Artigo: 'Classificação Internacional de Funcionalidades', de autoria dos juízes do trabalho Ricardo Carvalho Fraga e Luciana Böhm Stahnke
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde foi tema de palestra da Professora Heloisa Brunow Ventura Di Nubila, na Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul.
Tratava-se de evento do Grupo de Estudos de Responsabilidade Civil, coordenado pelo Juiz do Trabalho Luiz Antonio Colussi, realizado em 15 de agosto de 2014. Igualmente foi palestrante o perito judicial Douglas Garcia.
A Dra. Heloisa, da USP, tem estudado o tema, sendo autora, entre outros de "O papel das Classificações da OMS - CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade" (Heloisa Brunow Ventura Di Nubila; Cássia Maria Buchalla, Revista Brasileira de Epidemiologia, Rev. bras. epidemiologia vol. 11, nº 2, São Paulo, June 2008).
A palestrante assinalou que "deficiência" é um conceito relacionado ao corpo. Bem diferente da "incapacidade", que é um conceito relacionado ao meio ambiente que cerca um trabalhador adoentado. Assim é que a CIF traz um conjunto de definições e um sistema de codificação para a elaboração de bancos de dados estatísticos, para diversos usos e diferentes planejamentos.
O novo modelo em estudo vem de uma experiência humana, sendo certo que a CIF traz uma linguagem universal, estabelecendo uma classificação e não um instrumento de avaliação. Por esta razão, a classificação não estabelece quem é ou não elegível para o recebimento de benefícios previdenciários ou ações afirmativas, por exemplo. Em outro patamar de classificação, temos a CID 10, de 1992, que tem larga utilização. Considerando a "família" de classificações da OMS (Organização Mundial de Saúde), poderíamos dizer que a CIF seria a "irmã" mais nova da CID 10. Tais classificações se complementam, pois enquanto a CID 10 estabelece o diagnóstico da doença, a CIF aponto o impacto da funcionalidade.
Em dado momento da exposição, a Dra. Heloísa alertou, acima de tudo, para certas expressões, que, mesmo tendo origem técnica, passaram a ser depreciativas e com conteúdo discriminatório. Discorreu sobre o estigma de certas palavras e o impacto negativo delas sobre o indivíduo ou grupo social.
Mencionou-se o médico e filósofo da Espanha Diego Gracia. Este, em determinado texto examinou o desenvolvimento da medicina, especialmente, quando certas "decisões prudentes" passaram a ser compartilhadas com os próprios pacientes, em algumas situações especiais. Este outro autor relata o desenvolvimento da medicina, especialmente, a maior participação, até mesmo, dos pacientes e a "democratización da las relaciones sanitarias". (Diego Gracia Guillén, De La Bioética Clínica a La Bioética Global: Treinta Años de Evolución, Acta Bioética 2002; año VII, n 1, pg 30, disponível em http://www.scielo.cl/pdf/abioeth/v8n1/art04.pdf acessado em 19 de agosto de 2014).
Na Justiça do Trabalho, os julgamentos sobre as ações de indenização por danos morais e materiais, decorrentes de acidentes de doenças do trabalho, cada vez mais, têm ocorrido com a presença de laudos de profissionais das áreas da saúde.
No entanto, em tais julgamentos tem sido utilizada a tabela DPVAT, criada em 1974, e que foi idealizada para traumas de grande energia, não considerando todas as funções do corpo humano. É certo que a DPVAT estabelece um percentual de perda sem analisar a repercussão na vida do trabalhador. Somente a CIF traz dados sobre o impacto da funcionalidade.
Mais do que qualquer "tabelamento", impõe-se o conhecimento de cada situação específica retratada em cada processo. Eventuais parâmetros gerais não serão suficientes para que não se realize a analise da singularidade de cada caso.
O próprio artigo quinto, inciso XXXV, da Constituição é de ser lembrado, ou seja, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Cabe ao Poder Judiciário procurar sempre evoluir, embasando suas decisões em modelos que atendam de forma mais justa aos anseios da sociedade.
Luciana Böhm Stahnke e Ricardo Carvalho Fraga
Juízes do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
Texto publicado no jornal O Sul de 07/09/2014, página 3 do Caderno Colunistas
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