Jurista canadense fala sobre o trabalho como fator de adoecimento mental em aula inaugural da EJ
A aula inaugural da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) ocorreu na última sexta-feira (27/3) e teve como convidada a jurista canadense Katherine Lippel. Ela discorreu sobre o tema "O Trabalho como Fator de Adoecimento Mental na Contemporaneidade". Katherine é professora da cátedra de Pesquisa e Direito à Saúde e Segurança no Trabalho, disciplina da Universidade de Ottawa. Também é conferencista e consultora da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como debatedora, esteve presente a professora Edith Seligmann Silva, médica psiquiatra, doutora em saúde preventiva e pesquisadora do tema da saúde mental no trabalho desde 1980. O evento aconteceu no auditório Ruy Cirne Lima da Escola Judicial e foi prestigiado por magistrados, servidores, advogados, estudantes de direito e demais interessados pelo assunto. A atividade marcou o início do ano letivo da EJ em 2015.
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Na abertura da aula, os convidados e o público foram saudados pela presidente do TRT-RS, desembargadora Cleusa Regina Halfen, e pelo diretor da Escola Judicial, desembargador José Felipe Ledur. Conforme a presidente Cleusa, o tema da saúde mental é essencial para o Direito do Trabalho, já que as doenças ocupacionais têm repercussão na esfera social, econômica e jurídica. A magistrada apresentou alguns dados retirados do Portal Trabalho Seguro, segundo os quais, entre 2007 e 2011, houve a ocorrência de aproximadamente 700 mil acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais no Brasil. "Em 2011, a Previdência Social gastou R$ 17 milhões com acidentes e doenças do trabalho", lamentou a desembargadora. "O tema é fundamental, principalmente pela dificuldade em diagnosticar as doenças psíquicas e pela resistência da comunidade em geral e da comunidade jurídica em particular ao reconhecimento destas doenças como decorrentes do trabalho", avaliou.
Prevenção e reparação
No início da sua explanação, a professora Katherine Lippel destacou que existem diversos níveis de proteção ao trabalhador que adoece nos diferentes países do mundo. Segundo ela, existem os países que não possuem qualquer ferramenta específica para proteção dos acidentes ou doenças do trabalho. É o caso, por exemplo, da Alemanha. Mas, nestes países, os atingidos utilizam-se de disposições do Direito Civil para receber indenizações. Já na maioria das nações, existe algum regime previdenciário que protege e proporciona indenizações a quem fica doente no trabalho, inclusive se a lesão for psíquica. E, por último, a jurista mencionou um grupo de aproximadamente 20 países que possuem leis específicas de prevenção do assédio psicológico. Como exemplos, Katherine citou o Chile, a Colômbia, alguns países da Europa e Austrália. "O Brasil é exemplar quanto à proteção constitucional dos trabalhadores. Essas ferramentas também podem ser utilizadas em relação às doenças psíquicas. A eficácia pode ser discutida, mas os direitos existem aqui", avaliou a estudiosa.
A jurista observou que as pessoas, geralmente, dizem que a prevenção é mais importante que a reparação em forma de indenização, mas do ponto de vista dela, a indenização é um estímulo econômico à prevenção. "Se os custos reais destas doenças ficarem invisíveis, os responsáveis nada farão para preveni-las", explicou. "Estudei cerca de 30 países e naqueles em que ficou demonstrado o quanto são caras estas doenças foi onde começaram a cuidar da prevenção", informou. "No Canadá, se a lesão não for reconhecida como profissional, a pessoa fica sem nada. Mas se reconhecerem como decorrência do trabalho, existe amparo".
Causas
Segundo pesquisas realizadas pela jurista no seu estado natal, Quebec, no Canadá, as causas do adoecimento mental no trabalho são bastante variadas. "Costumam apontar o assédio moral como principal causa, mas existem muitos outros riscos psicossociais importantes", argumentou. Em todas as variáveis, salientou Katherine, as mulheres estão sempre mais expostas a doenças ocupacionais que os homens.
