Artigo: "A Mulher Nua", por Juraci Galvão Júnior, desembargador do TRT-RS
O assunto dos últimos dias, de norte a sul do país, foram as cenas seminuas da jovem bonita e talentosa atriz, mostradas com curvilínea nitidez em um seriado de uma grande emissora de televisão.
A revelação da nudez impõe, necessariamente, algumas reflexões, nesta época, de homenagem ao Rei Momo, em que desafogam o tédio das famílias, que saem dançando pelos salões e ruas do país. A cena era expressiva e convidava a meditar as possíveis intenções da heroína desnuda.
O nudismo, de tão ousada cena, não me pareceu imoral. O que fez a jovem atriz, naquele esplêndido triunfo, para a sua beleza corpórea, senão deduzir a consequência lógica diariamente encoberta nas malhas dos sofismas, com que se absolve de culpas o mundo de hoje.
Uns se valem de palavras, outros, de atos e atitudes. E tanto os sermões verbais como os que se ministram à força de exemplificações, variam na forma, estilo, timbre e mais originalidade que o gênio cria como instrumento de persuasão.
Contra os demandos orgíacos de Roma utilizava-se Catão de sua austeridade, ainda que alguns discípulos desconfiassem das admoestações de censor.
O risco a que se expõem os severos censores e amigos da ordem pública é de serem tachados ou reconhecidos de mistificadores. A nudez, em si mesma, não é imoral. O Apolo de Belvedere, a Vênus de Milo, o Adão da Capela Sistina estão nus e há neles a castidade das expressões naturais.
O que torna imoral o nu são as intenções que nele se refletem, os pensamentos secretos que o animam, como os velhos de Babilônia, que denunciaram Suzana, porque a viram nua no tanque, por entre as frestas das árvores. Não era contra a nudez da formosa israelita que eles se revoltaram, mas contra a lascívia que requeimava os próprios pensamentos.
Uma pessoa pode estar vestida e estar moralmente nua, do mesmo modo que como uma pessoa pode estar nua, como as virgens cristãs levadas ao suplícios, e estarem moralmente vestidas.
Quem observar atentamente o panorama da História, desde os tempos primitivos aos dias em que vivemos, notará que a longa crônica dos acontecimentos políticos universais obedece um ritmo parmanente de agregação e desagregação, de soma e subtração, ora se expressando nos lineamentos dos governantes, ora se manifestando no tumulto das mais variadas diferenciações de grupos humanos.
Já Salomão no Eclesiastes ponderou que existiam o "tempo de juntar pedras e o tempo de espalhar pedras" e nem de outra forma têm os povos procedidos nas ruas marchas através dos séculos.
Parece haver, neste ritmo, dos sucessos humanos, um impositivo equilíbrio impedindo que o homem a si próprio se destrua, sufocando-se, debaixo do edifício social e político por ele mesmo construído.
É o ritmo das ações e reações da História.
A felicidade social somente pode ser alcançada, quando todos do grupamento humano, sem exceção, do menos afortunado ao mais privilegiado, tenham assegurado sua liberdade e garantidos seus direitos.
Estamos na Quaresma, depois do tríduo carnavalesco, e lembrei-me do Fênix da fábula, e o que resta ainda de espiritualidade no gênero humano, que nos inspire como a lenda, a renascer das próprias cinzas, e que nos inspire, também, para que, vencendo descrenças, desânimos, mantenhamos a irredutível determinação de construir uma sociedade humanitária, forte, justa e cristã.
Desembargador do Trabalho Juraci Galvão Júnior
Texto publicado no Jornal O Sul de 23/02/2015, página 4 do Caderno Colunistas.
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