Acervo histórico da Justiça do Trabalho gaúcha embasa tese de doutorado na UFRGS
O acervo do Memorial da Justiça do Trabalho da 4ª Região foi a principal fonte de pesquisa da historiadora Clarice Gontarski Speranza, que defendeu sua tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGH/UFRGS) no último dia 16. O trabalho tem o título "Cavando Direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre trabalhadores e patrões das minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50".
A tese abrange o período entre 1941 e 1954. Para analisar os anos de 1941 a 1947, a pesquisadora utilizou a íntegra das ações trabalhistas ajuizadas na Junta de Conciliação e Julgamentos (atual Vara do Trabalho) de São Jerônimo, arquivadas no acervo do Memorial. Na descrição dos anos de 1948 a 1954, foram utilizadas atas de audiências e sentenças do ex-presidente do TRT4 e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Carlos Alberto Barata Silva. A família do magistrado doou o acervo ao Memorial em 2009.
Segundo Clarice, a pesquisa contextualiza as relações de trabalho da época e a influência das leis trabalhistas então recém criadas, como a própria Consolidação das Leis do Trabalho (de 1943) e a lei dos descansos semanais remunerados (de 1949). Na época, os municípios de Arroio dos Ratos, Butiá e Minas do Leão pertenciam a São Jerônimo e formavam a região carbonífera mais importante do Brasil, que viria sofrer concorrência de municípios catarinenses a partir de 1945.
Nessa região, conforme a pesquisadora, foram ajuizadas 5708 reclamatórias trabalhistas entre os anos de 1946 e 1954. Destas, 2709 propostas por trabalhadores e 2999 por empregadores. "O meu objetivo era verificar como a Justiça do Trabalho incorporava-se ao cotidiano dos trabalhadores. Eles começavam a perceber que, se trabalhassem mais em um dia, aquilo poderia ser chamado de hora extra. Eram os conceitos jurídicos entrando na vida dos empregados", afirma a historiadora. "As ações buscavam, principalmente, o cumprimento das novas leis que estavam sendo criadas no período. Trabalhadores analfabetos e pouco organizados do ponto de vista sindical começavam a entrar na Justiça em busca dos seus direitos", destaca.
De acordo com a pesquisadora, sua tese está em conformidade com uma tendência atual da historiografia, que se utiliza cada vez mais dos registros da Justiça do Trabalho para contextualizar e complexificar o entendimento sobre as relações sociais. "A Justiça do Trabalho está sendo vista como fonte para abordagens diferentes das clássicas no que diz respeito a dominados e dominadores", explica.
Para ela, uma das conclusões da pesquisa refere-se à importância da institucionalização da Justiça do Trabalho para a formação da identidade do trabalhador nas minas do Rio Grande do Sul nas décadas de 40 e 50. "O recurso à Justiça do Trabalho foi se tornando cada vez mais frequente pelos mineiros no período analisado. Esse fenômeno levou a um aprendizado, por parte dos trabalhadores e também do patronato, da utilização dos instrumentos legais, fazendo com que categorias e noções estruturadoras do Judiciário Trabalhista e do Direito do Trabalho fossem componentes importantes na formação da consciência dos mineiros", avalia a historiadora, que ressalta a importância do envolvimento da equipe do Memorial da Justiça do Trabalho gaúcha na concretização da pesquisa. "Sem esse apoio o trabalho não seria possível", afirma.
Orientação
A pesquisa teve como orientador o doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Benito Bisso Schmidt. O historiador, que atualmente é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) dirigiu o Memorial da Justiça do Trabalho gaúcha entre setembro de 2008 e dezembro de 2011. Para ele, a tese de doutorado de Clarice demonstra a importância do Memorial na preservação de registros da Justiça Trabalhista. "Sem a preocupação do Memorial em preservar estes processos, a tese da Clarice não poderia ser feita", ressalta o orientador.
Como um dos principais aspectos da pesquisa, o professor ressalta a visão da Justiça do Trabalho, na época recém implantada no país, como um campo de enfrentamento entre trabalhadores e empresários. "Tanto patrões quanto empregados tiveram que aprender a lidar com esse novo campo que se abria, buscando brechas para fazer valer o que julgavam ser o justo e o legal", avalia. Outro fator a ser salientado, conforme o historiador, é o fato da Justiça do Trabalho ser uma instituição eminentemente histórica, que se modifica de acordo com os contextos históricos e as pressões dos atores sociais.
Para saber mais sobre o trabalho basta mandar e-mail para a autora: clarice.speranza@gmail.com.