Dentre os aspectos que podem causar adoecimento, a professora destacou a proporção inadequada entre esforço e reconhecimento por parte do empregador quanto ao trabalho realizado. "O trabalhador investe muito no trabalho, mas não tem o reconhecimento devido. Esse desequilíbrio pode causar danos à saúde mental", afirmou. Os trabalhos emocionalmente exigentes (uma enfermeira que vê o tempo todo gente morrendo, ou um juiz que não consegue fazer justiça por diversos motivos) também seriam propícios ao adoecimento psíquico, juntamente com as atividades que exigem muita responsabilidade, como as de motorista de ônibus (conduzir vidas) ou de trabalho com crianças.
Outros aspectos determinantes para o aparecimento de doenças mentais decorrentes do trabalho, de acordo com Katherine, seriam a falta de meios adequados para a realização do trabalho e a violência no ambiente laboral. Na primeira situação, o trabalhador se vê diante de metas muitas vezes inalcançáveis, principalmente pelas condições dadas pelo empregador. "Ele fica com a impressão de não conseguir trabalhar", explicou a jurista. "Já a violência no trabalho desdobra-se no assédio moral, assédio sexual e violência física propriamente", ensinou. "O assédio psicológico é o mais recorrente no Quebec, com 15% dos trabalhadores pesquisados respondendo que já teriam sido assediados nos últimos 12 meses da pesquisa. Violência sexual vem depois e violência física em terceiro lugar", informou.
Reconhecimento
De acordo com Katherine, apenas 1% das ocorrências no Quebec são reconhecidas como lesões psíquicas. As demais 99% são categorizadas como doenças físicas. Entretanto, os juízes quebequenses têm sido enfáticos quanto ao reconhecimento de que um fato repetido por muito tempo pode se tornar um acidente do trabalho, mesmo que, isolado, não represente fator de adoecimento. "Assim, se um sujeito não é convidado para uma festa de trabalho em que todos os outros vão, durante 20 anos, isso pode se tornar uma lesão psíquica", explicou a pesquisadora. "Isso não está escrito na lei, mas a jurisprudência foi responsável pela construção deste entendimento", frisou.
A pesquisadora terminou sua apresentação, na qual foram destacados diversos outros aspectos sobre o adoecimento mental no trabalho, com uma notícia importante: segundo ela, a OIT está em fase final de elaboração de uma ferramenta que deve ser utilizada pela fiscalização do trabalho no que se refere às doenças psíquicas. "Trabalhamos nisso há dois anos. Será uma ferramenta direcionada à inspeção do trabalho, mas muito útil aos juízes também. O relatório será publicado neste ano e deve ser disponibilizado em português", comemorou.
Debate no Brasil
Após a exposição da jurista canadense, foi a vez da professora Edith Seligmann apresentar brevemente alguns aspectos sobre as doenças psíquicas no Brasil. Segundo ela, o reconhecimento das doenças mentais em geral e das geradas pelo trabalho está em transformação no país. "Em 2006 o INSS tinha apenas 612 diagnósticos relacionados a doenças psíquicas do trabalho. Pulou para 6,7 mil, aproximadamente, em 2007, quando criaram o Nexo Técnico Epidemiológico", destacou. "Foi constatado que as ocorrências eram muito maiores em diversas categorias, como a dos bancários. O Nexo Técnico Epidemiológico facilitou o reconhecimento para o trabalhador", salientou.
Um aspecto relevante observado no Brasil, segundo a médica, é o chamado presenteísmo, quando as pessoas não se ausentam do trabalho, mas estão doentes. "Às vezes uma pessoa tem Ler-Dort, mas não se ausenta do trabalho e acaba se deprimindo, gerando uma doença psíquica, a partir do enfrentamento que precisa fazer para ter sua doença reconhecida", exemplificou. "Por isso não é possível medir as ocorrências de doença psíquica apenas pelas ausências. Existem trabalhadores doentes mentalmente e que estão trabalhando", lembrou.
Segundo a especialista, o que o Brasil necessita fazer com urgência é adotar a mesma conduta que a União Europeia tem adotado nos últimos anos. "Ou seja, levantar o problema. Propor detecção precoce, descobrir os locais e as condições de trabalho onde mais ocorrem adoecimentos e estimular os empregados a procurarem ajuda diante dos sintomas", explicou. "E também propor aos empregadores mudanças na forma de organizar o trabalho", concluiu.