Artigo: "Ubuntu, mulher!", da juíza Carolina Gralha
Ubuntu é uma palavra de origem africana de muitas interpretações, entre elas, a de “sou quem sou, porque somos todos nós”. Aprendi essa palavra e sua literal tradução no Cozinheiros do Bem, coordenado por Julio Ritta, projeto no qual me engajei.
O Cozinheiros combate a fome e a desigualdade com muito amor e dedicação de voluntários ao distribuir almoço sem custo à comunidade carente, todos os sábados. Nas manhãs ensolaradas deste verão, observei mulheres e homens doando-se para servirem não apenas comida, mas, também, atenção e um olhar especial para quem a vida deu as costas.
Estou falando de solidariedade e empatia e, não por coincidência, exatamente no mês da mulher. Mulher que, mesmo após tantas conquistas, ainda luta contra o preconceito, a desigualdade, o assédio e até contra a morte, já que o Brasil figura em 5º lugar no mundo na taxa de feminicídio.
As estatísticas do ano de 2018 são frias e não têm nomes, mas precisam ser citadas: 117 mulheres foram mortas no Rio Grande do Sul (com a tipificação no feminicídio), 21.815 mulheres sofreram lesões corporais e 1.712 foram estupradas. Números oficiais que não contam as histórias e os dramas velados de tantas outras mulheres que temem denunciar.
Neste momento – não tão mais “momento” – em que os extremos vociferam ódio e desumanidade, o conceito de solidariedade tem que fazer a diferença. Solidariedade inclusive (e principalmente) entre as mulheres para que, mesmo quem não sofra aquelas dores, saiba ouvir sem julgamentos e acolher pelo simples fato de se reconhecer no olhar, se reconhecer no invisível trabalho diário que todas nós temos.
Se a vida virou as costas para essas mulheres, devemos nós dar o apoio e a estrutura necessária para que possam ressurgir engrandecidas e com todo o brilho – mesmo que tenham tentado apagá-lo.
Com todas as minhas atribuições e papéis sinto que o peso das responsabilidades diminui quando me reconheço ou sou reconhecida pelo olhar de outra mulher. Faça isso também.
E, em uma licença poética, invoco o ubuntu: “sou o que sou, porque somos TODAS nós”.
Carolina Gralha é presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV).