ABRIL VERDE: As particularidades de acidentes e doenças do trabalho nas atividades portuárias e de pesca em Rio Grande
Ao longo do “Abril Verde”, movimento que promove a segurança e a saúde no trabalho em todo o Brasil, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) vai abordar as particularidades dos casos de acidentes e doenças laborais que chegam à Justiça em algumas regiões do Estado. Foram escolhidas cidades nas quais predominam diferentes setores econômicos, de forma que seja possível relacionar as características dos casos com as atividades preponderantes da região.
A série começa em Rio Grande, município localizado no Litoral Sul gaúcho, a 318 quilômetros de Porto Alegre. A região possui o quarto maior porto brasileiro em termos de movimentação de cargas e sedia um polo naval com estaleiros que constroem plataformas para a Petrobras. O polo viveu seu auge em 2014, quando chegou a ter cerca 24 mil de empregos diretos. As operações foram perdendo força nos últimos anos, mas algumas se mantêm.
Por conta do porto, do polo naval e da pesca, é natural que os juízes e servidores do Foro Trabalhista de Rio Grande se deparem com casos de acidentes e doenças envolvendo trabalhadores dessas atividades. Conforme a juíza Simone Silva Ruas, titular da 1ª Vara do Trabalho local, os aquaviários (que navegam pelo mar), os portuários e os operários da construção naval sofrem, em geral, diferentes tipos de ocorrência. A magistrada também lembra das tarefeiras de pescado e dos operadores de logística terrestre, outros grupos de presença importante na região, também acometidos por acidentes e doenças do trabalho.
Entre os aquaviários acontece o caso mais grave de todos: o naufrágio da embarcação, com trabalhadores caindo ao mar, muitas vezes morrendo afogados. Entre as ocorrências mais recentes, teve ampla repercussão na imprensa o afundamento da embarcação Dom Manoel XVI, em 11 de agosto de 2017, quando sete tripulantes perderam a vida. As ações trabalhistas referentes ao caso já chegaram ao Foro e estão em fase de audiências iniciais. As famílias reivindicam reparação por danos morais e materiais pela perda dos parentes.
Outro processo, ajuizado na 1ª Vara do Trabalho, trata de um mestre de embarcação que morreu em naufrágio em agosto de 2009, no litoral do Espírito Santo. A investigação da Capitania dos Portos apontou que a embarcação oriunda de Rio Grande tinha condições adequadas de segurança e virou por causa de um temporal. Mesmo assim, a empresa pesqueira foi condenada por meio da responsabilidade objetiva, ou seja, pelos riscos inerentes à atividade em alto-mar aos os quais o empregado estava submetido. A viúva e dois filhos do mestre de embarcação ganharam o direito de receber pensão por dano material, referente a 2/3 da remuneração do trabalhador, e indenização de R$ 50 mil para cada, por danos morais. A decisão da juíza substituta Carolina Toaldo Duarte da Silva Firpo foi confirmada pela 1º Turma do TRT-RS. Atualmente, o processo tramita no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Além dos naufrágios, destaca a juíza Simone, é comum aquaviários sofrerem quedas dentro das embarcações, causando lesões de diferentes gravidades.
Em relação à categoria dos portuários, a magistrada explica que esses profissionais atualmente utilizam maquinário de grande porte para a movimentação de cargas. Com isso, os riscos de lesões osteomusculares por esforço diminuíram, embora persista o risco de acidentes, inclusive graves. Em 2009, um portuário morreu esmagado por fardos de celulose no porão de um navio, enquanto marcava a carga para desembarque em diversos portos. O operador da ponte rolante, ao içar a carga, não percebeu que os fardos não estavam devidamente acondicionados. A viúva e a filha do trabalhador ajuizaram uma ação trabalhista. O juiz Roberto Teixeira Siegmann deferiu pensão mensal (com base na média da remuneração do empregado nos últimos três anos de atuação), a ser dividida por ambas, e indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil para cada uma. Com base nas provas, a magistrada concluiu que as reclamadas não zelaram pelas normas de saúde e segurança do trabalho. Foi constatada, por exemplo, a falta de comunicadores via rádio e de coletes refletivos ou fitas refletivas nos capacetes para facilitar a visualização entre eles – o acidente ocorreu à noite.
