalho Seguro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), desembargador Emílio Papaléo Zin e juiz Marcelo Silva Porto. A mesa de abertura da audiência coletiva também contou com a presença do vice-presidente do TRT-RS, desembargador Ricardo Carvalho Fraga.