Artigo: "Terceirização e Constituição", por Rafael da Silva Marques, juiz do Trabalho da 4ª Região
Por Rafael da Silva Marques, juiz do Trabalho da 4ª Região
Nesta semana ou quem sabe na semana passada, recomeçou-se a discutir o projeto de lei que trata da terceirização, mais conhecida como subcontratação de trabalhadores, ou intermediação de mão-de-obra. Dentre tantas coisas passíveis de ser discutidas, os temas que marcam os debates são, em especial, dois: a possibilidade de terceirização de atividade-fim e a responsabilização solidária.
Sinceramente o que deveria estar em pauta, antes de tudo, não são estes dois itens e sim o próprio projeto. Se bem prestarmos atenção, salvo exceções (vigilância, trabalho temporário), a terceirização de serviços não é autorizada pela lei brasileira. O que permite a terceirização é a jurisprudência do TST, que se rendeu a conceitos de administração e economia, atividade-meio e a atividade-fim, estranhos ao direito.
No Brasil, se me permitem, ocorre um fenômeno interessante. Em matéria trabalhista, normalmente o TST é bem mais conservador que o poder legislativo. Cito alguns exemplos: possibilidade de terceirização, súmula 331, aplicação do artigo 62 da CLT aos gerentes de agência bancária, súmula 287 e fixação da jornada de trabalho por acordo e/ou convenção coletiva nos casos de turnos ininterruptos de revezamento, súmula 423.
Voltando ao tema central, o que pretende o projeto de lei é trazer para dentro da legislação a terceirização, sob o argumento de que isso trará maior segurança jurídica. O que eu pergunto é o seguinte: ainda mais segurança jurídica? Se a terceirização está aí, adaptada, mesmo sem legislação, à realidade nacional, fruto de decisão judicial, para que mais segurança jurídica?
O certo seria legislar sobre a terceirização para, sim regulamentá-la, mas sem deixar de lado o que preceitua o artigo 7o, caput, da CF/88, “melhoria da condição social dos trabalhadores”. É dizer sim ao projeto de lei de terceirização mas tão somente nos casos em que o trabalhador terceirizado pertencer a uma categoria econômica mais forte e com melhores condições sociais do que aquela da empresa tomadora onde está inserido. Seria o exemplo de trabalhadores altamente qualificados e especializados, sujeitos a salários altos e altos níveis de independência funcional. Em não sendo assim há flagrante inconstitucionalidade, consoante artigo citado acima.
Não é necessário dizer que a média salarial dos empregados terceirizados no Brasil é de R$900,00 mensais, ao passo que a média geral de todos os trabalhadores é de R$1.800,00 mensais, com uma perda por parte dos primeiros de R$900,00 ao mês, sem falar do déficit quanto à inclusão sindical, sentimento de pertença e igualdade de tratamento. Ora, a terceirização cria inconvenientes como aquele em que duas pessoas trabalham no mesmo ambiente sendo que uma delas é representada por um dirigente sindical atuante e por uma comissão interna de prevenção de acidentes e outra sequer sabe quem são seus representantes sindicais ou o que é uma CIPA.
Não há como, pela ordem constitucional presente, justificar projeto de lei que “regulariza” a terceirização salvo se ela efetivamente visa à melhoria da condição social dos trabalhadores. Em atividades como faxina e limpeza, não há permissivo constitucional. Alerto ao fato que a liberdade de empresa, conceito liberal de primeira geração, deve ser lida em consonância com o primado do trabalho dentro da ordem econômica, apenas e tão-somente sendo permitida a liberdade de empresa se observados os preceitos de proteção ao trabalho, artigos 1o, IV, 7o, caput e 170, caput, da CF/88.
Assim, sem maiores delongas, este projeto de subcontratação de trabalhadores não pode, por uma hermenêutica constitucional emancipatória ser aprovado. E em uma vez o sendo, devem os magistrados, rompendo a lógica já estabelecida pelo TST de agir de forma conservadora, rejeitar a constitucionalidade da lei, aplicando os preceitos celetistas, isso pelo poder que é dado a todo e qualquer juiz no Brasil de executar o controle difuso de constitucionalidade das leis.
OBS: As opiniões expressas nos artigos publicados neste espaço pertencem exclusivamente aos autores dos textos, não representando o posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em relação ao conteúdo abordado.