A juíza Simone acrescenta que entre os portuários há algumas ações diferentes e interessantes. Em uma delas, um trabalhador reivindica indenização por danos morais em decorrência de inadequação de medidas de segurança, saúde e conforto. Os réus são a Superintendência do Porto de Rio Grande e o OGMO (Órgão Gestor de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso do Porto de Rio Grande). No primeiro grau, a juíza Simone reconheceu irregularidades relacionadas à distância máxima entre o local das operações portuárias e as instalações sanitárias, à indisponibilidade de instalações sanitárias durante toda a jornada de trabalho, à precariedade no fornecimento de água potável aos trabalhadores e à insuficiência de assentos e espaço na sala de convivência para propiciar o adequado repouso e utilização como abrigo em caso de condições climáticas adversas. Assim, a magistrada condenou os réus ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10,00 por escalação (faina) para trabalho na área do Cais Público. As entidades recorreram e a 7ª Turma do TRT-RS manteve a decisão. O processo agora encontra-se no TST. Em outra ação, um portuário pediu indenização por danos morais pelo fato de o OGMO submeter trabalhadores a testes de bafômetro durante a jornada, por amostragem. O autor considerou a prática abusiva. A juíza Simone, em sentença proferida no último mês de março, negou o pedido. “A providência adotada pela reclamada é prática salutar que visa ampliar a proteção à segurança e à saúde do trabalhador, de modo que, diante do valor do bem que visa tutelar, o natural aborrecimento sentido pelos trabalhadores que se submetem aos exames é plenamente aceitável, não justificando o ressarcimento por danos extrapatrimoniais”, destaca a juíza na decisão. A magistrada também transcreveu parecer do Ministério Público do Trabalho, que atestou ser salutar a medida do OGMO, por visar à segurança dos trabalhadores.
Doenças laborais
Três categorias importantes na região de Rio Grande são mais afetadas por doenças laborais do que por acidentes típicos. Muitos operários da construção naval, que atuam no estaleiro e até o final de 2016 formavam o grupo mais numeroso de trabalhadores da região, alegam ter sido acometidos por problemas osteomusculares nos membros inferiores e superiores. “Nesta categoria, as alegações são no sentido de que as lesões são causadas por carregamentos com excesso de peso e movimentos repetitivos, além de trabalho em espaços confinados, onde o trabalhador permanece em posição forçada”, conta Simone. Em um processo trabalhista, um operário que desenvolveu lesão no joelho direito ganhou direito a indenização de R$ 10 mil. No segundo grau, a quantia foi reduzida para R$ 5 mil, em acórdão da 5ª Turma.
Outro grupo comumente afetado por doenças laborais é o de trabalhadores que movimentam mercadorias em operações logísticas terrestres, destinadas a trens ou caminhões. “Muitos carregam carga pesadas nas costas, causando lesões na coluna vertebral”, explica a juíza. Um trabalhador que transportava sacos de adubo de 50 kg da esteira até caminhões ou vagões de trem teve agravada uma lesão preexistente na coluna cervical, por conta da atividade. Em ação que já tramitou em segunda instância, ele ganhou direito a pensão mensal em parcela única (correspondente a 15,625% sobre a média dos ganhos nos cinco meses em que teve maior remuneração, a contar da data em que ajuizada a ação até completar 65 anos de idade) e a uma indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. O processo encontra-se no TST aguardando julgamento de recurso de revista.
O Foro Trabalhista de Rio Grande também já julgou muitos processos sobre lesões por esforços repetitivos que acometeram tarefeiras de pescado. Essas mulheres eram contratadas pela indústria da pesca de maneira avulsa. Quando chegavam as embarcações pesqueiras, elas limpavam e filetavam os peixes. A categoria era numerosa até 2010, aproximadamente, quando iniciou uma queda brusca na indústria desse segmento. “Chegaram muito casos de doenças ocupacionais dessas trabalhadoras. A atividade era artesanal, com muito esforço repetitivo. Como o pagamento era por produção, elas ainda aceleravam o ritmo para ganhar mais”, explica a titular da 1ª VT. Em uma ação trabalhista, foi reconhecido a uma tarefeira o direito a estabilidade acidentária. A perícia constatou que sua atividade contribuiu para o surgimento de uma bursite de ombro. O processo, que envolvia reconhecimento de vínculo de emprego e outras verbas, já foi arquivado.
De acordo com a juíza Simone, as Varas do Trabalho de Rio Grande também recebem processos sobre acidentes e doenças de trabalho de outras categorias não relacionadas às atividades portuárias e de pesca. A magistrada destaca que ultimamente têm chegado muitos processos de trabalhadores do transporte coletivo que sofrem de transtornos mentais causados por sucessivos assaltos durante a jornada.
Para Simone, em geral as empresas da região precisam aprimorar muito as medidas de prevenção de acidentes e doenças do trabalho. Em 2017, ingressaram 289 ações no Foro Trabalhista de Rio Grande com pedidos relacionados a acidentes e doenças laborais.
Segundo o Observatório Digital de Segurança e Saúde no Trabalho, entre 2012 e 2017 foram notificados 6.161 acidentes de trabalho em Rio Grande, com 30 óbitos. Nesse mesmo período de seis anos, foram expedidos 2.080 auxílios-doença por acidente ou doença laboral na cidade. O impacto previdenciário dos afastamentos foi de R$ 24,7 milhões, com a perda de 460.681 dias de trabalho.